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sua aula / planos de aula

A escrita negra de Machado de Assis em seus contos e crônicas

Esdras Soares

28 de julho de 2023

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Público-Alvo

9º ano do Ensino Fundamental. Pode ser adaptativa para a 1º série do Ensino Médio

Número de aulas

15 a 20

Alinhamento à BNCC

6 Competências
9 Habilidades

Público-Alvo

9º ano do Ensino Fundamental. Pode ser adaptativa para a 1º série do Ensino Médio

Número de aulas

15 a 20

Alinhamento à BNCC

6 Competências
9 Habilidades

A obra de Machado de Assis é tão grande quanto o escritor e, por isso, existem inúmeras possibilidades de leitura e abordagem. Nesta sequência didática de leitura literária, trabalhamos com contos e crônicas do autor a partir de uma perspectiva negra, ou seja, compreendemos que Machado de Assis é um escritor negro que compõe seus textos a partir desse ponto de vista. Para saber mais sobre isso, leia o texto “Machado de Assis, um escritor negro”.

Além disso, esta sequência didática foi construída tendo em vista os seguintes pontos:

  1. Literatura afro-brasileira como uma possibilidade de promover uma educação antirracista. Para aprofundar o conhecimento sobre a temática, confira o texto “Unindo o discurso à prática: não basta ser antirracista. É preciso ler o que as autoras e autores negros escrevem.”, de Bel Santos Mayer, publicado na revista Na Ponta do Lápis, edição 39.

  2. Prática de ensino de literatura e formação de leitores literários que mobilize aspectos técnicos, teóricos, críticos e historiográficos, bem como possibilite que tenham lugar a subjetividade dos leitores e a fruição estética. Sobre esse assunto, leia o texto “A literatura, os jovens e a escola: caminhos para a leitura literária e a formação de leitores”, de Esdras Soares e Lara Rocha, publicado na revista Na Ponta do Lápis, edição 35.

Recursos materiais necessários


  • Multimídia (projetor, sala de informática, televisão, etc.)

  • Cópias impressas dos textos sugeridos;

  • Celulares ou câmeras para gravação de vídeos.
BNCC

Competências Específicas de Língua Portuguesa:

  • Competência específica nº3 Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo.

  • Competência específica nº6 Analisar informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e ambientais.

  • Competência específica nº7 Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias.

  • Competência específica nº8 Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.).

  • Competência específica nº9 Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura.

  • Competência específica nº10 Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais.

Práticas de linguagem / Objetos do conhecimento:

  • Leitura

Objetos de Conhecimento:

  1. Reconstrução das condições de produção, circulação e recepção;

  2. Apreciação e réplica;

  3. Reconstrução da textualidade e compreensão dos efeitos de sentido provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióticos;

  4. Adesão às práticas de leitura;

  5. Relação entre textos;

  6. Estratégias de leitura.

Habilidades (clique ou passe o cursor do mouse sobre os códigos das habilidades para ler suas descrições)

EF69LP44Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produçãoEF69LP46Participar de práticas de compartilhamento de leitura/recepção de obras literárias/manifestações artísticas, como rodas de leitura, clubes de leitura, eventos de contação de histórias, de leituras dramáticas, de apresentações teatrais, musicais e de filmes, cineclubes, festivais de vídeo, saraus, slams, canais de booktubers, redes sociais temáticas (de leitores, de cinéfilos, de música etc.), dentre outros, tecendo, quando possível, comentários de ordem estética e afetiva e justificando suas apreciações, escrevendo comentários e resenhas para jornais, blogs e redes sociais e utilizando formas de expressão das culturas juvenis, tais como, vlogs e podcasts culturais (literatura, cinema, teatro, música), playlists comentadas, fanfics, fanzines, e-zines, fanvídeos, fanclipes, posts em fanpages, trailer honesto, vídeo-minuto, dentre outras possibilidades de práticas de apreciação e de manifestação da cultura de fãsEF69LP47Analisar, em textos narrativos ficcionais, as diferentes formas de composição próprias de cada gênero, os recursos coesivos que constroem a passagem do tempo e articulam suas partes, a escolha lexical típica de cada gênero para a caracterização dos cenários e dos personagens e os efeitos de sentido decorrentes dos tempos verbais, dos tipos de discurso, dos verbos de enunciação e das variedades linguísticas (no discurso direto, se houver) empregados, identificando o enredo e o foco narrativo e percebendo como se estrutura a narrativa nos diferentes gêneros e os efeitos de sentido decorrentes do foco narrativo típico de cada gênero, da caracterização dos espaços físico e psicológico e dos tempos cronológico e psicológico, das diferentes vozes no texto (do narrador, de personagens em discurso direto e indireto), do uso de pontuação expressiva, palavras e expressões conotativas e processos figurativos e do uso de recursos linguístico-gramaticais próprios a cada gênero narrativoEF69LP49Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura e por outras produções culturais do campo e receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, que representem um desafio em relação às suas possibilidades atuais e suas experiências anteriores de leitura, apoiando-se nas marcas linguísticas, em seu conhecimento sobre os gêneros e a temática e nas orientações dadas pelo professorEF89LP32Analisar os efeitos de sentido decorrentes do uso de mecanismos de intertextualidade (referências, alusões, retomadas) entre os textos literários, entre esses textos literários e outras manifestações artísticas (cinema, teatro, artes visuais e midiáticas, música), quanto aos temas, personagens, estilos, autores etc., e entre o texto original e paródias, paráfrases, pastiches, trailer honesto, vídeos-minuto, vidding, dentre outrosEF89LP33Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos e levando em conta características dos gêneros e suportes – romances, contos contemporâneos, minicontos, fábulas contemporâneas, romances juvenis, biografias romanceadas, novelas, crônicas visuais, narrativas de ficção científica, narrativas de suspense, poemas de forma livre e fixa (como haicai), poema concreto, ciberpoema, dentre outros, expressando avaliação sobre o texto lido e estabelecendo preferências por gêneros, temas, autores

  • Produção de textos

Objeto de Conhecimento:

  1. Estratégias de produção

Habilidades (clique ou passe o cursor do mouse sobre os códigos das habilidades para ler suas descrições)

EF69LP54 Produzir roteiros para elaboração de vídeos de diferentes tipos (vlog científico, vídeo-minuto, programa de rádio, podcasts) para divulgação de conhecimentos científicos e resultados de pesquisa, tendo em vista seu contexto de produção, os elementos e a construção composicional dos roteir

  • Análise linguística/semiótica

Objetos de Conhecimento:

  1. Recursos linguísticos e semióticos que operam nos textos pertencentes aos gêneros literários;

  2. Figuras de linguagem.

Habilidades (clique ou passe o cursor do mouse sobre os códigos das habilidades para ler suas descrições):

 EF69LP54 Analisar os efeitos de sentido decorrentes da interação entre os elementos linguísticos e os recursos paralinguísticos e cinésicos, como as variações no ritmo, as modulações no tom de voz, as pausas, as manipulações do estrato sonoro da linguagem, obtidos por meio da estrofação, das rimas e de figuras de linguagem como as aliterações, as assonâncias, as onomatopeias, dentre outras, a postura corporal e a gestualidade, na declamação de poemas, apresentações musicais e teatrais, tanto em gêneros em prosa quanto nos gêneros poéticos, os efeitos de sentido decorrentes do emprego de figuras de linguagem, tais como comparação, metáfora, personificação, metonímia, hipérbole, eufemismo, ironia, paradoxo e antítese e os efeitos de sentido decorrentes do emprego de palavras e expressões denotativas e conotativas (adjetivos, locuções adjetivas, orações subordinadas adjetivas etc.), que funcionam como modificadores, percebendo sua função na caracterização dos espaços, tempos, personagens e ações próprios de cada gênero narrativoEF89LP37 Analisar os efeitos de sentido do uso de figuras de linguagem como ironia, eufemismo, antítese, aliteração, assonância, dentre outras

Objetivos gerais


  1. Reconhecer Machado de Assis como um dos pilares da literatura brasileira, destacando sua identidade racial negra e sua contribuição para o país.
  2. Desenvolver habilidades de leitura e interpretação, explorando textos dos gêneros crônica e conto de Machado de Assis e identificando suas características.
  3. Analisar a produção literária de Machado de Assis, observando a importância da temática racial em suas obras e sua relevância para a compreensão do passado e do presente.

Roteiro de atividades

Roteiro de atividades

1ª Etapa: Conhecendo o maior escritor brasileiro (1 aula)

Objetivos:

  • Relacionar a biografia de Machado de Assis com a sua produção literária, ressaltando a relevância da temática racial em suas obras.

  • Reconhecer Machado de Assis como um dos maiores escritores brasileiros, destacando sua identidade racial negra.

Atividades:

  1. Recomendamos que você inicie o trabalho com um bate-papo com a turma e diga que vão ler textos do maior escritor brasileiro de todos os tempos, mas que primeiro terão que adivinhar de quem se trata. Pode ser que algumas das pessoas já saibam que estamos falando de Machado de Assis. De uma maneira ou de outra, pergunte como elas(es) imaginam que é esse escritor e quais são suas características físicas. Provavelmente a turma vai dizer que se trata de um homem de meia-idade ou idoso e branco. Dialogue com as questões que surgirem e, quando sentir que a discussão e as tentativas se esgotaram, mostre algumas imagens de Machado de Assis que revelem o seu fenótipo negro. Algumas sugestões:

    https://www.escrevendoofuturo.org.br/arquivos/12264/machado-de-assis-acervo-do-museu-nacional-de-belas-artes.png

    https://www.escrevendoofuturo.org.br/arquivos/12265/machado-de-assis-machadodeassisreal.png

    https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/93/Machado_de_Assis_Poss%C3%ADvel_%C3%9Altima_Foto_Revista_Argentina_Caras_y_Caretas_Janeiro_de_1908.png

     

    Faça perguntas provocadoras para as(os) estudantes que as(os) levem a refletir sobre a razão de pensarem que o maior escritor brasileiro de todos os tempos era diferente das fotos apresentadas. É uma oportunidade para refletir sobre o fato de haver mais visibilidade de obras literárias publicadas por homens brancos, além de Machado ter sido atravessado por um processo de branqueamento. Para saber mais sobre esse assunto, acesse o texto “Machado de Assis, um escritor negro”, indicado na introdução dessa sequência didática.

  2. Em seguida, é possível apresentar a biografia de Machado de Assis. Para isso, você pode utilizar a biografia disponibilizada no Portal Literafro ou o vídeo do canal PhCôrtes, disponibilizado abaixo:


    É importante não esquecer de ressaltar o pertencimento racial negro de Machado e o seu engajamento na questão racial, bem como destacar que essa temática faz parte da sua obra literária.

2ª Etapa: Como era o Brasil na época de Machado de Assis? (2 a 3 aulas)

Objetivos:

  • Compreender o panorama histórico e social da segunda metade do século XIX no Brasil.

  • Reconhecer as diferentes formas de resistência à escravidão, destacando personagens importantes desse período.

Atividades:

  1. Apresente uma breve contextualização do panorama histórico e social da segunda metade do século XIX no Brasil, abordando a escravidão, as lutas por liberdade e a Abolição da Escravatura.

    É importante destacar as várias formas de resistência à escravidão, como os quilombos, as revoltas e levantes, fugas, ataques a fazendas escravocratas e o Movimento Abolicionista. Também recomendamos a apresentação de heroínas e heróis negros do período, como Zumbi dos Palmares, Dandara dos Palmares, Luis Gama, Maria Felipa, Maria Firmina dos Reis, Francisco José do Nascimento, André Rebouças e José do Patrocínio. Isso pode ser feito em um trabalho interdisciplinar com professoras(es) de História.

    Também é viável, em parceria com professoras(es) de Sociologia, explorar correntes científicas desse momento histórico, como a Teoria da evolução, o Determinismo e o Positivismo, bem como o Darwinismo racial e as Teorias raciais.

    Outra estratégia interessante é envolver a turma em um trabalho de pesquisa, em que ela é convidada a fazer pesquisas na sala de informática, em seus celulares, na biblioteca da escola ou como tarefa de casa.

  2. Explique a importância de compreender o contexto no qual Machado de Assis viveu para uma melhor compreensão de sua obra. Informe que nas próximas aulas serão lidos textos literários muito interessantes que de alguma maneira estão relacionados às discussões feitas nesta etapa.

    Atenção: a escravidão é um tema fundamental de ser estudado na escola, mas é necessário fazer isso de maneira apropriada e sem estereótipos racistas, apoiando-se em estudos e pesquisas sérias. Além disso, é importante que a história da população negra brasileira e mundial não seja resumida à escravidão, dor e sofrimento. É necessário, também, abordá-la de maneira positiva, destacando suas contribuições fundamentais à ciência, ao desenvolvimento das civilizações, arte, cultura, entre outros aspectos.

3ª Etapa: Leitura da primeira crônica - Explorando a ironia (2 a 3 aulas)

Objetivos:

  • Explorar o gênero crônica, observando suas características e situação de produção.

  • Utilizar estratégias de leitura, ampliando a compreensão dos textos.

  • Identificar a ironia presente na obra de Machado de Assis, levantando conhecimentos prévios sobre essa figura de linguagem.

Atividades:

  1. Nesta etapa, iniciaremos a leitura de textos selecionados de Machado de Assis, começando com o trecho de uma crônica de 1864. Antes da leitura, é importante relembrar o contexto da escravidão abordado nas aulas anteriores. Como é a primeira vez, nesta sequência didática, que a turma lerá um texto literário, é interessante que seja feita uma leitura coletiva. É possível lançar mão da leitura protocolada, fazendo pausas e perguntas durante a leitura, acionando conhecimentos prévios, antecipando o que virá a seguir e explicando o significado de palavras desconhecidas. Trata-se de uma excelente maneira de mediar a leitura e viabilizar que as(os) estudantes ampliem a compreensão da crônica e se familiarizem com os textos machadianos. Devido ao tema da escravidão, isso adquire ainda mais relevância, pois é uma oportunidade de refletir adequadamente acerca de assuntos complexos.
  2. Com o texto em mãos ou projetado, busque levantar os conhecimentos prévios da turma sobre o gênero crônica. Pergunte se já leram ou escreveram alguma, se sabem quais são suas características, em que lugar normalmente são publicadas e de quais assuntos normalmente elas falam. Quando sentir que a turma está pronta, é possível iniciar a leitura, buscando fazer articulações com o que as(os) estudantes levantaram e compartilhar informações importantes que não tenham sido mencionadas.

     Crônica de 25 de julho de 1864, publicado no jornal Diário do Rio de Janeiro

  3. Na crônica de 1864, publicada no Diário do Rio de Janeiro, Machado de Assis descreve um leilão de escravizados, destacando a disputa entre dois homens por uma jovem menina. O autor critica o egoísmo dos participantes, revelando a falta de verdadeira caridade, sugerindo que o “duelo” só aconteceu porque eles sabiam que havia jornalistas presentes. Ele também aborda o papel da imprensa nessa situação, demonstrando preocupação com a forma como os eventos são retratados. No final, o narrador ressalta a importância da liberdade, convidando as(os) leitores a refletirem sobre essa questão. Como suas crônicas eram publicadas em jornais de grande circulação, Machado expõe o embate entre a verdadeira e a falsa filantropia, utilizando a imprensa como uma ferramenta para sensibilizar as pessoas e denunciar aqueles que se aproveitam de causas sociais para benefício pessoal.
  4. Uma das características mais marcantes de Machado de Assis é a ironia. É possível que as(os) estudantes já tenham se dado conta disso e que essa constatação já tenha sido exposta durante a leitura. Assim, é importante explorar o uso desse recurso, considerando que essa é uma constante na obra do autor.

    Pergunte para a turma o que é ironia e anote na lousa tudo o que for surgindo, para que o sentido seja construído aos poucos. Convide as(os) estudantes a pensar em pessoas irônicas, como familiares, colegas ou pessoas famosas. A turma pode, e você também, dar exemplos de frases e expressões irônicas. Algumas sugestões: "Que coisa boa pegar um ônibus lotado. Eu adoro!”, “Com certeza, porque eu adoro acordar cedo", "Ah, sim, porque lavar a louça é a minha tarefa preferida”, “Que sorte! Quando chegou a minha vez de fazer o pedido, o pão acabou.”. Lembre a turma de que a ironia muitas vezes é transmitida por meio de uma expressão facial, tom de voz ou contexto, portanto, esses exemplos podem não parecer tão irônicos por escrito.

    Por fim, você pode compartilhar a definição de ironia. Disponibilizamos uma sugestão a seguir:

    Ironia é uma figura de linguagem que consiste em expressar o contrário do que se quer realmente dizer, ou seja, falar uma coisa quando na verdade você quer falar outra, de maneira sutil e muitas vezes divertida. Pode ser utilizada para criticar, ridicularizar ou provocar reflexão sobre determinado assunto. A ironia pode ser utilizada tanto de forma escrita quanto falada, e é comumente encontrada em textos literários, piadas e conversas do dia a dia.

  5. Com o conceito de ironia compreendido, é possível voltar à crônica e perguntar à turma porque o narrador é irônico e quais são as marcas presentes no texto. É uma oportunidade para explicar que a ironia é bastante presente nos textos de Machado de Assis e que, inclusive, ele a utiliza para criticar a escravidão e a hipocrisia das classes dominantes de maneira bastante sofisticada. Na obra desse autor, é como se a ironia expressasse duas realidades: uma que é falada literalmente e outra que está nas entrelinhas, de maneira mais ou menos explícita, portanto precisa ser decifrada e compreendida. Um ótimo exemplo disso é a última frase do texto, porque é como se o narrador nos olhasse e desse uma piscada ao dizer “Deixo ao leitor a apreciação daquele airoso duelo de filantropia”.
  6. A própria turma pode comparar como seria a crônica se Machado não utilizasse a ironia, discutindo as diferenças e o impacto. Por exemplo: “O autor falaria que as pessoas que participaram do leilão, na verdade, não estavam preocupadas com a liberdade da criança, mas apenas queriam aparecer no jornal como pessoas muito boas”. Esse exercício serve tanto para o aprofundamento dessa figura de linguagem quanto para maior compreensão dos sentidos do texto.

Outras possibilidades:

   ➜ Caso você planeje fazer um trabalho mais focado no gênero crônica, há um ótimo texto do próprio Machado para incluir: “O nascimento da crônica”.

   ➜ Considere propor que a turma crie diários de leitura, um excelente recurso para formação de leitoras(es) autônomas(os) e que pode contribuir com experiências bastante significativas com a literatura. Saiba mais na proposta de trabalho com a obra de Geni Guimarães.

   ➜ Confira também o Caderno Docente “A ocasião faz o escritor”, com orientações para produção textual do gênero crônica.

4ª Etapa: Mergulhando nas crônicas de Machado de Assis (3 a 4 aulas)

 Objetivos:

  • Explorar o gênero crônica, observando suas características e situação de produção.

  • Relacionar as crônicas de Machado de Assis ao contexto histórico do século XIX, destacando a Abolição e o Pós-abolição.

  • Compreender o uso de pseudônimos por Machado de Assis, refletindo sobre as possíveis razões motivadoras dessa prática.

Atividades:

  1. Nesta etapa, vamos ler mais uma crônica que expõe a hipocrisia e a falsa benevolência das classes dominantes daquele momento histórico, assim como a crônica anterior. O texto foi publicado em 19 de maio de 1888, poucos dias após a Abolição da Escravatura.
  2. Diferente da proposta da etapa anterior, inicialmente as(os) estudantes podem ler a crônica de maneira individual para depois lê-la coletivamente. É recomendável criar um glossário colaborativo, que pode ser registrado na lousa, nos cadernos ou de maneira digital.
  3. Antes ou depois da leitura, é possível explorar ainda mais a situação de produção do gênero crônica no século XIX: trata-se de textos que eram publicados em jornais, o principal meio de comunicação da época e muito presente entre a população letrada. Aqui, há uma oportunidade de chamar a atenção sobre a diferença com os dias atuais, em que crônicas são publicadas em suportes variados, como blogs, jornais impressos e digitais, revistas, livros e redes sociais. Compartilhe com as(os) estudantes que Machado de Assis utilizava esses textos para estar mais próximo de suas(seus) leitoras(es) e isso atendia a um projeto antigo do autor de colaborar com o debate público e estimular o envolvimento da população com a política. Tendo isso em vista, é possível buscar essas marcas em suas crônicas.

     Crônica de 19 de maio de 1888, publicado no jornal Gazeta de Notícias

  4. Em boa parte das suas crônicas, Machado de Assis retrata os tipos sociais influentes da época. Isso também se aplica à crônica acima, em que o narrador parece ter relações sociais privilegiadas e deseja ser deputado. Assim como já foi visto antes, o narrador desta história é cínico e busca fama e reconhecimento. É importante destacar que, após o fim da escravidão, a população liberta não recebeu apoio do governo para se integrar ao mercado de trabalho e à sociedade, conforme aparece durante a “negociação” entre o senhor de escravos e Pancrácio. Para que a turma tenha dimensão do quão pouco valia 6 mil-réis na época, uma camisa custava cerca de 3 mil-réis e o aluguel de uma casa comum custava por volta de 35 mil-réis por mês (GLEDSON, 1990). Essa é uma oportunidade adicional para estudar de forma mais detalhada o contexto histórico e social daquele período, sobretudo o pós-abolição.


    Também é importante destacar que a escolha do nome “Pancrácio” é repleta de significados, conforme aponta Eduardo de Assis Duarte (2009, p. 51-52): “O nome do escravo remete ao adolescente Pancrácio, um dos mártires e primeiros santos do catolicismo, torturado e decapitado no dia 12 de maio (!) do ano 304, por ordem do imperador Diocleciano. Na Espanha, São Francisco Pancrácio é considerado o padroeiro dos trabalhadores. O campo semântico do nome está ainda vinculado ao substantivo grego 'pankration', que designava uma espécie de luta livre, considerada a modalidade mais violenta do atletismo grego, em que se permitia o uso de mãos e pés a fim de vencer o adversário. Escusado dizer que, em sua conformação fonética no português, o nome está em consonância com “pancada”... Sua escolha, portanto, nada tem de casual ou inocente”.

  5. Após a leitura, peça para que as(os) estudantes compartilhem com o restante da turma o que sentiram ao ler a crônica: É engraçada? Sentiram-se revoltados com a “cara de pau” do narrador? Como perceberam que o narrador diz justamente o contrário do que diz defender? Perceberam a ironia? Como ela aparece? Quais são as marcas presentes no texto? Acontece algo semelhante hoje em dia? Caso vocês tenham organizado um diário de leitura, também é possível registrar esses comentários nele.
  6. Por fim, é relevante explicar para a turma que Machado, assim como outros escritores e jornalistas do período, usavam pseudônimos para assinar suas crônicas. Explique o que é esse recurso e provoque a sala para que levantem hipóteses sobre a razão de o escritor assinar suas crônicas com outros nomes. É interessante que a turma perceba que um dos motivos para Machado fazer isso é que era uma maneira de se proteger de possíveis ataques e represálias, pois era uma atitude bastante arriscada um homem negro criticar e ridicularizar escravocratas.
  7. Se houver tempo, é possível ler e discutir outras crônicas de Machado. Algumas sugestões:


     - Crônica de 15 de junho de 1877

     - Crônica de 11 de maio de 1888

    Outras possibilidades:

       ➜ As crônicas lidas aqui mostram narradores cínicos e hipócritas, assim como o narrador do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. Assim, pode ser muito interessante ler esses textos em conjunto, estabelecendo relações.

5ª Etapa: Explorando os contos de Machado de Assis (3 a 4 aulas)

Objetivos: 

  • Explorar o gênero conto, observando suas características e situação de produção.

  • Analisar contos de Machado de Assis, destacando suas temáticas e denúncias sociais.

  • Discutir os contos lidos em grupo, compartilhando percepções, dúvidas e reflexões sobre a relação desses textos com a atualidade.

  • Compreender o fenômeno da atemporalidade dos textos literários e sua relevância na contemporaneidade.

Atividades:

  1. Após a leitura das crônicas, é hora de conhecer alguns contos de Machado de Assis. Antes disso, é interessante refletir sobre as características desse gênero e levantar os conhecimentos prévios das(os) estudantes. Como apoio, utilize o vídeo a seguir, bastante oportuno porque explora as diferenças entre conto e crônica.

  2. Iniciaremos a leitura com um dos contos mais conhecidos de Machado, “O caso da vara”, publicado em 1899. Como se trata de um texto mais extenso, faremos apenas a leitura individual.

     O caso da vara 

  3. No conto, acompanhamos a história de Damião, um jovem branco que foge de um seminário; Sinhá Rita, mulher branca que acolhe o rapaz em sua casa; e Lucrécia, uma menina negra escravizada.

    Embora a descrição da menina seja breve, as marcas de tortura evidenciam a crueldade de Sinhá Rita e as duras condições de vida da criança. Apesar disso, Lucrécia é capaz de rir e se divertir com a situação de Damião. O jovem, por sua vez, se sente culpado, pois sabe que está atrapalhando o ritmo de trabalho da menina. Os momentos de descontração são interrompidos pelas ameaças de Sinhá Rita. Mesmo sentido, receoso de perder o apoio de Sinhá Rita, Damião acaba entregando a vara para a senhora, que a usa como instrumento de castigo para a menina. Por meio dos personagens e de suas ações, Machado, mais uma vez, denuncia a crueldade da escravidão, as desigualdades sociais, o egoísmo e a hipocrisia das classes dominantes. Explore essas questões com a turma, instigando-os a trazerem novas leituras, percepções e sentimentos.

  4. Na próxima rodada de leitura, a turma poderá escolher qual conto gostaria de ler entre os três a seguir:


    Mariana

    Pai contra mãe

    O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana

    Compartilhe com a turma os títulos de cada um dos contos, juntamente com um breve resumo, de maneira que as(os) estudantes se interessem pela leitura. A ideia é dividir a sala em três grupos iguais, que chamaremos de “Grupo de Especialistas”, para que cada um deles leia um dos textos. Uma vez que os grupos estejam formados e todas as pessoas saibam qual texto vão ler, sugerimos a seguinte dinâmica:

       A. Cada estudante lerá um conto individualmente, de acordo com o seu grupo. Durante ou após a leitura, devem anotar a resposta para a seguinte pergunta provocadora: “Qual é a relação desse texto com os dias atuais?".

       B. Após a leitura individual, as(os) estudantes deverão se reunir com seu Grupo de especialistas para discutir partes do texto que não compreenderam bem, compartilhar os aspectos que mais chamaram a sua atenção e socializar as respostas para a pergunta provocadora.

       C. Depois, o Grupo de especialistas deve discutir e escolher qual é a resposta que mais o representa, podendo até criar uma nova resposta a partir da discussão coletiva. Em seguida, o grupo deve eleger uma dupla de representantes que deverá apresentar um resumo do conto e sua relação com os dias atuais para a turma inteira.

       D. Por fim, organize as apresentações das duplas de representantes.

    A proposta de relacionar textos antigos com questões atuais é uma maneira de oportunizar uma reflexão subjetiva sobre o sentido dos textos para cada indivíduo, bem como reconhecer o caráter atemporal dos textos literários. Essa proposta também está presente na última etapa, em que a turma será convidada a produzir um vídeo para as redes sociais.

    Saiba mais:

       • Assista ao vídeo “O que é um conto, como surgiu e dicas para escrever” para saber mais sobre as características dos contos contemporâneos e dicas para a escrita de um bom texto.

    Outras possibilidades:

       ➜ Experimente explorar as conexões entre os contos de Machado de Assis e outras obras literárias de autoria negra do século XIX, como Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama e Cruz e Sousa, assim como escritoras e escritores negros contemporâneos.

       ➜ Também é muito interessante e potente promover o diálogo entre os contos de Machado de Assis e outras produções contemporâneas, como a música e as artes visuais. Para se inspirar, assista ao vídeo abaixo em que um educador narra sua experiência ao relacionar Machado de Assis, Racionais MC’s e Tarsila do Amaral.

6ª Etapa: Machado de Assis nas redes sociais! (4 a 5 aulas)

Objetivos:

  • Construir sentidos para textos de Machado de Assis, refletindo sobre a relação deles com os dias atuais.

Atividades:

  1. Como forma de encerrar esta sequência didática, propomos que a turma crie vídeos curtos para serem publicados em plataformas como o TikTok ou o Instagram. A ideia é que os vídeos abordem Machado de Assis e sua relevância atual. Essa é uma maneira de construir sentidos a textos do século XIX, que são lidos por estudantes atualmente. Além disso, é uma ótima forma de celebrar o término do trabalho, compartilhar o aprendizado e despertar o interesse de outras pessoas pelos textos de Machado.

    Inicialmente, divida a sala em grupos de 4 a 6 estudantes. Explique a proposta e escolham se gostariam de gravar vídeos para o TikTok ou para o Reels do Instagram. Em seguida, mostre alguns vídeos selecionados que tenham relação com o universo educacional para inspirar as(os) estudantes. Algumas sugestões de perfis e hashtags:

    Simone Porfiria

    Sandro Curió

    Débora Aladim


    #aprendanotiktok


    #estudandotiktok


    #estudos

  2. É possível que você encontre bastante heterogeneidade na turma, havendo estudantes que não estejam familiarizados ou não tenham acesso a esses recursos, enquanto outros possam utilizá-los com facilidade, interagindo e produzindo conteúdo com frequência. Assim, as(os) estudantes que têm mais facilidade podem oferecer uma oficina sobre o TikTok/Instagram, explicando o funcionamento dessas redes e dando dicas para a criação de vídeos interessantes.
  3. O próximo passo é compartilhar o tema que deve orientar as produções. O objetivo é gravar vídeos sobre Machado de Assis e a sua relevância nos dias atuais. Para isso, sugerimos a seguinte pergunta mobilizadora: “Qual é a relação dos textos de Machado de Assis com hoje em dia?”. Entre os muitos caminhos que as(os) estudantes podem escolher, destacamos alguns:

       ➢ Resumir e apresentar os textos.

       ➢ Encenar como seria uma história de Machado de Assis se passando na atualidade.

       ➢ Relacionar textos do autor a questões ou situações atuais. Por exemplo, como Machado de Assis denunciaria o racismo nos dias de hoje?

       ➢ Explorar a faceta crítica do autor em relação ao racismo.

       ➢ Realizar uma entrevista fictícia com um dos personagens dos textos lidos.

       ➢ Falar sobre características da escrita de Machado, como a ironia, por exemplo.

    Atenção: como os textos lidos na sequência didática tratam de escravidão, é necessária uma mediação bastante atenta e ativa para evitar comportamentos racistas, reprodução de estereótipos e bullying. Por exemplo, caso os grupos desejem interpretar personagens dos contos e crônicas, é preciso ter cuidado para que estudantes negras(os) não sejam colocados para interpretar escravizados, pois seria uma situação degradante e desnecessária, podendo causar grande sofrimento.

  4. Com os grupos formados, agora é necessário criar roteiros simples para a gravação dos vídeos. Se necessário, disponibilizamos um modelo abaixo.

    Roteiro do vídeo

    Tema

     

    Duração

     

    Formato (entrevista, encenação, etc.)

     

    Participantes

     

    Tópicos abordados

     

    Uma possibilidade de enriquecer a construção do roteiro consiste em propor que cada grupo apresente a primeira versão para outro, recolher sugestões e aprimorá-lo com base nas contribuições das(os) colegas.

  5. Com os roteiros finalizados em mãos, os grupos passam à etapa de gravação dos vídeos. Como são curtos, eles podem refazer a gravação algumas vezes, se necessário, até alcançarem o resultado desejado. Por fim, é chegada a hora de publicar. Vocês podem criar um perfil no TikTok/Instagram para o projeto e publicar todas as produções nele, ou as(os) estudantes podem utilizar suas próprias contas e usar uma mesma hashtag para identificar os vídeos.
  6. Agora é só divulgar na escola e nas redes, acompanhando as curtidas, comentários e interações!

    Dica:

       ➜ Para avaliar as produções, é possível criar uma rubrica com critérios que sejam construídos coletivamente antes do início da produção dos vídeos. Saiba mais na página do Instagram Na aula de português.

    Outras possibilidades:

       ➜ Se preferir organizar um trabalho mais focado em produção textual, é possível dar uma profundidade maior no processo de escrita dos roteiros.

       ➜ Uma alternativa interessante é organizar a produção de podcasts. Saiba mais nos links abaixo:

            ♦ Erguendo a voz: o podcast em sala de aula - Na Ponta do Lápis, nº 39, p. 22-27

            ♦ Planejando um podcast a partir do conto clássico - Nova Escola

            ♦ Gravando podcasts a partir do conto clássico - Nova Escola

            ♦ Edição de podcasts a partir do conto clássico - Nova Escola

Sobre o autor

Sobre o autor

Esdras Soares é mestre, licenciado e bacharel em Letras (USP), com pesquisa sobre literatura e educação das relações étnico-raciais. Contato: esdras.soa@gmail.com.


Referências

BRASIL-MEC/SEPPIR. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.

 DUARTE, Eduardo de Assis. Estratégias de Caramujo. In: Machado de Assis: afro-descendente - escritos de caramujo [antologia]. Rio de Janeiro / Belo Horizonte: Pallas / Crisálida, 2009.

 GLEDSON, John. Introdução. In: Bons Dias!: crônicas (1888-1889). São Paulo: HUCITEC: Editora da Unicamp, 1990.

 ROUXEL, Annie. A tensão entre utilizar e interpretar na recepção de obras literárias em sala de aula: reflexão sobre uma inversão de valores ao longo da escolaridade. In: Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013, p. 151-164.

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