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sua prática / relatos de prática

Argumentação Vital

Flávia Figueiredo de Paula Casa Grande

08 de agosto de 2023

Colégio Estadual do Campo Jose Marti

Jardim Alegre/PR

O início de todo ano letivo é renascimento. Depois das férias revigorantes, voltamos com energia para colocarmos em prática novos projetos educativos. Porém, este ano foi diferente. Nós, professores paranaenses, voltamos cabisbaixos depois da greve de 2015. Na época, o governo estadual impossibilitou o diálogo e impôs o desrespeito, derramando o sangue dos educadores em praça pública de Curitiba.

Ao comentar o fato1, Eliane Brum conseguiu exprimir o sentimento dessa classe: “’Eles estão atirando em nós'. A frase atravessa vídeos sobre o massacre dos professores [...]. Mas mais do que as imagens, é essa frase anônima, em voz feminina, que me atinge com mais força. Porque há nela uma incredulidade, um ponto de interrogação magoado nas entrelinhas e finalmente a compreensão de ter chegado a um ponto de não retorno. Depois de ser humilhada por baixos salários, depois de dar aula em escolas em decomposição, depois de ser xingada por pais e por alunos, agora a PM também podia atirar nela. E atirava. E, se as bombas de gás, as bombas de efeito i-moral não matam, pelo menos não de imediato, a sensação é de morte".

Não sei se esse desabafo é adequado ao momento. Porém, como relatar minha prática sem compartilhar essa desvalorização? Como discutir o poder da argumentação depois de vivenciarmos, na praça da capital paranaense, a moral da fábula "O lobo e o cordeiro": contra a força não há argumento?

Questionei-me se teria fôlego para permanecer na profissão, pois constantemente nadamos contra a correnteza. Porém, há tanto a ser mudado no mundo e sei que estou no lugar certo para contribuir nesse sentido. Afinal, "a luta comum me acende o sangue/ e me bate no peito/ como um coice de uma lembrança"2. Decidi que eu lutaria com as armas que eu conhecia. Assim, depois de terminarmos a reposição em fevereiro, iniciamos o ano letivo de 2016 em março. No primeiro dia de aula, conversei com o 3º ano do Ensino Médio sobre os conteúdos que seriam trabalhados. Apresentei-lhes também a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro e sua proposta de trabalho. Alguns se empolgaram, porém, outros não se animaram com a ideia da escrita. Isso me inquietou, porque acreditava que haveria uma adesão maior da sala.

Por outro lado, havia vários alunos ansiosos pelos estudos, preocupados com o ENEM e o vestibular. Por isso, pediram-me para fazer uma revisão de literatura mais detalhada, afirmando que não se lembravam muito desses conteúdos. Por isso, decidi adiar as atividades da Olimpíada. Passei um mês trabalhando literatura e, quando finalmente iria começar as oficinas, fui contaminada pelo vírus da dengue e fiquei afastada da escola.

Ao retornar à sala de aula, além de estar com a saúde em recuperação, estava preocupada com o tempo que eu teria para as atividades da Olimpíada. Sei que essa metodologia é produtiva quando realizada em sua plenitude, proporcionando o amadurecimento do aluno durante a aprendizagem. Porém, o curto período de tempo seria um desafio. Decidi enfrentá-lo.

Começamos retomando a proposta e combinamos que estaríamos atentos aos assuntos polêmicos do Assentamento Oito de Abril. Nesse dia, alguns já foram citados, como a reforma agrária e a necessidade de políticas públicas para o desenvolvimento dos assentamentos (principais temas abordados nos artigos produzidos posteriormente). Em seguida, discutimos o valor da argumentação. Decidimos utilizar o mural da sala para colocarmos os argumentos dos alunos sobre os fatos polêmicos ocorridos na comunidade ou em outros lugares. Com esse intuito, exploramos notícias atuais, compreendendo sua relação com o artigo de opinião.

Num segundo momento, aprofundamos o conhecimento sobre artigo de opinião, analisando suas características linguístico-discursivas. Ao abordar os tipos de argumentos, os alunos argumentaram sobre a reforma agrária e sobre temas polêmicos vivenciados por eles, como, por exemplo, o trabalho infantil. Por ser uma comunidade campesina, o conhecimento sobre a terra é enfatizado entre as famílias. Consequentemente, nossos alunos trabalham desde a infância. A maioria concorda com essa atitude dos pais, afirmando inclusive que "se não trabalhar vira vagabundo." No entanto, há aqueles que gostariam de ter mais tempo para o lazer e os estudos. Constatei a empolgação dos estudantes nessa etapa. Apresentaram diferentes perspectivas e aprofundamento, indo além da opinião por meio de argumentos e contra-argumentos.

Infelizmente, não consegui trabalhar de forma completa todas as oficinas. Precisei priorizar alguns tópicos, pois o tempo não estava trabalhando comigo. Notei que as atividades orais e escritas sobre os textos alcançaram um envolvimento significativo dos estudantes. No entanto, no momento de produzir o artigo de opinião, houve resistência por parte de alguns. Apesar de toda a minha argumentação, não fui bem-sucedida com todos. Porém, a maioria dos alunos produziu o primeiro artigo de opinião.

De um modo geral, demonstraram facilidade em definir a polêmica discutida, a tese e apresentaram argumentos que depois precisaram ser ampliados. Entretanto, tiveram dificuldade na organização textual do artigo e na coesão. Em muitos casos, os textos ficaram curtos, sendo necessário buscar novas fontes de pesquisa. A maior parte da turma teme escrever, com exceção de um pequeno grupo formado por leitores ávidos, que refletiram a importância da leitura e sua relação com a escrita.

Para suprir as dúvidas, retomei os elementos do artigo de opinião conforme cada necessidade, orientando a reescrita dos textos por meio de bilhetes individuais e conversas em sala de aula. Essa etapa foi complicada, pois o comprometimento dos alunos foi heterogêneo. Alguns não produziram nenhum artigo de opinião. Alguns fizeram só a primeira versão para "conseguir uma notinha", enquanto outros fizeram o primeiro artigo e o final, buscando aprimoramento. Além disso, houve aqueles que refizeram diversas vezes, seguindo todas as orientações, pois queriam muito ser escolhidos pela Comissão Julgadora Escolar.

Finalmente, conforme o combinado, começamos a digitação dos textos para a produção de um livro. Esse processo foi interrompido pelas ocupações dos alunos do Ensino Médio na escola onde leciono. Esse movimento estudantil contra a PEC 241 e a MP 746 está expandindo-se no Paraná com a ocupação de 850 escolas públicas paranaenses, 14 universidades e 3 Núcleos Regionais de Educação até o momento, segundo dados do Ocupa Paraná.

Confesso que fico orgulhosa ao ver meus alunos cobrando o diálogo e o direito de argumentar com as autoridades sobre o ensino que eles querem, sobre o Brasil que almejam, um país onde os jovens também tenham voz. Afinal, nossa argumentação só terá valor se o outro nos ouvir.

Os tempos são de mudanças e alegro-me por participar delas, ensinando, mas também aprendendo muito com meus alunos que nos ensinam que "a verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio"3.

_________________________________________

1 Trecho retirado da coluna de Eliane Brum, para o jornal El País, intitulada Humilhar e ignorar professor pode. Sufocar e ferir não, publicada em 11 de maio de 2015.

2 Versos retirados do poema Maio 1964, de Ferreira Gullar.

3 Citação do ativista político norte-americano Martin Luther King.

 

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