Sentido próprio, ou denotação, e sentido figurado, ou conotação
A proposta de atividades desta oficina é incentivar os alunos e alunas a perceberem a expressividade do poema com sua linguagem sugestiva, aberta a múltiplas interpretações
O texto poético se vale de recursos que surpreendem, provocam e inquietam leitores e leitoras. Isso o diferencia dos textos informativos, como as notícias, ou dos textos expositivos didáticos, que costumam apresentar um único sentido. Ele está mais próximo dos textos literários em prosa, como contos e romances, mas também difere deles por ter características específicas próprias.
O convívio e o trabalho com textos poéticos ajudam a desenvolver nos e nas alunas a capacidade para perceber esses recursos expressivos. Também os leva a descobrir que o poema, quando lido com atenção, sugere múltiplos sentidos, todos decorrentes dos recursos selecionados pelo poeta para compor seu texto.
Atividades
- Projete o poema “Livros e flores”, disponível no menu Coletânea, por meio de datashow, e ouça a leitura com a turma.
- Comente que Machado de Assis, um de nossos maiores romancistas, também escreveu poemas. Leve-os a observar a composição do poema “Livros e flores”: dois quartetos, com rimas nos versos pares (2/4 e 6/8), e mesma organização sintática: o verso inicial é uma afirmação; os três versos seguintes, sintaticamente ligados, terminam com uma interrogação.
- Verifique se o texto foi compreendido. É possível que o termo “bálsamo” seja desconhecido dos alunos e alunas. Peça-lhes que pesquisem no dicionário (impresso ou virtual), onde provavelmente encontrarão: “líquido perfumado que escorre de plantas; medicamento que alivia a dor, que tem efeito balsâmico”.
- Retome verso por verso, a partir do primeiro: “Teus olhos são meus livros”. Questione se é uma afirmação absurda, considerada isolada do texto, no sentido próprio, isto é, no sentido que usualmente empregamos. E, no sentido figurado, frequente em textos elaborados, particularmente os literários? Como se pode compreender esse verso? Diante das sugestões, leve a turma a perceber que se trata de “leitura” num sentido especial, que só se pode compreender levando em conta o texto, explicado pelos três versos seguintes:
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Trata-se de interpretar os olhos da amada para descobrir se eles revelam o que ela sente.
- O termo “página”, no verso 4, propõe duas reflexões: a “página”, em sentido próprio, ou denotativo, faz parte do “livro”; dentro dos olhos das pessoas, não há páginas; portanto, trata-se de conotação, ou sentido figurado. Qual? A tendência é que respondam que o poeta ama a pessoa a quem dedica os versos e quer saber se é correspondido. A página, denotativamente, pode ser lida e se revela a todas as pessoas que a lêem; a página, conotativamente – no contexto do poema –, só pode ser lida por quem conhece bem os olhos nos quais ela se esconde. Um sentido não descarta o outro, ambos se complementam.
- A segunda estrofe talvez cause estranhamento por causa da construção em que “me” equivale a “para mim”: “Flores me são teus lábios”. As crianças tampouco estão habituadas à inversão sintática. Convém, então, apresentá-la como um recurso que favorece o ritmo, frequente na nossa poesia até o início do século XX. Vale recuperar a ordem direta, para efeito didático de compreensão do verso, que equivale a: “Teus lábios são flores para mim”.
- Segue-se a pergunta dos três versos finais:
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
- Nesse trecho, são aproximados “lábios” e “flor”. O mesmo raciocínio sobre sentido próprio, ou denotação, e sobre sentido figurado, ou conotação, pode se aplicar aqui. Por que seria possível “beber” nos lábios da pessoa amada o “bálsamo” do amor? Mais uma vez há um jogo de superposição de sentidos. “Beber”, no sentido denotativo, soma-se a “beber” no sentido conotativo, indicando absorver, recolher. O termo “lábios” remete a palavras e a beijos. De ambos viria o “bálsamo”, o remédio para a dor de amor do poeta.
Livros e flores
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
Machado de Assis. Obra completa III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962.