Uma festa para os livros e para a leitura
literatura, formação leitora, feiras literárias, livros
O verso que não quer sair
Esse relato me dá oportunidade de reviver a caminhada ao longo desses meses. Trabalhei a sequência didática com diferentes poemas e autores, obedecendo a uma progressão, visando um objetivo: a produção de poemas pelos meus alunos. É importante trabalhar diversos gêneros textuais como instrumento para a compreensão da língua, tendo como meta a formação de alunos que aprendam a ler e escrever de verdade. O resultado é indiscutível; minha participação se transformou na vitória pessoal dos alunos e na revelação do potencial que muitas vezes eles não percebiam em si mesmos.
No município temos o FOCO (Programa de Formação Continuada). Os professores de Língua Portuguesa reúnem-se periodicamente para rever assuntos relacionados ao ensino da Língua e trocar experiências de atividades desenvolvidas em sala de aula. Foi no primeiro encontro deste ano que a formadora da área abordou a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, na qual já participei de outras edições. Discutimos sobre o assunto, pelo qual sempre me interessei – por reconhecer a importância do trabalho que a Olimpíada propõe.
Como sou professora do 6º ano, o gênero estava definido: poema. Como começar? Fiquei imaginando mil maneiras de despertar o interesse dos alunos. Interessante é que uma aluna já havia me perguntado se não faríamos a Olimpíada de Língua Portuguesa, pois a escola participa também da Olimpíada de Matemática. Disse que sim, mas que seria diferente, pois não faríamos provas. A Olimpíada de Língua Portuguesa seria realizada devagarzinho, com muitas atividades, chamadas oficinas, até chegar a hora em que criariam o próprio poema. Alguns alunos logo perguntaram: “O que vamos ganhar?”. Eu, desapontada com o foco de interesse desses alunos, expliquei que não era hora de falar em prêmios, mas aprender tudo de bom que as oficinas tinham para ensinar sobre poemas.
Comecei lendo para a turma o poema de Cecília Meireles, “Ou isto ou Aquilo”, e de Vinicius de Moraes, “Arca de Noé”. Eles gostam muito de ouvir esses textos, principalmente quando há rimas. Então pedi que trouxessem um poema de casa para o dia seguinte. Como já era previsto, alguns alunos não se interessaram pela atividade, dificultando a realização da dinâmica que seria aplicada. Esperando por isso, levei poemas para a sala e os distribuí aos que não haviam feito a pesquisa. Depois de ler os textos (uns queriam ver o poema do outro) montamos o ‘mural de poemas’ na sala de aula e toda vez que trabalhava uma característica desse gênero, recorríamos aos textos expostos para que identificassem a característica em estudo, como “Qual poema tem mais versos?, Qual tem menos estrofes? Qual não tem palavras que rimam?”.
Outro momento do processo foi a escolha de livros de poesias na biblioteca da escola. Cada aluno escolheu o que mais lhe agradou e ficou com ele por alguns dias, visando a apresentação em sala de aula. Infelizmente nem todos quiseram participar da atividade, alguns por timidez, outros por desinteresse. Contudo, diante dessas atitudes inflexíveis, eu prossegui com o objetivo da atividade sem desvalorizar o trabalho dos demais alunos. Quando um deles lia “bem”, todos batiam palmas, mas quando não gostavam da leitura, externavam suas críticas. Para incentivá-los, eu também li alguns e declamei “A porta”, de Vinicius de Moraes. Gostaram tanto que até hoje pedem: “Professora, fala o poema da porta”. Fiz também um jogral com o poema “Trem de ferro”, de Manuel Bandeira, para a turma apresentar para outras classes. Os ensaios não foram fáceis, com brincadeiras e risos, mas depois de algumas advertências, conseguimos realizar a atividade com sucesso.
Uma oficina bem produtiva foi o trabalho com rima. Essa etapa foi muito prazerosa! Levei para a sala trovas populares, que são ricas em rimas e fáceis para eles assimilarem. Primeiro li algumas completas. Depois lia e deixava que eles completassem a última rima, o que faziam com certa facilidade. Fui dificultando, escrevia três versos, para completarem o último; depois escrevia dois versos para completarem os dois que faltavam e assim por diante, até que chego a hora da produção independente de uma trova, apenas dando uma palavra como ponto de partida. Foi uma festa na sala, um queria ouvir a trova do outro. Quando gostavam, aplaudiam e diziam: “Nossa, tem um poeta na sala!”. Entretanto, nem todos tiveram facilidade para essa atividade, observei que há alunos com baixa acuidade auditiva para rimar palavras. Eu tentava fazer com que esses alunos rimassem uma palavra de terminação fácil, mas mesmo assim apresentavam dificuldade em fazer a rima. Procurei diversificar as atividades até alcançar algum progresso com esses alunos.
Dando prosseguimento, pesquisei poemas que falavam sobre “cidades”, “terra natal”, “minha terra”... Levei para sala e li para as turmas com o intuito de despertar nos alunos a vontade de escrever sobre o lugar em que vivem. Li também alguns poemas vencedores das edições anteriores da Olimpíada, enfatizando os diferentes assuntos abordados. Lamentavelmente, ouvi dos alunos: “Colatina não tem nada de bom para a gente falar”! Foi quando expliquei que poderiam falar também dos problemas existentes na cidade, despertando o senso crítico deles. Mas na hora de escrever, noto que essas crianças querem mesmo é falar sobre coisas boas e bonitas do lugar onde vivem, prevalecendo o ufanismo a respeito da terra natal.
Outra atividade enriquecedora foi no laboratório de informática, onde trabalhei as atividades disponibilizadas pelo portal da Olimpíada. Os alunos exercitaram de forma lúdica alguns elementos importantes para a criação de seus poemas: gostaram muito do jogo “Porto das Rimas”. A partir desses exercícios aconteceu o divisor de águas do projeto: mudou do pouco interesse de alguns pela matéria, para a vontade de desenvolver as propostas das demais oficinas. Quando eu entrava na sala, já perguntavam: “Hoje vai ter Olimpíada?”.
Quando percebi que já podiam partir para a produção final, elaborei um roteiro para que cada um delimitasse o assunto sobre o qual escreveria o seu poema. Nesse roteiro, o aluno deveria observar informações sobre o que gostaria de descrever em seu texto: pontos turísticos, elementos naturais, o problema ambiental com o principal rio da cidade... Confesso que foi o momento mais difícil, pois muitos alunos não sabiam como começar. Nesse momento, lembrei-me do poema de Carlos Drummond de Andrade: “Gastei uma hora pensando em um verso”. Pensei comigo que se até Drummond tinha dificuldade, imaginem eu e meus alunos?
Escrevi então trechos de poemas que descrevem lugares para despertar a criatividade deles. Alguns conseguiram desenvolver a escrita, mas outros demoraram para começar. Interessante é que a maior preocupação deles era com as rimas. Frequentemente me perguntavam: “Professora, que palavra rima com tal palavra?” – Eu escrevia várias no quadro que rimavam com as que eles falavam e ia orientando-os quando à escolha da palavra mais adequada, e assim o texto ia sendo tecido. Com os poemas prontos, fui lendo aqui, refazendo ali, retocando mais um, de acordo com a necessidade, sempre com a participação do autor, que muitas vezes discordava da minha opinião.
Depois dessa primeira análise, expliquei que agora faríamos a reescrita dos textos porque é um componente fundamental do processo da escrita. Reescrever é um caminho indispensável para a formação de escritores competentes e autônomos. Esse é o momento em que o aluno tem a oportunidade de corrigir, acrescentar, excluir, procurando dizer de outro jeito o que já foi escrito. Essa é uma tarefa um tanto quanto difícil, pois muitos resistem em reescrever seu texto. É preciso varias as estratégias para entenderem a importância desse trabalho para qualquer escritor. Mas, alguns com satisfação, outros somente pelo cumprimento do dever, a atividade chegou ao fim.
Assim caminhando, consegui acompanhá-los individualmente nessa fase e verificar de forma mais pontual suas dificuldades. O que me trouxe mais satisfação durante o desenvolvimento das atividades, foi o progresso verificado em alguns alunos que demonstravam certo bloqueio para a produção de textos, ou até desinteresse no início, apresentarem bom resultado ao final das oficinas.
Chegou a hora da seleção. Como sou a única professora da escola que estava participando com o gênero poema, os classificados sairiam somente das minhas turmas. Não foi uma tarefa fácil, uma vez que cada um achava que seria o escolhido, acreditando que o seu poema era o melhor. Isso é uma comprovação de que o objetivo da Olimpíada, de aprimorar a escrita e a leitura, visando à diversidade dos gêneros e dos falares foi alcançado: proporcionou a confiança do “criador em sua obra”. Depois de ler, reler, ler, reler... escolhi os mais interessantes para serem lidos pela comissão escolar. A equipe fez a leitura e, após a análise dos textos, enviou o poema selecionado para a Etapa Municipal.
Agora era só esperar... Que alegria! Recebemos o resultado e o poema da minha aluna havia sido selecionado para a Etapa Estadual. Vamos esperar... Que alegria! Recebemos o resultado e... o poema da minha aluna havia sido selecionado para a Etapa Regional. Foi muito gratificante para mim, para aluna e para toda a escola. E agora? Euforia e ansiedade se misturam.
Para onde vamos? Sabíamos que seria para uma capital. Sem esperar, veio a notícia: será em Belo Horizonte! O coração começou a bater mais forte. Comuniquei a aluna e a mãe dela. Foi um misto de sentimentos: satisfação, expectativa, preocupação e entusiasmo.
Ah, a aluna a que me referi no início do relato, que perguntou se não faríamos a Olimpíada, é Luana Mathias, a semifinalista da Olimpíada.
Agora é só esperar...
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BNCC, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, práticas de linguagem contemporâneas, multissemiose, multimodalidade, letramentos