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sua prática / relatos de prática

Relatos de Prática Vencedor 2014 - Profº Wagner da Conceição Trindade

08 de agosto de 2023

 

Um passado cheio de novidades

Wagner da Conceição Trindade
Escola Municipal Ernestina Ferreira
Tanguá / RJ

 

Quando decidi participar da 4ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro com minha turma de 8º ano do Ensino Fundamental, na categoria de Memórias literárias, confesso ter sofrido intensamente para iniciar as atividades. Novato nesse gênero de texto, uma grande interrogação me afligia: como conseguir que uma juventude tão conectada e tecnológica consiga voltar seus olhos para o passado, inserir-se nele e produzir um texto refletindo um tempo que não é o seu? Como “escrever o futuro” com os olhos para o passado? Tais questionamentos latejavam, uma solução precisava ser encontrada.
Na realidade, o problema estava dentro de mim. Era eu quem precisava compreender todo o processo de construção de memórias para que a transmissão dos conhecimentos aos alunos se tornasse plena. Consciente dessa missão, analisei, tal como os bons alunos de que me orgulho como professor, todo o material produzido pela equipe da Olimpíada e obtive, a partir deles, a “ancoragem” necessária para realizar meu trabalho com a turma.

Toda a sequência didática permitiu uma imersão no gênero, de modo que a compreensão da escritura do texto de memórias se tornou integral. Os jogos de aprendizagem ofereceram o viés lúdico e, ao mesmo tempo, tecnológico de que precisava para responder às lacunas do início deste relato. Era possível, sim, reconstituir o passado com as tintas joviais dos meus alunos.

Dirimidos os obstáculos metodológicos e ideológicos que me paralisavam, iniciei o trabalho com a turma. Como em todo início de trabalho referente à Olimpíada, minha conversa buscou convencer os alunos de que participar dessa competição seria uma oportunidade ímpar, em todos os sentidos, seja o de aprendizado, seja o de experiências de vida imensuráveis. Sempre me emociona ver os olhinhos brilhando de alunos tão carentes de posses, mas tão ricos de sonhos e esperanças. É esse brilho no olhar que me motiva no trabalho com as oficinas.

No começo das atividades, percebi muito ânimo dos alunos, mas muitas dúvidas sobre o que eram, efetivamente, memórias literárias. Ao perguntar, inicialmente, o que achavam que seria esse gênero, minha doce Camilinha responde, com uma certeza catedrática, que era um texto “em que a gente se lembra dos livros que lemos na infância”. Fui obrigado a rir copiosamente. Pode até não ter acertado o conceito, mas demonstrou que compreendia o vocabulário. As dúvidas foram se encerrando após o trabalho com as oficinas 1 e 2, que ajudaram os alunos a entender a base da produção do texto de memórias.

A turma foi se mostrando cada vez mais interessada. Ao apresentar o “Casarão Bravo”, propus um desafio entre meninos e meninas na primeira etapa do jogo de aprendizagem. Essa atividade aguçou ainda mais a atenção deles. Aos gritos de “Campeãs!”, as meninas venceram os meninos, que prometiam revanche na próxima competição. Gustavo, meu aluno repetente e com grandes dificuldades de compreensão de textos, comentou: “Professor, aprender assim é divertido, faz dessa maneira mais vezes que eu acho que não fico reprovado!”. A sinceridade do garoto me deu ainda mais ânimo.

No entanto, ainda que o clima estivesse positivo, com o grupo correspondendo bem aos estímulos das oficinas, minha dificuldade estava na produção de textos. Muitos não entregavam as produções, fato que impedia a progressão desejada. As atividades de sala geravam textos pequenos e ainda muito incipientes. Poucos alunos se esforçavam em produzir os textos e desenvolver a reescrita.


Utilizei a coletânea de textos como uma ferramenta importante de inspiração. Ao ver como os autores se utilizavam da escrita de memórias, os alunos se mostraram mais seguros para produzir seus próprios textos. O texto de Zélia Gattai sobre os automóveis permitiu ao José Miguel dizer que a Posse dos Coutinhos era ainda “mais atrasada do que aquela São Paulo”. A turma rebateu e, num sentimento quase patriótico, afirmou que lá os carros já chegavam a quase oitenta quilômetros na estrada de chão, como se isso fosse a confirmação de que José estava errado.

Muitas atividades feitas, uma boa quantidade de textos analisados, estava chegando a hora de decidir quem representaria a escola na Olimpíada. Todos participaram, alguns alunos com apenas um texto, mas me senti orgulhoso por ter conseguido total adesão. Faltava apenas uma última atividade, de suma importância, que era a entrevista. Depois de algumas recusas e ausências, chamei o sr. Leão para conversar com os alunos. Falou da vida, do passado em seu lugar natal e emocionou muito ao lembrar de sua relação com o pai. Percebi que muitos alunos passavam pela mesma situação descrita pelo entrevistado. A memória deixou de ser particular para ser coletiva. Meu trabalho estava consolidado.

O texto da Jéssica, falando sobre sua avó e as comidas do fogão a lenha, estava quase garantido. Tudo mudou na última semana, quando José Miguel captou toda a emoção da entrevista do sr. Leão e produziu o belíssimo “Cardeboi”. Não tive dúvidas da beleza da história, era a Posse dos Coutinhos contada na sua face mais sensível.

A Comissão Escolar percebeu isso e José seguiu para as demais etapas. Acho que agradou, visto que já estamos na semifinal. Quem podia imaginar que aquele “carro de boi” que andava pela Posse pudesse atravessar Tanguá, o Estado do Rio de Janeiro e chegar a Maceió? E, pelo jeito, ainda temos fôlego para viajar mais um pouco... quem sabe Brasília? Seguiremos juntos, orgulhosos e satisfeitos, para onde essa carroça nos levar.

 


Revista Na Ponta do Lápis
Ano XI
Número 26
Agosto de 2015

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