Uma festa para os livros e para a leitura
livros, feiras literárias, literatura, formação leitora
Um rio não deixa de ser um rio porque conflui com outro rio, ao contrário, ele passa a ser ele mesmo e outros rios, ele se fortalece. Quando a gente confluencia, a gente não deixa de ser a gente, a gente passa a ser a gente e outra gente – a gente rende.
Antônio Bispo dos Santos (semear palavras. In: a terra dá, a terra quer, 2023, p.15).
Admiráveis professoras e professores,
Os escritos de “a terra dá, a terra quer”, do pensador quilombola Nêgo Bispo, chegaram as minhas mãos recentemente e logo nas primeiras páginas, a ideia de “semear palavras” calou fundo em mim, como uma espécie de chamado, de convocação à reflexão; uma reflexão sobre a vida e sobre os saberes da experiência, alcançando os gestos didáticos que convidam ao delicado, essencial, complexo e profundo investimento na formação de “nossas meninas e nossos meninos”.
Ao trazer à cena o fazer docente e esse tão nobre propósito, penso na relevância de fomentarmos a curiosidade intelectual, a análise crítica, a empatia, a cooperação e o respeito à diversidade de modos de ser, de pensar e de estar no mundo. Um mundo grande, que exige acolhimento, compreensão, aceitação; “um mundo redondo exatamente para as pessoas não se atropelarem”, como tanto ensina o escritor piauiense.
Caminhar ao lado de tantas/os estudantes no exercício cotidiano de valorizar saberes, experiências e formas tão distintas de enxergar o mundo e de estar com o outro é um dos numerosos “desafios de fôlego” no percurso de uma professora ou professor.
Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para entender e explicar a realidade; exercitar o acolhimento e a valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza; fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade ou mesmo formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta - eis algumas das competências anunciadas na BNCC, que se revelam como outros desafios e exigem nosso posicionamento e inegociável compromisso com a formação cidadã, sustentável, democrática, inclusiva e ética de cada estudante.
Ao longo da minha trajetória profissional como formadora, não raras foram as ocasiões em que me deparei com professoras e professores que se tornaram “figuras especialmente conhecidas”, daquelas que nos ajudam a testemunhar o longo e profícuo semear do saber e fazer docente. Entre elas, trago aqui, para nos fazer companhia na “Sala de Professoras”, o professor José Jilsemar da Silva, que vem lá da cidade de Marcelino Vieira, no estado do Rio Grande do Norte.
Dono de um “posto de respeito”, já que trilha um percurso formativo junto ao Programa Escrevendo o Futuro desde 2008, como integrante de muitas iniciativas e docente de língua portuguesa para turmas do Ensino Médio, Jilsemar inicia sua reflexão com elegância, sensibilidade e otimismo:
“Peço licença para iniciar esta fala, compartilhando as linhas e traços que bordaram minha constituição como professor. Minha jornada docente não surgiu por acaso; é fruto de uma escolha sonhada e cultivada com dedicação ao longo de mais de duas décadas. Nos últimos 12 anos, fiz morada na acolhedora Escola Estadual Desembargador Licurgo Nunes, onde vivo alegrias e enfrento desafios em sala de aula que me impulsionam a sair da zona de conforto, conduzindo-me à reinvenção constante da minha prática pedagógica. A cada obstáculo, busco novas estratégias que dialoguem com as necessidades dos alunos, especialmente na árdua tarefa de desenvolver a escrita. Nessa incessante busca por caminhos que promovam aprendizagens significativas, encontro na experimentação e na inovação a base para criar ambientes que acolham e amplifiquem as vozes dos estudantes, tornando-os protagonistas de suas próprias histórias”.
Dialogando com o competente professor Jilsemar, por meio de textos cuidadosamente produzidos por ele (registros por escrito e por vídeo), logo ganhou destaque seu trabalho com o gênero discursivo artigo de opinião, por meio do Caderno Docente “Pontos de vista” (agora, em versão atualizada!). Ele relembra as transformações em sala de aula e o caminho reflexivo para a constituição de um espaço de descoberta e protagonismo juvenil:
“em cada ano, os desafios se renovam, e os aprendizados se aprofundam, consolidando o artigo de opinião como um gênero capaz de despertar o pensamento crítico dos alunos, incentivando-os a expressar suas visões sobre o mundo de forma clara, coerente e responsável”.
Agora, convido vocês para a escuta de um trecho da fala do professor Jilsemar, que complementa os dizeres acima, para entendermos a maneira como as experiências em sala de aula para o ensino do artigo de opinião combinaram propostas com outros gêneros discursivos:
Como puderam apreciar, as turmas produziram ofícios a autoridades locais, participaram de palestras e realizaram entrevistas que integraram a pesquisa para a elaboração de artigos de opinião, compondo movimentos reflexivos indispensáveis para a elaboração escrita ética e responsável, marcada pelo combate à desinformação e à análise criteriosa de fontes e de dados (aspectos discutidos na Oficina 2 - “O que é liberdade de expressão?” e na Oficina 3 - “O jornalismo e a opinião pública”).
Ainda na voz do experiente professor, fica clara a intenção de tomar o gênero discursivo debate regrado como forma de promover efetivas reflexões para a tomada de posição por parte das/os estudantes, diante de temas polêmicos envolvendo questões climáticas, direitos humanos e liberdade de expressão, a partir da exploração de argumentos de diferentes tipos, tal como previsto nas atividades que compõem a Oficina 4 - “Argumentar é preciso: questões polêmicas e debate regrado” e Oficina 5 – “O gênero: artigo de opinião”.
Confiram agora de que forma o trabalho com o debate regrado foi realizado, gerando uma produção escrita mais ajustada e aderente ao gênero artigo de opinião:
Essa experiência amplamente reflexiva promoveu não apenas avanços para as/os estudantes, mas também “trouxe lições” para o professor Jilsemar:
Muito bonito esse movimento de ensinar sempre aprendendo, não é mesmo? Alguma similaridade com o “semear palavras”? Entendo ser esse o “coração da ação docente”: escutar, acolher, planejar, vivenciar, analisar e ampliar, sempre ao lado de cada estudante, de cada turma.
Como sabiamente ressalta Nêgo Bispo, não se trata de troca, mas de compartilhamento:
Quando ouço a palavra confluência ou a palavra compartilhamento, fico muito festivo. Quando ouço troca, entretanto, sempre digo: ’Cuidado, não é troca, é compartilhamento’. Porque a troca significa um relógio por um relógio, um objeto por outro objeto, enquanto no compartilhamento temos uma ação por outra ação, um gesto por outro gesto, um afeto por outro afeto. E afetos não se trocam, se compartilham. Quando me relaciono com afeto com alguém, recebo uma recíproca desse afeto. O afeto vai e vem. O compartilhamento é uma coisa que rende (p.36).
Finalizo esse texto movida pela celebração. Celebro a oportunidade de dialogar com vocês e, pela sabedoria e pelo afeto de vocês, “render, aumentar, ampliar”. Celebro a profissão docente e a confluência com tanta gente, desde 2010, como colaboradora do Programa Escrevendo o Futuro. Celebro, ainda, a força da partilha e essa energia que, como retrata o pensador quilombola Nêgo Bispo, “move ao reconhecimento e ao respeito”. Juntas e juntos seguiremos lutando pela confluência e pelo compartilhamento capazes de (trans)formar pela Educação.
Sobre a autora
Patrícia Calheta é mestra em Linguística Aplicada pela PUC-SP, especialista em Ensino de Língua mediado por computador pela UFMG e em Gestão Escolar pelo SENAC-SP. É também formadora de professoras(es) e gestoras(es), em redes públicas e privadas e coordenadora pedagógica da Redelê. No Programa Escrevendo o Futuro, atua como colaboradora e formadora desde 2010, desenvolvendo diversas ações, tais como: a coordenação pedagógica de mediadoras do curso "Sequência Didática: aprendendo por meio de resenhas" (de 2012 a 2022) e a elaboração de textos para publicação no Portal, assinando como Olímpia, em "Pergunte à Olímpia" (de 2013 a 2023).
Uma festa para os livros e para a leitura
livros, feiras literárias, literatura, formação leitora
Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
ensino e aprendizagem de língua portuguesa, BNCC, letramentos, multimodalidade, práticas de linguagem contemporâneas, multissemiose
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