Oficina 8

Etapa 1

A vida era…

Atividades

    1. Recorde com a turma que, na escrita de memórias literárias, os autores se preocupam em caracterizar lugares e pessoas considerados importantes nas experiências vividas no passado. Eles também comparam o tempo passado com o atual, destacando, muitas vezes, as diferenças. Esse aspecto, próprio do gênero memórias literárias, será ressaltado nesta oficina.
    2. Apresente para a turma a escritora Zélia Gattai, autora do livro Anarquistas, graças a Deus. Se possível, mostre o livro aos alunos e leia para eles alguns trechos.

Zélia Gattai, São Paulo (SP), 1916 – Salvador (BA), 2008. Casada com o escritor baiano Jorge Amado, morou muitos anos em Salvador. Zélia foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 2001.

Escreveu vários livros de memórias. No primeiro, Anarquistas, graças a Deus, conta a história de sua família de imigrantes italianos e relembra a infância em São Paulo.

  1. Você ainda pode apresentar aos alunos o vídeo da Fundação Casa de Jorge Amado em que a autora resgata algumas de suas memórias para falar sobre como começou a escrever.
  2. Divida a classe em grupos. Leia para eles, em voz alta, o texto Os automóveis invadem a cidade, de Gattai. Após a leitura em voz alta, projete o texto por meio do projetor e peça que leiam novamente o texto.

Os automóveis invadem a cidade

Naqueles tempos, a vida em São Paulo era tranquila. Poderia ser ainda mais, não fosse a invasão cada vez maior dos automóveis importados, circulando pelas ruas da cidade; grossos tubos, situados nas laterais externas dos carros, desprendiam, em violentas explosões, gases e fumaça escura. Estridentes fonfons de buzinas, assustando os distraídos, abriam passagem para alguns deslumbrados motoristas que, em suas desabaladas carreiras, infringiam as regras de trânsito, muitas vezes chegando ao abuso de alcançar mais de 20 quilômetros à hora, velocidade permitida somente nas estradas. Fora esse detalhe, o do trânsito, a cidade crescia mansamente. Não havia surgido ainda a febre dos edifícios altos; nem mesmo o “Prédio Martinelli” – arranha-céu pioneiro em São Paulo, se não me engano do Brasil – fora ainda construído. Não existia rádio, e televisão, nem em sonhos. Não se curtia som em aparelhos de alta-fidelidade. Ouvia-se música em gramofones de tromba e manivela. Havia tempo para tudo, ninguém se afobava, ninguém andava depressa. Não se abreviavam com siglas os nomes completos das pessoas e das coisas em geral. Para que isso? Por que o uso de siglas? Podia-se dizer e ler tranquilamente tudo, por mais longo que fosse o nome por extenso – sem criar equívocos – e ainda sobrava tempo para ênfase, se necessário fosse.

Os divertimentos, existentes então, acessíveis a uma família de poucos recursos como a nossa, eram poucos. Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto, eram outros; as mais mínimas coisas, os menores acontecimentos, tomavam corpo, adquiriam enorme importância. Nossa vida simples era rica, alegre e sadia. A imaginação voando solta, transformando tudo em festa, nenhuma barreira a impedir meus sonhos, o riso aberto e franco. Os divertimentos, como já disse, eram poucos, porém suficientes para encher o nosso mundo.

Zélia Gattai. Anarquistas, graças a Deus. 11ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986.

Clique aqui e assista com a turma para saber mais sobre o livro.

    1. Zélia Gattai faz muitas comparações entre os dias de hoje e o tempo em que era menina. Projete o texto e incentive a turma a procurar essas comparações. Se tiverem dificuldade para encontrá-las, ajude-os(as) com perguntas:
      • Como eram os carros? E o trânsito?
      • Como eram as construções?
      • Como era a vida das pessoas? E seus valores? Como se divertiam?
    2. Zélia descreve a cidade e explica como ela era. Ao ler esse trecho, temos a impressão de que a autora escreve para um(a) leitor(a) que não conhece a cidade de São Paulo, pelo menos a época em que ocorre a experiência relatada. Por isso, ela apresenta detalhes de lugares, atitudes, costumes e práticas das pessoas, o que possibilita ao(à) leitor(a) conhecer e se aproximar do passado. Procure, no texto, essa relação.
    3. Em seguida, projete um trecho do livro O menino no espelho, de Fernando Sabino, e destaque, as passagens em que o autor olha para o presente e enxerga o passado. Antes, apresente o autor para a classe.

Fernando Sabino, Belo Horizonte (MG), 1923 – Rio de Janeiro (RJ), 2004. Foi cronista, romancista, editor e documentarista. Aos 13 anos, escreveu seu primeiro trabalho literário, na revista Argus, órgão da Polícia Militar mineira. Publicou mais de quarenta livros. Em 1982, lançou o romance O menino no espelho, que passou a ser adotado em inúmeros colégios do país. Nesse livro, o autor conta sobre a sua infância em Belo Horizonte, na década de 1920.

Trecho do livro O Menino no Espelho

[…] Cansado de tantas recordações, afasto-me do relógio e caminho até a janela, olho para fora.

Assombrado, em vez de ver os costumeiros edifícios, cujos fundos dão para o meu apartamento em Ipanema, o que vejo é uma mangueira – a mangueira do quintal de minha casa, em Belo Horizonte. Vejo até uma manga amarelinha de tão madura, como aquela que eu quis dar para a Mariana e por causa dela acabei matando uma rolinha. Daqui da minha janela posso avistar o quintal, como antigamente: a caixa de areia que um dia transformei numa piscina, o bambuzal de onde parti para o meu primeiro voo. Volto-me para dentro e descubro que já não estou na sala cheia de estantes com livros do meu apartamento, mas no meu quarto de menino: a minha cama e a do Toninho, o armário de cujo espelho um dia se destacou um menino igual a mim […].

Fernando Sabino. O menino no espelho, Rio de Janeiro: Record, 1992.

  1. Incentive a turma a comentar as descrições de ambos os textos.