As vozes no artigo

Atividades

  1. Instigue os alunos com perguntas que os levem a perceber, no texto, as diferentes vozes. Escreva na lousa ou projete as questões abaixo e peça-lhes que, em pequenos grupos, releiam o texto, discutam as questões e localizem as respostas. Identificar os trechos que contenham elementos que ajudem a responder às perguntas é uma boa estratégia de aprendizagem.
    • Qual é o ponto de partida (D) da argumentação?
    • Qual é a posição ou tese (C) do articulista sobre a questão?
  2. Para construir seus argumentos (J), Sakamoto tanto recorre a vozes que lhe são favoráveis quanto analisa e contesta (R) vozes que lhe são contrárias. Peça aos alunos que identifiquem os trechos correspondentes.
  3. Para finalizar, um representante de cada grupo lerá para a classe as respostas elaboradas, cabendo a você promover, como fechamento da atividade, uma discussão coletiva capaz de estabelecer consensos e de chegar a resultados satisfatórios.
  4. Para ajudar no trabalho de sala de aula, a reprodução do artigo a ser analisado vem, aqui, acompanhada de um comentário geral e de observações pontuais, distribuídas ao longo do texto. Clique nas setas para ler esses comentários.
  5. “Tá com dó do refugiado? Leva pra casa!”

    Leonardo Sakamoto, 08/09/2015, 12h56

    Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP e pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York, é diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.


    Fonte: Blog do Sakamoto.

  6. Para que seus alunos compreendam melhor e “curtam” o artigo, certifique-se de que certos termos e expressões, entre ele os destacados no texto, tenham sido bem compreendidos: pautas do Congresso; temperança; passionalidade; clamor público; furor dos acontecimentos; leis casuísticas; panaceia etc. Se quiser, recorra à edição eletrônica do Dicionário Caldas Aulete, gratuitamente disponível na internet.
  7. Em seguida, discuta com eles quais são as informações – ou as orações/períodos – que melhor resumem cada parágrafo (como fizemos aqui, por meio de sublinhados no artigo), de forma a produzir uma síntese coletiva do texto e a permitir uma rápida apreensão dos raciocínios desenvolvidos.
  8. Finalmente, reconstrua com eles a trajetória desenvolvida pelo autor para nos convencer de sua(s) tese(s). Mostre a eles que, graças à estratégia argumentativa de contrastar vozes antagônicas ao longo do artigo, Sakamoto “dramatiza” a questão polêmica de que parte: “os refugiados têm direito a uma política pública específica?”; e, assim, “encena” o próprio debate em seu texto. Isso lhe permite:
    • identificar-se e confundir-se com as vozes que sustentam uma resposta positiva para a questão;
    • conclamar o Estado a fazer a parte que lhe cabe;
    • chamar o leitor às falas;
    • interpelar diretamente seus opositores.

    Em consequência, essa estratégia dá ao artigo o mesmo poder de atingir emocionalmente o público que os espetáculos teatrais têm: o leitor “vê” a realidade diante de si. E então, identificando-se com as situações, personagens e “falas” retratadas, é chamado a tomar o seu próprio lugar na cena. Um efeito que os gregos da Antiguidade reconheciam em suas tragédias, denominando-o como “catarse”.

Vejamos como esse caminho se desenha ao longo do texto.

O Dado (D) de que o artigo parte é a fala que lhe dá título: “Tá com dó do refugiado? Leva pra casa!”. O ponto de partida de toda a argumentação é, portanto, uma voz que o autor qualifica como “icônica”, representativa, portanto, do senso comum, no que diz respeito aos refugiados. Pelas críticas feitas a essa primeira voz — “é utilizada por pessoas com síndrome de pombo-enxadrista” —, o autor deixa evidente que ele pensa de outra forma. Por outro lado, na forma como descreve os refugiados (“gente pobre, parda, perdida ou violada que habita as fresas das grandes cidades”), assim como na expressão que utiliza para se referir às vozes que se levantam em favor deles (“clamor por políticas públicas”), Sakamoto faz ouvir uma segunda voz: a sua própria e a de todos os que pensam de forma semelhante.

No parágrafo seguinte, essa segunda voz se explicita: trata-se da fala que defende “políticas específicas que garantam qualidade de vida para esse pessoal”. E o seu antagonismo com aqueles que “não têm dó dos refugiados” fica claro.

Na sequência, o texto alterna essas duas posições. Em alguns momentos, a primeira voz se manifesta, e sua fala é marcada pelas aspas; em outros trechos, os comentários do autor ecoam e desenvolvem o discurso da segunda voz. Favoráveis ou contrárias a esses direitos, as posições se alternam, fazendo com que o texto evolua como um drama.

Nas reflexões que contestam a primeira voz, no quinto e no sexto parágrafos, surgem, então, os argumentos, ou seja, as Justificativas (J) que sustentam, no artigo, a defesa de políticas públicas específicas para os direitos dos refugiados: as iniciativas pessoais são “ótimas”, mas insuficientes; o Estado tem, por princípio, responsabilidade na questão; além disso, só o Estado tem os meios indispensáveis a ações da envergadura necessária; o Estado não é um entrave, e sim uma forma de não nos devorarmos; o Estado brasileiro deve agilizar a aprovação da nova lei de migração, um avanço em relação ao atual Estatuto. Todas elas se reportam ao papel que o Estado deve desempenhar na questão; nesse sentido, todos esses argumentos são Suportes (S) uns dos outros.

Por conta da estrutura dramática do texto, o articulista, exatamente como fazem os atores, em certas peças, interpela o público em meio ao “espetáculo”: “Não viu esse tipo de coisa na sua timeline? Acha que o mundo é só solidariedade? Culpe o algoritmo de sua rede social que te colocou numa bolha cor de rosa.
O mundo lá fora, minha gente, é flicts”. Ao fim do drama/artigo, o jornalista dirige-se a seus opositores, numa fala que, respondendo diretamente à que dá título ao texto, representa a Conclusão (C) de todo o seu raciocínio/diálogo: “Pessoal que pensa assim, na boa, sua vida deve ser ruim demais”.

Apesar da organização original do artigo, os argumentos e contra-argumentos expressos por essas vozes antagônicas garantem a estrutura dissertativa do texto: o primeiro parágrafo, correspondente aos Dados (D), funciona como Introdução; os parágrafos de 2 a 6, que alternam e confrontam vozes que portam Justificativas (J) para as ideias com que o autor se identifica e, por isso defende, são o Desenvolvimento; finalmente, a tese apresentada no último parágrafo corresponde à Conclusão.