Uma festa para os livros e para a leitura
literatura, feiras literárias, livros, formação leitora
Você talvez concorde com a gente sobre esta questão: poemas muitas vezes nos deixam em apuros. E isso faz sentido, afinal, entre todos os gêneros literários (e talvez todos os gêneros textuais), a poesia é justamente aquele mais marcado por incertezas: as palavras podem ter múltiplos sentidos, a materialidade da palavra (seu som, sua forma visual, sua disposição na página) adquire tanta ou maior importância que o significado, o ritmo do verso nem sempre coincide com a sintaxe da frase, as regras gramaticais podem ser (intencionalmente) desrespeitadas, novas palavras são criadas, enfim, o mundo como o conhecemos, tanto o exterior quanto o interior, é reinventado através da linguagem. Como se isso não fosse o bastante, ainda há o fato de que os poemas, embora se pareçam em muitas coisas, são muito diferentes entre si, uns mais solenes, outros debochados, uns profundos, outros puro divertimento, uns reconfortantes, outros desestabilizadores. Mas calma lá! É isso que faz a magia da poesia, não é mesmo?
Levar poemas para a sala de aula, então, vira algo desafiador para nós: como dar conta desses textos que dão margem a novas (e inusitadas) leituras, quais deles devemos escolher, ou, indo adiante, o que podemos ensinar quando queremos ensinar poesia?
Entre os principais riscos, independente do nível de ensino e da faixa etária dos estudantes, estão o de se cair em listas de procedimentos (figuras de linguagem, classificação das rimas, contagem de sílabas poéticas, etc.) e o de defini-los excessivamente, reduzindo as infinitas possibilidades temáticas e estilísticas que a poesia oferece e tornando-a um rol de regras a ser observadas, tanto em atividades de leitura quanto de produção. Com isso, podemos acabar tirando dos nossos alunos a possibilidade de vivenciarem a poesia, nas suas incertezas e na sua magia.
É com essas questões em mente, e muitas outras que nos atormentam e estimulam, que preparamos as duas sequências didáticas que seguem. Elas são o resultado de uma série de experiências e tentativas que fizemos nos últimos anos, com diferentes públicos (estudantes e professores de Ensino Fundamental e Médio, estudantes de português como língua estrangeira, alunos de graduação em Letras, adultos que desejam escrever poemas), mas sempre com o mesmo objetivo: trabalhar com poesia de forma prazerosa e estimulante. Elas não são a solução de todos os problemas, longe disso: esperamos que elas sejam um começo de conversa, uma conversa entre nós e você, você e seus alunos, você e outras e outros profes.
As duas sequências propostas aqui procuram articular atividades diversas, envolvendo leitura de poemas, identificação de efeitos de sentido, reflexão linguística, exercícios lúdicos, propostas de produção, sempre entrelaçados com muito diálogo, levantamento de hipóteses, compartilhamento de experiências e sensações. Essas atividades estão numeradas e organizadas da seguinte maneira: primeiro há uma tarja cinza, na qual apresentamos as atividades do jeito que elas podem ser expostas para seus alunos; em seguida, fazemos sugestões de como abordá-las em sala de aula, complementando-as com exemplos e indicações de leitura.
Nosso primeiro objetivo foi sugerir atividades que promovessem uma aproximação progressiva do texto poético a partir do seu funcionamento, o que significa dizer que a discussão sobre o conteúdo dos poemas (seus temas e as visões de mundo presentes) foi deixada em segundo plano. Não negamos a importância disso, muito pelo contrário, mas a discussão do conteúdo é justamente aquilo que fazemos, em sala de aula, com todos os outros gêneros discursivos trabalhados. Isto é, pensar a poesia a partir de seu funcionamento e de suas variações é focar naquilo que a particulariza, que a diferencia dos demais textos.
Outra questão pensada nas nossas propostas: se partimos da ideia de que todo poema carrega alguma dose de incerteza, algo que não conseguimos entender em sua plenitude, é preciso que o trabalho com poesia preserve essa característica. Aliás, essa carga de inexplicável talvez seja, respondendo a uma das questões feitas antes, uma das coisas que se pode ensinar quando se ensina poesia. Isso não significa que qualquer hipótese de leitura seja válida, que tudo o que se disser sobre um poema tenha que ser considerado correto, mas que mais de uma hipótese de leitura pode ser válida, que algo que não tínhamos percebido no poema também pode estar correto, e que, finalmente, avaliar essas novas hipóteses e descobertas é, propriamente, ler um poema.
Mais do que sequências didáticas fechadas, o que esperamos é que você as abra, acrescente, mude a ordem, substitua os poemas sugeridos por poemas de sua preferência, que lhe permitam se sentir à vontade para trabalhá-los, enfim, que você as tome como um ponto de partida. Em outras palavras, e tomando alguma liberdade poética, que nós, profes, tratemos a poesia como ela nos trata: desestabilizando, questionando, estranhando, reinventando e convidando a participar.
Diego Grando é doutor em Letras - Estudos de Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e poeta, autor de Spoilers (Confraria do Vento, 2018), Sétima do singular (Não Editora, 2012), entre outros.
Melissa Kuhn Fornari é professora de português para estrangeiros, graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Linguística pela Universidade Internacional da Flórida.
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BNCC, práticas de linguagem contemporâneas, multimodalidade, letramentos, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, multissemiose