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Poetas da escola: um convite à poesia
“A leitura é a chave que abre todas as portas”... Todos os anos participo da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. A cada edição sinto que enriqueço minha prática, e a satisfação de chegar à semifinal é gratificante; reconhecimento de muito investimento profissional e envolvimento de todos os alunos. Estamos muito felizes. Estou vivendo um momento poético!
Ideias, dúvidas, reflexões... - “Por onde devo começar a falar de poesia? O que meus alunos sabem?” - E foi entre muitos questionamentos que iniciamos as atividades.
- Professora, poema é um texto escrito em versos e estrofes.
- Eu conheço o “poema da Foca”.
- Foca? – perguntei.
- “Quer ver a foca ficar feliz?”.
- Quais poetas vocês conhecem? – perguntei.
- Vinicius de Moraes.
- Cecília Meireles.
Depois de ouvi-los:
- Meu poema preferido chama-se Ou isto ou aquilo. Alguém conhece? (silêncio total, mas percebi que os alunos buscavam o título nas lembranças).
- Professora, fala um verso para eu ver se lembro.
- “Ou se tem sol e não se tem chuva, ou se tem chuva e não se tem sol”.
- Eu já ouvi isso em algum lugar...
- Foi escrito por Cecília Meireles – eu disse.
- Ah! A poeta que eu conheço! Já li algum poema dela, mas não lembro qual.
Li o poema Ou isto ou aquilo, a biografia de Cecília Meireles e os apresentei aos poetas de nossa cidade:
- Também gosto dos poemas destes livros aqui (mostrei obras de alguns poetas francanos, meus amigos: Paulo Rubens Gimenes, Perpétua Amorim e Ivani de Lourdes Marquesi). São poetas de nossa cidade.
- O quê? Eles moram aqui em Franca?
- São escritores? Publicaram livros?
- Mas poetas não moram longe? Eles não moram lá em São Paulo e no Rio de Janeiro?
- Tem poetas vivos? Não morreram?
Me organizei, pesquisei, entrei em contato com os poetas francanos e agendamos as visitas deles à nossa sala de aula. Os alunos estavam motivados e bem ansiosos para conhecê-los, Nos preparamos com as leituras dos poemas e das biografias. Muitos alunos antes da visita já entraram em contato com eles: “Professora, eu conversei com o Paulo Gimenes! Ele aceitou meu pedido de amizade!”. Meus alunos se adiantaram, recorreram às redes sociais!
A visita dos poetas em nossa sala trouxe muito aprendizado. Eles foram unânimes em dizer que tudo que sentimos, vivemos e ouvimos podem ser ideias para produzir poesias. Valorizar os poetas da cidade foi motivador para os alunos. Quando percebi, já estávamos envolvidos, bem no meio da magia das poesias. Nossa sala foi invadida por Sérgio Capparelli, Elias José, José Paulo Paes, Vinicius de Moraes... Poetas na escola!
- Professora, todo poema tem que ter rima?
- Qual a diferença entre poesia e poema?
- A gente conta o título como verso?
- “Poesia é brincar com as palavras”? Como assim?
- Neste poema tem muitas palavras repetidas... Pode?
- Olha! O poeta fez uma comparação: “rugindo como um trovão!”
Caminhando entre os grupos que trabalhavam a compreensão, ouvi:
- Não entendi esse poema.
- Leia em voz alta que fica melhor. O poema fica mais bonito quando a gente ouve. Dá ritmo, movimento.
Tem tudo a ver, O buraco do tatu, Convite, Cidadezinha, definições poéticas, trava-línguas, trovinhas, Duas dúzias de coisinhas à toa que deixam a gente feliz... Eram poemas que faziam parte de nossas práticas de leitura colaborativa. Era hora de partir para a escrita...
Pedi que entrevistassem pessoas da família em busca de informações sobre o bairro, a rua, a cidade, e registrassem. Em aula, essas informações foram utilizadas na produção de um relato pessoal com o tema O lugar onde vivo. Relatos escritos e revisados (reviso os textos com o uso do bilhete orientador e reescrita), era o momento de transformar um gênero textual em outro: relato pessoal em poema. Para isso, eles tinham que utilizar-se de vários saberes. E assim, relatos viraram poesias. Os textos não fugiram da ideia central do tema, mas os alunos perceberam que muitas palavras poderiam ser excluídas, modificadas, acrescentadas...
- A avenida é muito movimentada e perigosa. Será que podemos mexer mais com as palavras e modificar a frase? Excluir palavras? Colocar uma fala ou barulho? Que barulhos podem aparecer em uma avenida assim tão perigosa? O que será que os motoristas ou pessoas dizem quando correm um perigo ou vivenciam algo ruim?
- Professora, eu quero dizer que de dia a pracinha alegra as crianças, mas a noite, por causa das drogas, as crianças não podem brincar. Como faço? Quero falar do crack que mata.
Não posso deixar de registrar um momento ímpar durante todo este processo. De repente vi um grupo de alunos reunidos em volta das coletâneas da Olimpíada e um batuque espontâneo surgiu. Para minha surpresa, ouvi a poesia O buraco do tatu sendo cantada por eles. Criaram o ritmo, o batuque na carteira e se divertiram. Tudo de maneira natural e envolvente. Eu fui participar e filmar.
Diante disso, logo veio a ideia de ‘dar vida’ para a poesia de Ana Laura, uma das alunas. A tarefa era ler com entonação e dar ênfase aos versos, fazer o poema “saltar” do papel. Foi muito emocionante! Será o poder dos poemas? Sim! Pude comprovar o poder transformador também em Ana, aluna muito estudiosa e extremamente comprometida com os estudos, mas tímida, de poucas palavras. Um dia ela me disse que sua vida é estudar! E vê-la em meio ao “batuque”, encantada com o que ela e os amigos fizeram com o poema foi maravilhoso. Ana anda “despontando” e “desabrochando”, com certeza este ano fará para sempre diferença na vida dela.
Enfim... Lemos muito, viajamos por lugares inimagináveis, fomos o que desejamos ser, estivemos na Cidadezinha de Quintana, no Corcovado de Ângela Leite, no Buraco do Tatu e na perigosa avenida de Ana Laura Nogueira Braz, que fica bem ao lado de nossa escola. Meus alunos, sem dúvida, são os verdadeiros Poetas da escola! Para nós, a poesia de Ana já é destaque “Entre todas do Planeta”1.
Concluo parafraseando Otávio Roth... Registrei aqui muitas dúzias de coisinhas maravilhosas que deixaram a gente muito feliz!
1 Nome do texto semifinalista da aluna Ana Laura Nogueira Braz.
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práticas de linguagem contemporâneas, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, multimodalidade, letramentos, BNCC, multissemiose