Conversando sobre crônica
Atividades
- Apresente o título do texto: “Cobrança”. Faça um jogo de livre associação pedindo aos alunos que digam rapidamente, um depois do outro, tudo o que lhes vem à cabeça ao ouvir a palavra “cobrança”.
- Divida os alunos em trios e leia com eles o texto “Cobrança”, disponível na coletânea deste Caderno. A leitura deve começar pela exploração do título.
- Fale sobre a situação de comunicação em que a crônica “Cobrança” foi produzida: o veículo inicial foi o jornal, só depois foi publicada no livro O imaginário cotidiano.
- Após a leitura, com a ajuda do datashow, projete o texto e ressalte os elementos desse gênero e os recursos linguísticos utilizados pelo autor, grifando-os com cores e da seguinte forma:
Cobrança
Moacyr Scliar
Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: “Aqui mora uma devedora inadimplente.”Partilha fatos cotidianos com seu leitor, dando singularidade a eles.
— Você não pode fazer isso comigo — protestou ela.
— Claro que posso — replicou ele. — Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou.
— Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...
— Já sei — ironizou ele. — Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.
— Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
— Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.Traz aspectos de oralidade para a escrita: expressões de conversa familiar e íntima, repetições e o pronome “você”.
Neste momento começou a chuviscar.
— Você vai se molhar — advertiu ela. — Vai acabar ficando doente.
Ele riu, amargo:
— E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.
— Posso lhe dar um guarda-chuva...
— Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva.Emprega verbos flexionados na primeira e terceira pessoas.
Ela agora estava irritada:
— Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.
— Sou seu marido — retrucou ele — e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu a avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.Vale-se de discurso direto no diálogo, verbos de dizer.
Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.Usa marcas de tempo e lugar que revelam fatos cotidianos.