A notícia e o artigo de opinião

Sobre a etapa

Você acompanha as notícias sobre os refugiados, em vários países do mundo? Sabia que muitos brasileiros emigram para países da Europa, para os Estados Unidos e para o Japão, enfrentando grandes dificuldades nesses destinos? Conhece a realidade daqueles que vêm para o Brasil fugindo de guerras, dificuldades econômicas e perseguições políticas em seus países de origem? Tem informações sobre o tratamento que dispensamos a bolivianos, haitianos, sírios, entre outros, que optaram por viver em nosso país?

Antes da leitura, entretanto, você os estimulará a conversar a respeito das duas questões e dos pontos em comum entre elas. Para ajudá-los, leve para a sala outras matérias pertinentes, para subsidiar o debate.

Uma dica para o tema da imigração, é o texto Migração no Brasil: quem vem para o nosso país? , do site Politize! , que contextualiza a chegada de novos grupos ao país e evidencia que nossa fama de país hospitaleiro nem sempre se confirma.

Em nossa imprensa diária, assim como nas mídias eletrônicas, não faltam notícias sobre maus tratos a imigrantes de países pobres e a refugiados no Brasil. Em muitos casos, essas matérias referem-se a situações de intolerância, preconceito, discriminação e exclusão, especialmente no caso de bolivianos e haitianos. Reunindo algum material jornalístico a esse respeito, facilmente encontrável na internet, você poderá promover uma boa discussão sobre a diferença de tratamento a diferentes tipos de (i)migrantes no Brasil. Caso considere útil, informe a turma de que os temas aqui estudados voltarão a ser abordados no artigo “Tá com dó do refugiado? Leva pra casa…”, de Leonardo Sakamoto, que será trabalhado na Oficina 11.

Já no que diz respeito às desigualdades econômico-sociais do país, apontadas por todos os índices nacionais e internacionais, você pode recorrer a matérias como “Mesmo adiado, Enem escancara desigualdades e preocupa estudantes pobres”, de Bruna Martins, para o site Ponte Jornalismo, e a do site Uol, “Por que o Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo”, de Bárbara Fonte.

A notícia e o artigo de opinião

Nesta oficina será analisado o esquema argumentativo do artigo de opinião “Do chumbinho nos haitianos aos protestos de domingo”, de Mônica Francisco, para que os alunos e as alunas identifiquem, no corpo do texto, a questão polêmica, a tese defendida pela autora, os argumentos por ela utilizados para fazer valer seu ponto de vista, as refutações a possíveis contra-argumentos, a maneira como estabelece sua conclusão (diretamente ou por meio de um modalizador). Antes, porém, vamos analisar uma notícia diretamente relacionada a esse artigo: “Haitianos foram feridos com bala de chumbinho, diz secretaria de saúde”.

Atividades

  1. Divida os alunos em grupos e projete a notícia. Peça-lhes que, antes de iniciarem a leitura, digam o que sabem e o que pensam a respeito do assunto.
  2. Em seguida, peça que leiam a notícia “Haitianos foram feridos com bala de chumbinho, diz secretaria de Saúde”. Clique nas setas ao longo do texto para conhecer o significado de algumas palavras e expressões.

    Haitianos foram feridos com bala de chumbinho, diz secretaria de Saúde

    O ESTADO DE S. PAULO, 10 Agosto 2015, 20h57

    Grupo foi atacado no Glicério, região central de São Paulo, no dia 1º; uma das suspeitas é de xenofobia

    SÃO PAULO – A Secretaria Municipal de Saúde confirmou nesta segunda-feira, 10, que os seis haitianos feridos no Glicério, centro da capital, no dia 1.º foram alvo de balas de chumbinho. Eles foram atingidos nas pernas e não correm riscos. Uma das suspeitas é de que eles tenham sido alvos de xenofobia.

    Três das vítimas fizeram exames nesta segunda no Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste. Dois deles, de acordo com a pasta, passarão por cirurgias para extrair estilhaços das balas. Outro haitiano ainda será novamente avaliado pelos médicos.

    A Secretaria Estadual de Segurança Pública informou que o 1.º Distrito Policial (Sé) está apurando o caso. Segundo a pasta, “a polícia está colhendo o depoimento dessas vítimas e de testemunhas e não irá revelar detalhes para não comprometer a investigação”.

    O grupo de haitianos, relatam as próprias vítimas, foram alvos de vários ataques. O padre Paolo Parisi, da Igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, disse que a maioria dos atingidos pelos disparos não se conheciam. Imagens das câmeras de vigilância do comércio local também foram requisitadas pelos investigadores.

    Rigor. Felipe González, relator sobre direitos dos migrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), disse que é necessária uma investigação “rápida e rigorosa” sobre o caso. “Para saber, ao final, se há ou não motivos xenofóbicos”, disse ele nesta segunda-feira, 10. González está em São Paulo para debates sobre políticas migratórias.

    O Congresso Nacional discute atualmente uma nova Lei de Migrações para substituir o Estatuto do Estrangeiro, aprovado em 1980, ainda na época da ditadura militar. Aprovado no Senado em julho, o projeto da Lei de Migrações deve começar a ser votado na Câmara no segundo semestre.

    Segundo ativistas da área, alguns dos avanços da proposta é a redução de burocracias para migrantes, além de garantias ao acesso à justiça e reunião familiar. Com a mudança, a política migratória deixa de ser da segurança nacional e passa a integrar a área de direitos humanos. Para Felipe González, porém, seria importante também criar uma autoridade civil que pudesse tratar do controle migratório, além da Polícia Federal.

    Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,haitianos-foram-feridos-com-bala-de-chumbinho–diz-secretaria-de-saude,1741549

  3. Converse com os alunos sobre a notícia. Informe-os de que, no site do jornal O Estado de São Paulo, de onde ela foi extraída, há matérias relacionadas, como: “Governo vai pedir ajuda para evitar tráfico de haitianos por “coiotes”;. Pergunte a eles e elas o que essas manchetes estariam indicando, a respeito de como recebemos refugiados haitianos. Como estratégia de exploração de vocabulário específico, ajude-os(as) a esclarecer o sentido de termos como “coiote”, “xenofobia”, “políticas migratórias”, “burocracia” e outros.
  4. Em seguida, proponha aos alunos que leiam atentamente o artigo “Do chumbinho nos haitianos aos protestos de domingo”. Qual seria a questão polêmica? Que tese a articulista defende a respeito dessa questão? Que argumentos utiliza? Recorre a suportes para os argumentos? Quais?
  5. Solicite-lhes que identifiquem esses dados no próprio texto. Você também poderá projetar o texto e fazer os grifos coletivamente. Se achar pertinente, leia o artigo em voz alta para a turma.
  6. Ao conduzir esse estudo coletivo, chame a atenção dos alunos para o sentido de palavras e expressões como as que vêm destacadas no texto. Clique nas setas para conhecer o significado dessas palavras ou expressões.

    Do chumbinho nos haitianos aos protestos de domingo

    Mônica Francisco*, Jornal do Brasil, 16/08 às 00h30

    Minha mãe dizia que o mundo só é ruim para quem não sabe esperar. Neste mundo acelerado, de respostas instantâneas para tudo, de tudo ao alcance em um só clique, de emoções e sentimentos voláteis e breves, alguns de nós batalhamos para não perdermos a humanidade e a capacidade de esperar, como diz a canção, “dias melhores pra sempre”.

    Os tais dias de paz que a outra parte da mesma canção nos provoca a pensar e refletir, se de fato eles virão. Aquela humanidade que nos distingue das outras espécies, parece por vezes chegar no seu volume morto (pra não perder de vista a crise hídrica) e fazer com que esta esperança quase se desvaneça.

    Abrir as páginas dos jornais, sejam on line ou impressos, ver postagens que dão conta de duas dezenas de pessoas assassinadas, ler postagens ininterruptas de tiroteios que assombram o Complexo do Alemão, nos dão a certeza de que algo precisa urgentemente mudar neste país.

    Relatórios oficias de governos estrangeiros, como o dos EUA, da Anistia Internacional, do Mapa da Violência 2015, enfim, um sem número de dados oficiais, que fazem de nós uma nação que ainda continua perpetuando a tortura e o assassinato de parte da população, e de maneira sistemática, percebe-se embutido aí um desejo franco de limpeza étnica travestida de guerra à drogas e combate ao crime.

    Não estamos em guerra, não temos fundamentalista armados até os dentes querendo tomar o controle estatal (até agora). Não é possível a produção em ritmo fordista de tantas mortes seletivas e monocromáticas.

    Discursos higienistas, xenofóbicos, ditos por empreiteiros sem o menor sintoma de constrangimento. Promover cerceamento de “tipos” ou “categorias” de pessoas na circulação da cidade, ou na presença em determinados espaços, isto sim é a prática nossa de cada dia.

    Não podemos nos permitir a conviver de maneira natural e sistemática com esta barbárie. Nossa leniência com este assunto vai nos custar caro demais, ou melhor, já está nos dando um quadro aterrador do que é viver com este nível de violência no Brasil. Violência seletiva, que mata negros e não-brancos, pobres e de áreas desfavorecidas.

    O pior é que tudo isso, aliado ao discurso hipnótico e paralisador do “somos todos brasileiros”, “no Brasil ninguém é branco” ou o indefectível ” não somos racistas” acrescentando à esse o “não somos xenófobos”, somos um país miscigenado, multicolorido, misturado, aqui temos povos de todo mundo, recebemos todos de braços abertos.

    Pois bem, tudo isso se desvanece ao termos haitianos espancados, atingidos por disparos (ainda que de armas com munição como o “chumbinho”), índios queimados, chamados de fedorentos e meninos e homens negros espancados até a morte.

    Isso tudo precisa de alguma maneira ser estancado, não encontro melhor definição. Alguns vão às ruas neste domingo, buscando a manutenção de privilégios seculares. Isso mostra claramente não só uma rejeição a um governo, mostra claramente quem não faz parte do Brasil oficial, que deveria ser de direitos para todos e não de privilégios para alguns.

    P.S.: Não esqueci das Margaridas, voltaremos a elas em breve.

    “A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!”

    *Mônica Francisco é Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE. Twitter: @MncaSFrancisco

    Texto disponível clicando aqui.

A análise que apresentamos a seguir é dirigida a você, professor. Ela poderá ajudá-lo a mediar o estudo de texto a ser feito em sala de aula. Assim, você poderá exercitar a compreensão dos alunos, elaborando coletivamente tanto uma síntese quanto um esquema do texto.

Análise do texto

“Do chumbinho nos haitianos aos protestos de domingo”

Como é frequente em artigos de opinião, este foi escrito no calor da hora: no caso, a crise política nacional de 2015 e, em especial, os protestos de diferentes setores da sociedade, em torno de valores e interesses conflitantes. Originalmente publicado no Jornal do Brasil, o artigo persegue um claro objetivo: denunciar as urgências sociais do País, relacionadas a nossas desigualdades sociais, conclamando o(a) leitor(a) a uma tomada de posição. Seu ponto de partida são matérias recentes sobre dificuldades dos haitianos no País, como a notícia lida ainda há pouco.

A estratégia argumentativa da autora pode ser descrita, resumidamente, nos seguintes termos:

  • Numa espécie de depoimento em primeira pessoa, a jornalista evoca a sabedoria popular, dando voz a um provérbio, repetido por sua mãe, que enaltece o valor da paciência para uma vida feliz. Logo em seguida, contrasta esse mundo com a pressa e a velocidade contemporâneas, com a consequente dificuldade de preservar, hoje, a esperança, a paciência e a humanidade. As referências a “este mundo acelerado” — assim como às injustiças que o caracterizam, abordadas por ela mais adiante — constituem, então, o Dado (D) da argumentação da autora. Nesse mesmo momento, uma nova voz se faz ouvir: a canção “Dias melhores”, de Jota Quest, referida por meio de um de seus versos, e que anuncia a direção argumentativa pretendida por Mônica Francisco: a luta pela igualdade social. Se houver tempo para tanto, leve para a sala de aula a letra da canção.
  • Mencionando a “outra parte da mesma canção”, no segundo parágrafo, a jornalista traz à cena a falta da paz, cantada por Jota Quest, típica de nossas grandes e médias cidades. E compara essa carência de humanidade à crise hídrica da região Sudeste, provocada, segundo especialistas nacionais e internacionais, por má gestão desse recurso natural. Essa perspectiva da luta pela paz e pela felicidade é a primeira Justificativa (J) dada para a conclusão a que se chegará.
  • Nos três parágrafos seguintes, o artigo aponta o noticiário da mídia e os relatórios de organizações internacionais, que, informando sobre torturas, assassinatos diários e tiroteios que amedrontam favelas cariocas, evidenciam nossa violência urbana cotidiana. Lembrando que não estamos em situação de guerra declarada, Mônica denuncia o ritmo inaceitavelmente veloz dessas mortes, assim como o seu caráter de limpeza étnica.
  • Do sexto ao oitavo parágrafos, a violência seletiva (por só se abater sobre negros, não-brancos, pobres e desfavorecidos) das cidades brasileiras aparece nas vozes tanto dos que defendem posições higienistas e xenofóbicas, quanto nos discursos que mascaram a nossa violência pela ideologia da miscigenação e do caráter supostamente pacífico e cordial do brasileiro.
  • Nos dois parágrafos seguintes, a articulista atualiza a discussão, referindo-se, de um lado, a episódios recentes como os espancamentos e disparos contra haitianos; e, de outro, aos “protestos de domingo” (20/08/2015), supostamente promovidos pelas classes médias das grande cidades e interpretados pela jornalista como em defesa de “privilégios seculares”.
  • Portanto, do terceiro ao nono parágrafos o artigo traz à tona uma série de informações sobre violência, desigualdade e discriminação no Brasil. Todas elas funcionam como Justificativas (J) que, dando Suporte (S) umas às outras, apontam para uma urgência: “Isto tudo precisa de alguma maneira ser estancado”. Assim, esta é a Conclusão (C) do artigo, conclamando o leitor e o auditório envolvidos no debate a se posicionarem.
  • Um P.S. (abreviatura latina para post scriptum, “depois do escrito”) e um conjunto de palavras de ordem, no rodapé do texto, lembram o leitor que a discussão não se encerra ali.

A argumentação desenvolvida no artigo revela-se, portanto, própria de alguém diretamente envolvido nas questões abordadas e combativamente participante. Articulista do Jornal do Brasil , Mônica Francisco de fato atua em organizações não governamentais que apoiam populações de comunidades populares e/ou em situação de risco. Em seus artigos, combate todas as formas de exclusão e discriminação social, assim como os efeitos negativos da especulação imobiliária e da ocupação desordenada do espaço urbano (gentrificação). Assim, você pode estimular seus alunos a perceber as estratégias argumentativas da autora, aqui analisadas, como uma manifestação de sua atuação profissional e cidadã.