Uma festa para os livros e para a leitura
livros, formação leitora, literatura, feiras literárias
Queridas leitoras e queridos leitores da nossa “Sala de Professoras”, espero que esse texto encontre vocês animadas(os) e já envolvidos em mais um semestre de trabalho!
Na minha trajetória atuando em processos formativos e experiências de observação em salas de aula não são raras as oportunidades em que me deparo com dúvidas sobre a “passagem de um texto para outro” ou a “produção de um novo texto, em função de um já elaborado”, seja pela voz de estudantes (como a presente no título desse texto), seja por perguntas de professoras.
Então, resolvi convidar vocês à reflexão voltada ao trabalho de retextualização vinculado à produção do gênero biografia e, de forma mais abrangente, ao pensar sobre gêneros discursivos que compõem o chamado espaço biográfico, tal como proposto em diferentes oficinas que integram a sequência didática apresentada no mais recente Caderno Docente do Programa Escrevendo o Futuro “Biografia: a tessitura da vida”.
Para entendermos melhor o contexto no qual a discussão sobre o gênero biografia está inserida, vale conferir as palavras iniciais do Caderno Docente, na “introdução ao gênero” (2023, p.23):
O espaço biográfico e seus gêneros
Biografias autorizadas ou não, autobiografias, testemunhos, memórias, histórias de vida ou relatos de experiência pessoal, diários íntimos, correspondências, cadernos de notas, autoficções, entrevistas midiáticas, biografias romanceadas ou romances biográficos, entrevistas, testemunhos, talk shows e reality shows, gifs biográficos e uma série de outras novas formas narrativas que se desenvolvem no ambiente midiático e tecnológico, são exemplos de gêneros que atuam no que Leonor Arfuch (2010) define como espaço biográfico – aquele no qual o foco está no falar de/escrever sobre si (como os diários íntimos e as autobiografias) ou sobre o outro (como as biografias), com a intenção de representar o mais fielmente possível fatos da realidade concreta de sua vida.
Todos os gêneros ligados a esse espaço biográfico têm a dupla função de ser fonte de informação e de memória. Por meio deles, nós, leitoras e leitores, podemos conhecer as vidas que se apresentam em forma de testemunho ou de relatos em terceira pessoa, que podem ter o potencial de sintetizar uma época, um lugar, uma instituição ou uma visão de mundo (GONÇALVES & SILVEIRA, 2021).
De fato, explorar a ideia de espaço biográfico promove uma análise ampliada para gêneros discursivos marcados pelo “falar de/escrever sobre si ou sobre o outro” e, nessa medida, abre caminho para potentes oportunidades de contemplar o trabalho com a progressão no estudo desses gêneros, ao longo do Ensino Fundamental.
O próprio “passeio” proposto nas oficinas – envolvendo os gêneros entrevista, minibiografia, linha do tempo biográfica, gifs e memes biográficos, minibiografia em vídeo, minidocumentário biográfico, nota biográfica, biografia e autobiografia – é ilustrativo da pertinência e da diversidade postas em cena, quando se combina informação e memória.
Assim, convocando outros gêneros discursivos como, por exemplo, memórias literárias, a partir da sequência didática do Caderno Docente “Se bem me lembro...”, é possível imaginarmos uma caprichada progressão, marcada pelo exercício de rememorar o vivido ou mesmo de retratar o vivido por outro, de modo a promover um encontro com dizeres cada vez mais complexos, densos e vinculados à literariedade.
Tomando como referência os gêneros biografias e memórias literárias, fato é que o desafio de partir de uma entrevista para compor o texto-foco dessas sequências didáticas requer um fôlego reflexivo importante, já que, diferente do que pensam alguns de nossas(os) estudantes, não se trata apenas de “mudar os verbos da primeira para a terceira pessoa do singular”.
Então, antes de prosseguir, vamos juntos retomar o que é retextualização? Mais uma vez, o Caderno Docente “Biografia: a tessitura da vida” (2023, p.99) poderá nos ajudar:
Conceito chave
Retextualização
A produção de um novo texto com base num já existente é um processo de retextualização, que compreende operações que evidenciam como a linguagem funciona socialmente. Por isso, nessa atividade, devem ser consideradas as condições de produção, de circulação e de recepção dos textos. Quando a retextualização requer a passagem do oral para o escrito, envolve estratégias de eliminação (por exemplo, de marcas interacionais, hesitações), inserção (por exemplo, de pontuação), substituição (por exemplo, de uma forma coloquial para uma formal), seleção, acréscimo, reordenação, reformulação, e condensação (por exemplo, agrupamento de ideias).
Como apreciamos, retextualizar convoca operações que, por vezes, podem parecer complexas aos olhos de nossos meninos e meninas do 6º. e 7º. anos do Ensino Fundamental... Para auxiliar nessa tarefa, encontramos um “precioso presente”, na Oficina 7 - “Da entrevista para a biografia” (2023, p.101):
ROTEIRO PARA A PRODUÇÃO E REVISÃO DO TEXTO BIOGRÁFICO | ||
---|---|---|
O que observar no texto | Sim | Não |
a) Está contando a história de uma terceira pessoa? (ela/ele) | ||
b) Apresenta informações básicas sobre a pessoa biografada? | ||
c) Apresenta informações e/ou fatos relevantes da vida dessa pessoa? | ||
d) Essas informações e/ou fatos estão apresentadas de forma que a/o leitora/or identifique facilmente o tempo e o espaço em que aconteceram? (uso adequado de palavras que marcam o tempo e o espaço) | ||
e) Os tempos e modos verbais estão utilizados adequadamente para marcar as relações entre o passado, o presente e o futuro? | ||
f) O modo como a/o biógrafa/o conta a história expressa emoções e sentimentos da pessoa biografada? | ||
g) O texto estabelece relações entre a vida da/o biografada/o e o lugar e o tempo onde vive? | ||
h) Há no texto o uso de recursos que tornam o texto mais expressivo, a fim de causar mais impacto na/o leitora/or? | ||
i) Caso a/o biógrafa/o opte por se posicionar no texto, faz isso de forma ética, sem expressar julgamentos que ferem a identidade da/o biografada/o? | ||
j) Caso utilize outras linguagens, elas contribuem para o sentido do texto? | ||
k) O texto faz uso adequado da linguagem formal ou informal, de forma intencional, e evita repetições inadequadas para o texto? | ||
l) A pontuação foi usada de modo adequado, tanto seguindo as regras da gramática normativa quanto para produzir alguns dos efeitos de sentidos estudados? | ||
m) O texto está escrito de acordo com as regras de concordância da gramática normativa, sempre que pertinente? | ||
n) O título é sugestivo e instigante para a/o leitora/or? |
O movimento metodológico das oficinas prevê a utilização desse roteiro em diferentes momentos do trabalho com a retextualização: atividades vinculadas a um vídeo de entrevista previamente apresentado (Oficina 7), organização de uma segunda entrevista, com coleta mais ampla de dados (Oficina 8) para, finalmente, compor o texto da biografia (Oficina 9) e proceder à revisão e à publicação da coletânea de textos da turma (Oficina 10).
Como podemos perceber, dificuldades recorrentes de nossos alunos e alunas, que costumam ganhar pouca atenção durante a produção textual, como o emprego adequado de informações que ajudam a marcar o tempo e o espaço da narrativa; a utilização de recursos expressivos que colaboram para o laço do leitor com o texto; o posicionamento ético por parte da/do estudante diante da história da/do entrevistado ou mesmo o cuidado com o uso de tempos verbais, outras linguagens, pontuação e concordância não apenas está evidenciado, de forma objetiva, como pontos centrais de observação na produção e na revisão do texto, como também são focos de propostas reflexivas nas oficinas, o que pode favorecer o revisitar de atividades, o rememorar aspectos-chave desses elementos e, assim, o ajustar do texto ao gênero discursivo, de forma ainda mais aderente.
Pra terminar, quero enaltecer a criteriosa curadoria de diferentes autobiografias e biografias presentes ao longo das oficinas do Caderno – lanço “especial luz” a duas publicações: a primeira, organizada por Eva Potiguara e Vanessa Ratton, “Álbum Biográfico Guerreiras da Ancestralidade” (2022) e a segunda, de Aryane Cararo e Duda Porto de Souza, “Valentes – histórias de pessoas refugiadas no Brasil” (2020) – que promovem excelentes momentos de análise e de reflexão sobre diferentes práticas de linguagem, tornando o processo de apropriação do gênero biografia e, particularmente, da prática de produção de textos um percurso de aprendizagem com generosas doses de qualidade literária, afetividade e consistência.
Será que deu vontade de seguir esse caminho conosco? Ficarei na torcida pelo “sim” de vocês e, claro, aproveitem o campo dos comentários para trocarmos ideias e socializarmos descobertas, combinado?
Sobre a autora
Patrícia Calheta é mestra em Linguística Aplicada pela PUC-SP, especialista em Ensino de Língua mediado por computador pela UFMG e em Gestão Escolar pelo SENAC-SP. É também formadora de professoras(es) e gestoras(es), em redes públicas e privadas e coordenadora pedagógica da Redelê. No Programa Escrevendo o Futuro, atua como colaboradora e formadora desde 2010, desenvolvendo diversas ações, tais como: a coordenação pedagógica de mediadoras do curso "Sequência Didática: aprendendo por meio de resenhas" (de 2012 a 2022) e a elaboração de textos para publicação no Portal, assinando como Olímpia, em "Pergunte à Olímpia" (de 2013 a 2023).
Uma festa para os livros e para a leitura
livros, formação leitora, literatura, feiras literárias
Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
multissemiose, práticas de linguagem contemporâneas, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, multimodalidade, letramentos, BNCC