Oficina 7

Etapa 2

A lógica argumentativa

(90 minutos)

  • Pergunte à turma se sabem definir o que é lógica e em que situações a aplicam na vida. Questione o que quer dizer uma pessoa que diz coisas “sem noção” ou “sem nexo” e o que quer dizer quando um locutor esportivo, ao anunciar o resultado de um jogo de futebol, arremata: “Deu a lógica!”. É possível que as(os) estudantes mencionem entre os exemplos a lógica dos exercícios de Matemática, a lógica dos jogos de tabuleiro e games ou a probabilidade, como no exemplo do locutor.
  • Discuta como a ideia de lógica está associada ao exercício do pensamento e à verificação do que é verdadeiro por meio de operações intelectuais. Praticamos análises lógicas o tempo todo: questionamos discursos incoerentes, conferimos o valor da conta em uma lanchonete, premeditamos os acontecimentos de um filme ou série e assim por diante. No texto, não é diferente. Por isso, vamos analisar de que modo a lógica se manifesta em um artigo de opinião.
  • Projete ou distribua cópias do texto “Minha identidade não é sua fantasia”, de Samela Sateré Maué. Os parágrafos estão numerados para facilitar a análise posterior.

Minha identidade não é sua fantasia

17 de fevereiro de 2023

  1. É carnaval, época em que muitas pessoas saem nas ruas em busca de diversão e entretenimento. Mas sabe o que não é nada divertido, pelo contrário é muito desrespeitoso? É quando nessa época as pessoas se fantasiam de “índio”.
  2. Ainda bem que estamos aqui para descomplicar, sendo referências nos assuntos que são nossos, protagonizando as nossas pautas.
  3. O primeiro ponto relacionado à fantasia de índio remete logo ao nome. “Índio” é um termo pejorativo e errado – dado pelos colonizadores quando invadiram o Brasil –, que não traduz toda a nossa diversidade. Quando as pessoas usam esse termo, elas remetem a somente um povo, invisibilizando, por ignorância, os mais de 305 povos indígenas que, com sua diversidade, vivem no Brasil.
  4. Usar o termo também traz adjetivos e estereótipos construídos pela colonização, e reproduzidos por muito tempo nas escolas e veículos de comunicação como “índio preguiçoso”, “índio sem alma” ou “índio anda nu”.
  5. Geralmente, quando as pessoas usam da nossa identidade no carnaval, elas também usam o termo “tribo”, que não condiz com a nossa organização social. Somos Povos, segundo a Constituição, nos artigos 231 e 232, pois cada povo tem língua, cultura, território e identidade diferentes. […]
  6. Agora, vamos às fantasias. […] quando as pessoas usam “fantasia de índio” para brincar o Carnaval, elas deturpam nossas imagens e reproduzem estereótipos que nós tentamos desconstruir há séculos (como os termos já citados) […].
  7. Outra situação está relacionada à fetichização dos nossos corpos: a nudez do Carnaval atrelada a nossa identidade objetifica o corpo da mulher indígena e banaliza toda violência sofrida no processo colonizador, caso do estupro das nossas ancestrais.
  8. Quando se fantasiam, também descaracterizam as nossas pinturas e adereços que podem ser sagradas; nossas pinturas podem remeter a diferentes situações de nossas vidas – como rituais e casamentos – ou indicar status social na aldeia, como caciques, tuxauas, mulheres casadas, solteiras, homens casados e solteiros. Elas não podem ser reproduzidas sem sentido e/ou propósito. Isso vale para os adereços como colares, brincos e cocares, que remetem a respeito e status social e não devem ser banalizados, mas sim respeitados.
  9. “Mas como eu posso homenagear os povos indígenas?” Vale começar nos ajudando a desconstruir estereótipos e lutando conosco pelas nossas lutas e pautas – como a pauta indígena e ambiental em defesa da vida – e nos reconhecendo enquanto povos originários do Brasil.

Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods10/minha-identidade-nao-e-sua-fantasia/ Acesso em: 10/10/2023

  • Leia o texto em voz alta e, depois, pergunta à turma se conseguem deduzir alguma informação sobre quem é e qual é a atuação da autora do texto. Após ouvir as respostas, conte que Samela nasceu no Amazonas, foi criada pelas mulheres artesãs e ativistas do povo Sateré Maué, formou-se em Biologia, é comunicadora e já participou dos maiores eventos mundiais sobre o clima, como a COP ou Conferência das Partes, promovida pela Organização das Nações Unidas para discutir questões ambientais.
  • Em seguida, peça que a turma analise o texto com base nas seguintes perguntas:
1) Em que contexto, Samela escreveu o texto? Qual foi sua principal motivação para expressar sua opinião por meio de um artigo?

Ressalte que o texto data de fevereiro de 2023, ou seja, foi escrito às vésperas do Carnaval, momento em que fantasias que fazem referência às culturas brasileiras ainda são comuns: há “índios”, “mães de santo” e “muçulmanos”, por exemplo.

2) Qual é a tese da autora ou a que conclusão Samela quer que as(os) leitoras(es) cheguem?

Ela problematiza o uso de fantasias de “índio” do Carnaval, ao apontar as origens e as consequências dessa prática, o que se evidencia já no título do artigo de opinião: “Minha identidade não é sua fantasia”.

3) Como a autora sustenta a tese?

Peça à turma para identificar quais argumentos estão presentes no texto. Samela Sateré Maué recorre à história, quando faz menção a valores da colonização que são propagados sem reflexão até a atualidade. Menciona também a concepção limitada que a população tem dos povos indígenas (ao chamá-los de tribos), o quanto o uso de pinturas e adereços pode ser ofensivo e a associação entre nudez e mulheres indígenas como forma de objetificação.

  • Retome a definição de estratégia argumentativa para perguntar à turma se consideram o artigo de opinião convincente e qual é a estratégia adotada pela autora. É possível indicar o lugar de fala que ela ocupa na discussão, já que é uma mulher indígena, que conhece tanto os ritos quanto às vestes e símbolos de seu povo. Além disso, Samela é ativista e pensa tanto nos problemas históricos enfrentados pelas populações indígenas quanto nas reverberações de tais questões no presente. As perguntas retóricas – como a do primeiro parágrafo: “Sabe o que não é nada divertido, pelo contrário é muito desrespeitoso?” – e o título, que já sintetiza o ponto de vista que ela defenderá, compõem também a estratégia.
  • Caso queira aprofundar o estudo da lógica argumentativa, apresente ao grupo a argumentação como uma área de pesquisa. Conforme temos estudado e vivenciado nas últimas atividades, argumentar é um exercício intelectual complexo, que demanda uma série de habilidades, as quais podem ser sofisticadas com a prática. Já há séculos essas habilidades vêm sendo estudadas e, no século XX, dois nomes se destacam. O primeiro é Stephen E. Toulmin (1922-2009) e o segundo é o polonês belga Chaïm Perelman (1912-1984), a quem creditamos a noção de auditório adotada neste material. Para apoiar a análise do texto, você pode se basear no esquema proposto por Toulmin, aqui ligeiramente adaptado para fins didáticos.

JANELA TEÓRICA

O esquema de Toulmin

Acompanhe a explicação passo a passo:

D) É o conjunto de Dados, ou seja, de fatos, indícios, informações etc., que o argumentador toma como ponto de partida para o seu raciocínio.

No texto, o dado do qual Samela Sateré Maué parte para desenvolver seu artigo é o fato citado no primeiro parágrafo: o incômodo gerado pelo uso de fantasias de “índio” durante o Carnaval.

C) É a Conclusão a que o argumentador quer chegar, ou seja, a tese que pretende defender, em relação aos argumentos usados como base para o artigo.

Nesse sentido, Samela quer nos levar à conclusão que identificamos na atividade: usar fantasia de “índio” alimenta estereótipos e violências contra as populações indígenas.

J) É o conjunto de Justificativas, ou seja, de argumentos propriamente ditos, que o argumentador reúne e analisa com o objetivo de sustentar a conclusão ou tese.

No artigo aqui analisado, os principais argumentos são aqueles apresentados na seção do texto que denominamos “Desenvolvimento”, ou seja, os parágrafos que vão de 2 a 8.

S) É o Suporte (para os Dados ou para as Justificativas), ou seja, o conjunto de informações ou argumentos complementares que ajudam o argumentador a reforçar ou os Dados e fatos de que parte ou, ainda, as Justificativas que apresenta. Alguns dos argumentos desenvolvidos ao longo do artigo funcionam como suporte para outros, de forma que a conclusão ou justificativa final vem amparada por todo um esquema argumentativo.

No artigo de Samela Seteré Maué, um bom exemplo de suporte aparece nos parágrafos 3, 4 e 5, que discutem como a linguagem reproduzida no Carnaval serve para disseminar estereótipos, preconceito e informação equivocada: “O primeiro ponto relacionado à fantasia de índio remete logo ao nome. “Índio” é um termo pejorativo e errado – dado pelos colonizadores quando invadiram o Brasil –, que não traduz toda a nossa diversidade. Quando as pessoas usam esse termo, elas remetem a somente um povo, invisibilizando, por ignorância, os mais de 305 povos indígenas que, com sua diversidade, vivem no Brasil”. Na sequência, ela acrescenta: “Usar o termo também traz adjetivos e estereótipos construídos pela colonização, e reproduzidos por muito tempo nas escolas e veículos de comunicação como ‘índio preguiçoso’, ‘índio sem alma’ ou ‘índio anda nu’”. Este argumento complementa o anterior, o qual mobiliza a linguagem, aparentemente inofensiva e dissociada do Carnaval, como fundamental parte de práticas excludentes. Por fim, a autora afirma: “Geralmente, quando as pessoas usam da nossa identidade no carnaval, elas também usam o termo ‘tribo’, que não condiz com a nossa organização social. Somos Povos, segundo a Constituição, nos artigos 231 e 232, pois cada povo tem língua, cultura, território e identidade diferentes”. Com a reflexão sobre o termo “tribo”, a ativista e comunicadora fecha uma sequência de raciocínio. O objetivo da autora é levar o auditório a pensar em questões sobre as quais talvez nunca tenha pensado, porque se trata de um fenômeno naturalizado – pela mídia e pelas escolas, como Samela defende – na sociedade brasileira.

M) É o Modalizador, a palavra ou expressão por meio da qual o argumentador manifesta determinada atitude em relação à conclusão que pretende levar o leitor a aceitar: “é certo que”, “necessariamente”, “talvez”, “é provável/possível que”, “na medida em que” etc.

Alguns exemplos, no artigo de Samela:
“Ainda bem que estamos aqui para descomplicar…” (2º parágrafo)
“Geralmente, quando as pessoas usam da nossa identidade no Carnaval, elas também usam o termo ‘tribo’, que não condiz com a nossa organização social”. (5º parágrafo)
“Elas não podem ser reproduzidas sem sentido e/ou propósito”. (8º parágrafo)

R) É a Refutação, ou seja, a contestação que seria possível fazer ao raciocínio do argumentador, mas ela somente é citada para mostrar como e por que ela não procede. Assim, a Refutação funciona como um recado ao adversário: “Eu sei que você pode dizer que… mas esse contra-argumento não é válido, por tais e tais motivos”.

Em seu raciocínio, Samela antecipa e contesta o contra-argumento possível à sua tese na conclusão, de modo indireto, ao perguntar “Mas como eu posso homenagear os povos indígenas?”. Com a pergunta, ela antecipa o argumento de quem defende que a fantasia é uma homenagem e oferece alternativas para homenagens que ela considera mais pertinentes.

Os DADOS, a CONCLUSÃO e a JUSTIFICATIVA compõem o núcleo de uma argumentação. Em muitos casos, o raciocínio resume-se a eles. Veja, como exemplo, uma argumentação contrária à Reforma do Ensino Médio.

Diante do projeto do governo federal de alterar a dinâmica do Ensino Médio (D), quero dizer que isto seria um retrocesso (C). A diminuição da carga horária dos componentes curriculares que compõem a formação geral básica gerará prejuízos às(aos) jovens e aumentará a desigualdade social no país. (J).

Entretanto, o SUPORTE para os Dados ou Justificativas, o MODALIZADOR e a REFUTAÇÃO também podem agregar-se a uma argumentação, com o objetivo de lhe dar mais consistência ou eficácia, do ponto de vista de um auditório específico.

A linha pontilhada do gráfico que liga os Dados à Conclusão indica que existe uma relação lógica indireta desses dois elementos dentro do esquema argumentativo. Ela é indireta justamente porque precisa ser estabelecida ou demonstrada por meio de argumentos coerentes e convincentes. Já as linhas cheias indicam relações lógicas diretas e necessárias entre os Dados e os argumentos que os complementam e reforçam, ou seja, as Justificativas e o Suporte.

É preciso estar atento, portanto, às relações que se estabelecem entre as partes de um texto argumentativo para detectar adequadamente “quem é quem” e também para avaliar se elas efetivamente funcionam, no conjunto, como Dados, Justificativas, Conclusão etc. Vale ressaltar que nenhuma oração, período ou trecho é, independentemente dessas relações, uma Conclusão, um Dado ou uma Justificativa. Os elementos articuladores também desempenham um papel importante nesse processo.