O varal de cordel
Nesta oficina os alunos vão conhecer um dos nossos maiores poetas populares: Patativa do Assaré. Seus versos impressos em folhetos de cordel correram o Nordeste e seus poemas, publicados em livros, revistas e jornais, percorrem o país.
Para saber mais
Um pouco de história
A poesia popular em língua portuguesa vem de um tempo em que os textos eram manuscritos e tinham circulação restrita a palácios e conventos. As cantigas medievais surgiram no século XII e se tornaram muito populares. Como ocorria a circulação das cantigas? Apenas oralmente. Eram memorizadas para serem ditas ou cantadas para o público. Para facilitar a memorização, elas tinham um ritmo bem marcado e muitos recursos de repetição; além das rimas, reiteração de letras, de palavras e de versos. Hoje os poemas populares são impressos e divulgados em livros, mas eles mantêm a mesma sonoridade acentuada da poesia popular de tempos passados. Os poetas populares compõem versos que encantam e emocionam o leitor.
Em várias regiões do Brasil repentistas desafiam um ao outro: dado um tema, cada um deles deve compor sobre esse tema, de improviso, uma estrofe, à qual o outro responde, e assim, por um tempo, alternam-se na troca de argumentos. Entre jovens ligados ao movimento Hip Hop, temos algo parecido com o repente: é a “Batalha de Rimas”, ou “Batalha de MC’s”. Nelas, também é dado um tema e os participantes vão se alternando até que o público declare, por meio de aplausos, o vencedor ou a vencedora.
Alguns e algumas poetas populares do Brasil, principalmente da região Nordeste, divulgam os versos em folhetos de cordel: pequenos livros artesanais, geralmente ilustrados, expostos em um cordão – como um varal de livros. Os folhetos de cordel narram histórias, quase sempre em versos apresentados oralmente por seu autor, autora, ou por quem os vende.
Cantado ou declamado, o cordel está presente nos festejos da comunidade sertaneja: feiras, festas religiosas, comícios. As narrativas em versos tratam de vários temas: o cotidiano, a denúncia dos sofrimentos do povo, a exaltação de heróis, as lendas nativas, os assuntos políticos, os casos de amor, a vida de pessoas famosas.
Os capítulos costumam ser apresentados pelas letras do alfabeto: A, B, C e assim por diante.
Para conhecer mais sobre a origem da literatura de cordel, acesse: http://www.ablc.com.br/o-cordel/historia-do-cordel/.
Atividades
- Pergunte à classe se conhecem folhetos de cordel, se já leram ou ouviram alguém dizer ou cantar versos de cordel. Verifique quais autores ou autoras de cordel já conhecem.
- Diga-lhes que irão ler o trecho inicial do cordel “Emigração e as consequências”, de Patativa do Assaré. Explique-lhes que a narrativa em versos conta a história da seca no Nordeste e do sofrimento do povo, das injustiças sociais, da migração para o sul. Fala da luta, do trabalho e do risco da entrada dos jovens na marginalidade.
- Ouçam a gravação desse poema. Na sequência, projete, por meio de datashow o poema “Emigração e as consequências”. Inspire-se nas orientações sobre leitura de poemas apresentadas na Oficina 6 para ler e interpretar o cordel com sua turma.
- Retome os grupos de versos para comentar com a turma os assuntos presentes no poema “Emigração e as consequências”. Comece pelos iniciais, em que o poema anuncia seu estilo ou modo de compor. Depois peça-lhes que identifiquem qual é esse estilo. Para fazer isso junto, você poderá projetar o poema.
- Quanto ao seu modo pessoal de compor o estilo, os versos explicitam:
- O poeta se apresenta desse modo por qual motivo?
- Estaria ele dando uma demonstração de modéstia?
- Ou buscando dizer que seus versos serão rapidamente compreendidos?
- Quanto à simplicidade dos “singelos versinhos”, cabe observar que, na verdade, o vocabulário é simples, mas os recursos de ritmo são engenhosos e revelam a habilidade do poeta, que também costuma criar comparações e metáforas. O mesmo se poderia dizer da maioria dos versos de cordel.
- Questione o sentido dos dois últimos versos. Por que “O leitor vai encontrar” / “Em vez de rosas espinhos”? Os dois termos – “rosas” e “espinhos” – são metáforas que sugerem que tipo de temas? Quais seriam espinhosos? E quais outros seriam floridos? É bem provável que a classe considere entre os primeiros os assuntos tristes e penosos, os problemas dos injustiçados, e entre os últimos as histórias agradáveis com final feliz. Oriente a discussão e aproveite a oportunidade para retomar as duas figuras já estudadas: comparação (aproximação de dois termos mediante elemento de comparação: como, tal qual, feito etc.) e metáfora (aproximação de dois termos sem o termo comparativo).
- Leia mais alguns versos e debata o sentido e as características deles. Peça-lhes que confiram, no trecho abaixo, o autorretrato do poeta e digam como ele descreve sua própria pessoa e região.
- Continue a leitura e faça com que verifiquem quais temas o poeta recusa e quais outros ele pretende cantar. Questione por qual motivo ele teria feito essa escolha.
- Continue, dessa vez orientando os e as alunas a dizer qual proteção ele pede, particularmente para quais pessoas:
- Leia mais uma vez o poema em voz alta. Peça-lhes que ouçam atentamente e percebam o ritmo cadenciado. Explique-lhes que, independentemente do tamanho dos versos, todo poema tem um ritmo, ora mais marcado, ora menos. O poema de Patativa tem versos de sete sílabas, chamado de redondilha maior, frequente nos poemas populares desde as cantigas medievais, como já vimos nas quadrinhas. Existem regras para a acentuação dos versos, e o de sete sílabas tem a regra mais simples: desde que a última sílaba tônica seja acentuada, os demais acentos podem cair em qualquer posição. Observe dois dos versos, agora escandidos, ou divididos, em sílabas métricas, sendo as acentuadas as maiúsculas grifadas:
- O ritmo marcado, cadenciado, pode estar presente em poemas de versos de outros tamanhos. Um exemplo é o poema “A valsa”, de Casimiro de Abreu, escrito em 1858, com versos de duas sílabas poéticas apenas, sendo a última delas acentuada. Projete o poema e peça-lhes que leiam as estrofes que se seguem:
- Mostre à turma que os versos curtos sugerem o ritmo da valsa, que é ternário: 1, 2, 3; 1, 2, 3, e assim por diante. O poeta Casimiro de Abreu consegue reproduzir nesses versos o ritmo do bailado. O terceiro tempo é a sílaba final, que não deve ser contada, segundo a regra métrica, conforme vimos na oficina 5, por não ser tônica, isto é, por não ser pronunciada com intensidade. Mas ela deve ser lida e pronunciada, pois ela complementa o ritmo, tornando-o ternário como o da dança que, na época do poeta – meados do século XIX – estava na moda. Observe:
- Para finalizar, ouçam a gravação desse poema no menu “Coletânea”. Você pode encontrar outras sugestões de atividades no artigo de Selma Maria Kuasne, “Poema vai, poema vem”, acessando a revista Na Ponta do Lápis, nº 20, disponível no Portal.
Nesse estilo popular
Nos meus singelos versinhos,
O leitor vai encontrar
Em vez de rosas espinhos
"nesse estilo popular
Nos meus singelos versinhos".
Ou seja, assuntos ligados à vida das pessoas simples, narrados em versos igualmente simples ou “singelos”, em tom próximo ao das pessoas retratadas e do público que ouve ou lê cordel. A simplicidade predomina em todos os aspectos. Considere com os alunos e alunas o seguinte:
Eu sou o poeta da roça
Tenho mão calosa e grossa
Do cabo das ferramentas
Por força da natureza
Sou poeta nordestino
Porém só conto a pobreza
Do meu mundo pequenino
Eu não sei contar as glórias
Nem também conto as vitórias
Do herói com seu brasão
Nem o mar com suas águas
Só sei contar minhas mágoas
E as mágoas de meu irmão
Meu bom Jesus Nazareno
Pela vossa majestade
Fazei cada pequeno
Que vaga pela cidade
Tenha boa proteção
Tenha em vez de uma prisão
Aquele inferno medonho
Que revolta e desconsola
Bom conforto e boa escola
Um lápis e o caderno