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sua prática / sala de professoras

Em defesa da poesia na escola

Patrícia Calheta

22 de maio de 2024

Saudações, queridas professoras e queridos professores!

Para quem agora chega à “Sala de Professoras”, puxe uma cadeira e fique à vontade para dialogar com escritos que sempre retratam experiências docentes e buscam inspirar outros fazeres pedagógicos.

Para iniciar nossa conversa, trago a voz intensa, competente e amorosa de Roseana Murray, que, recentemente, foi vítima de um ataque de cães enquanto caminhava. Escolhi esse texto na tentativa de agradecê-la e homenageá-la, especialmente, por nos ensinar sobre o lugar privilegiado da arte na preservação da vida:

No cotidiano das escolas, nem sempre é fácil encontrar e reconhecer a poesia. Se ela “está em tudo”, como revela Murray, uma alternativa seria a nossa aproximação aos poetas, para “apanhá-la com o olhar, as mãos e fazer do poema a sua morada, seu ninho”.

Ou mesmo, se não pudermos escrever poemas, que possamos capturar a poesia dos nossos dias e guardá-la, como sugere Antonio Cícero, no belíssimo “Guardar”: (...) Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por/ admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Confira o poema na íntegra, na voz de Fernanda Montenegro:

Fernanda Montenegro recita o poema Guardar, de Antonio Cícero. 1’20”. Brasil,2014.

Pra mim, a poesia habita a escola, de forma permanente e, ainda assim, surpreendente, porque ela está nos atentos gestos didáticos, nos olhares de acolhimento, nos sorrisos, nos silêncios, no brincar (no pátio e nos diversos espaços, também com as palavras), no escutar, no parar pra observar, no ler, no contar, no escrever, no aprender... Às vezes, precisamos de ajuda para “deslocar o olhar”...

Pelas mãos do Programa Escrevendo o Futuro, tive o privilégio de conhecer a extraordinária professora Lícia Beltrão, que construiu uma admirável trajetória como professora e pesquisadora na Faculdade de Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e que muito (e a tantos, ao longo de 50 anos de docência!) ensinou sobre a escrita, a leitura, a escuta, a literatura, a vida dos, nos e pelos textos.

Em uma roda de conversa da qual participei, Lícia analisou "A incapacidade de ser verdadeiro", de Carlos Drummond de Andrade; naquele momento, ela chamou a atenção ao contraste da leitura de Dona Coló em relação ao comportamento do filho (como “patológico”) e a leitura que redundou no diagnóstico médico (como “um caso de poesia”). Nesse contexto, Lícia lançou um alerta fundamental, ao afirmar que “a pedagogia pode estar patologizando, por falta de poesia no seu cotidiano”. Um olhar impactante, mas, pra mim, bastante pertinente e amplamente revelador!

Escute a declamação de “A incapacidade de ser verdadeiro”, por Antônio Abujamra:

Abujamra A incapacidade de ser verdadeiro, de Carlos Drummond de Andrade. “Provocações”, 1’21”, Brasil, 2011.

É assim, pelos dizeres de Murray, Cícero e Beltrão, que espero que esse texto chegue até vocês. Como um chamado, ou melhor, uma convocação à teia de afetos da poesia, escrevo no intuito de iluminar experiências pedagógicas repletas de delicadeza, de escuta, de empatia e da mais efetiva construção de saberes pela poesia da e na escola.

A primeira voz, que chega de mansinho, como uma boa mineira, é a da competente e afetiva professora Elizete Vilela. Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Minas Gerais, com especialização no Ensino da Língua Portuguesa pela UNIFOR, tem uma longa e exitosa trajetória de contribuições no Programa Escrevendo o Futuro e, aqui, relata uma experiência encantadora com sua turma de 6º ano do Ensino Fundamental, no âmbito de um projeto envolvendo “o dizer de si”, por meio de poemas. Convido vocês a assistir ao vídeo e refletir: há ou não poesia na vivência da professora Elizete com a sua turma?

A segunda “voz sabida” que trago a vocês vem lá da Bahia e assim se apresenta: “Sou Valquíria Silva Evangelista, nascida e criada na cidade de Salvador; portanto, soteropolitana! Sou Pedagoga e licenciada em Letras Vernáculas pela UFBA e pós-graduada em Alfabetização e Letramento”.

A doce e talentosa professora Val, como comumente é chamada, nos convida a apreciar momentos fundamentais de leitura deleite em sua sala de aula, com crianças do 2º ano do Ensino Fundamental, em uma escola da rede municipal de Salvador. Então, vamos conferir e, novamente, pensar: há ou não poesia nos dizeres da professora Val e das crianças da sua turma?

Sob efeito dos dois vídeos, estou certa de que a resposta de vocês a minha pergunta foi um sonoro “sim”, em coro! A poesia não só está presente, como, certamente, envolveu e abraçou cada uma e cada um de vocês!

De forma intensa, repleta de afetividade e de valorização das memórias de cada estudante, a poesia revela-se de braços abertos, na prática da professora Elizete: mora no gesto inicial de acolhimento, que a mobilizou a desenhar o projeto e convidar as crianças ao percurso reflexivo; mora na sensibilidade de enxergar e escutar a necessidade de “libertar os sentimentos” da turma; mora na sabedoria de eleger o poema e, por consequência, o largo caminho da subjetividade; mora na cuidadosa reflexão sobre momentos da vida de cada menino e de cada menina, envolvendo as famílias nesse processo e convidando-as a integrar o movimento de levar cada estudante a exteriorizar emoções pela palavra escrita; mora, ainda, na elaboração artesanal do livro “Poemas, Biografias, Minha Vida em Versos”.

Também há abundante poesia no fazer didático da professora Valquíria: quando planeja, acredita na potência e realiza com qualidade e reflexão a leitura deleite todos os dias para as crianças; quando, carinhosamente, dialoga com seus meninos e meninas para descobrir o que toca cada um(a) e como são capturados pela palavra; quando, inseridos nesse evento poético, estabelecem relações intertextuais ou mesmo quando relacionam sua vivência e seus conhecimentos ao texto; ainda, quando, de forma primorosa, sustenta a experiência da leitura deleite como prática de incentivo à formação de leitores(as), como o que “dá vazão à imaginação e que permite que a gente vá forjando para o futuro bons leitores e bons escritores” (sem contar a deliciosa brincadeira poética, no final de cada leitura na escola e também no vídeo!).

Tudo isso, enfim, é pura poesia por, de forma definitiva, instaurar o lugar da literatura como arte que humaniza, aproxima, dialoga, amplia e promove possibilidades de olhar para si e para o outro, mobilizando professoras(es), estudantes e suas famílias a compreender formas cada vez mais empáticas, solidárias, afetivas e reflexivas de ser e estar no mundo, tomando a palavra – oral, escrita, multimodal – para exercer os direitos de conhecer e de aprender.

Vida plena à poesia na escola!

 

Sobre a autora

Patricia CalhetaPatrícia Calheta é mestra em Linguística Aplicada pela PUC-SP, especialista em Ensino de Língua mediado por computador pela UFMG e em Gestão Escolar pelo SENAC-SP.  É também formadora de professoras(es) e gestoras(es), em redes públicas e privadas e coordenadora pedagógica da Redelê. No Programa Escrevendo o Futuro, atua como colaboradora e formadora desde 2010, desenvolvendo diversas ações, tais como: a coordenação pedagógica de mediadoras do curso "Sequência Didática: aprendendo por meio de resenhas" (de 2012 a 2022) e a elaboração de textos para publicação no Portal, assinando como Olímpia, em "Pergunte à Olímpia" (de 2013 a 2023).

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