Recursos discursivos e linguísticos

Atividades

  1. Proponha questões que propiciem aos alunos analisar os recursos discursivos e linguísticos utilizados pelo cronista, bem como determinar o tom predominante. Dê a todos a oportunidade para que se expressem.
    • O autor é observador ou personagem (foco narrativo)?
    • Como o narrador introduz as personagens?
    • Existe um elemento surpresa?
    • Que aspectos do cotidiano são narrados? De que forma?
    • Como é o diálogo das personagens?
    • É possível localizar o conflito? E o desfecho?
  2. Lembre aos alunos que a crônica é um texto curto que narra episódios corriqueiros e às vezes banais. O tom da narrativa é o da conversa, do bate-papo informal. Há poucas personagens e o fato ocorre em um tempo breve (minutos, algumas horas, período do dia). O lugar onde o episódio ocorre geralmente é um só, bem determinado.
  3. Peça-lhes que releiam o texto para apreender o tom irônico do autor e o uso de expressões típicas do discurso familiar para revelar as desavenças na vida do casal. Depois, proponha-lhes ensaiar o diálogo em voz alta: um dos membros fará o papel do narrador e os outros dois, das personagens; planejem a entonação de voz, pausa, gestos, para expressar o diálogo estabelecido entre o marido e a mulher.
  4. Proponha aos alunos que ouçam essa crônica, disponível na aba Áudios. Comente com eles que várias são as possibilidades de leitura em voz alta, pois a entonação influencia o modo como o leitor interpreta o texto.
  5. Para enriquecer a análise da crônica de Moacyr Scliar, você poderá compartilhar com eles o texto abaixo.

Sobre “Cobrança”

Observe que o cronista escreve num tom jocoso. Como narrador, não faz rodeios; logo no título vai direto ao tema: trata-se de uma cobrança.

No primeiro parágrafo, de forma também concisa e direta, introduz as personagens: cobrador e devedora inadimplente. Não as caracteriza, não diz nada a respeito delas. Indica algumas ações e onde elas ocorrem – o essencial para que o leitor visualize a cena. Ele também estabelece um diálogo entre ambas, explicitando ligeiramente a situação.

Em seguida o cronista introduz um elemento surpresa: o leitor, agora, já não está na frente de um cobrador, mas de um marido cobrador, o Aristides. A mulher, que não ganha um nome, já não é uma mulher qualquer, mas a mulher do cobrador! Essa revelação altera as previsões do leitor e, por isso mesmo, o surpreende; o leitor está perante uma situação aparentemente inusitada. Isso o obriga a mudar o curso de seu pensamento.

Utilizando-se do recurso do desdobramento dos papéis (marido/mulher; cobrador/devedora), o cronista surpreende o leitor e o conduz à reflexão esperada, ou seja, o cronista viabiliza uma reflexão quando apresenta ao leitor os diferentes papéis que o sujeito social exerce, que muitas vezes são conflitantes. Com isso, o inédito da situação fica mais acentuado e a narrativa pode continuar, agora enriquecida de um novo aspecto.

Neste momento, entra com maior força o cotidiano – elemento tão fundamental e caracterizador do gênero. O autor do texto apresenta ao leitor o cerne da questão que a crônica aborda: mulher gastadeira, marido que adverte, mulher que não liga para a advertência e as possíveis consequências disso. Quantos dos leitores não ouviram falar disso ou mesmo já não viveram situação parecida? O diálogo é pontuado por um narrador lacônico que constrói a cena e indica o essencial do estado psicológico da personagem, por exemplo, irritada. Ele interrompe duas vezes o diálogo somente para indicar dados essenciais para que o leitor visualize a cena e compreenda a história, e fecha o texto, concisamente, no último parágrafo, retomando o texto inicial.

Assim, essa crônica, como muitas outras, refere-se a um tipo de comportamento humano, um comportamento atemporal, o que, por um lado, facilita a identificação do leitor e, por outro, estabelece a atualidade do assunto. Além disso, o cronista a escreve com recursos bastante interessantes, de forma que a crônica deixa de ser “descartável”, adquirindo um sabor literário.