Uma festa para os livros e para a leitura
livros, feiras literárias, formação leitora, literatura
sua prática / reflexão teórica
Carlos Seabra
01 de abril de 2010
Carlos Seabra*
Micronarrativa tem ingredientes do nosso tempo, como a velocidade e a condensação, a veiculação em celulares e painéis eletrônicos
O precursor e talvez o mais famoso microconto já produzido, do guatelmateco Augusto Monterroso, "Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí" (Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá), consolidou uma vertente de microliteratura, o desafio de contar algo em pouquíssimas palavras de contados toques.
Autores conceituam e estipulam limites precisos, nascendo assim algumas classificações: nanocontos (até 50 letras, sem contar espaços e acentos), microcontos (até 150 toques, contando letras, espaços e pontuação) e minicontos (alguns estipulando 300 palavras; outros, 600 caracteres). Nada disso é muito rigoroso e depende de critérios editoriais de quem os adotou. O limite de 150 toques cabe no formato de envio de texto pelo celular, o chamado "torpedo". Hoje se usa muito o limite de 140 toques do Twitter - cada vez mais um difusor da microliteratura, que, provavelmente, acabará impondo este limite como padrão.
Antes de tudo uma brincadeira, os microcontos (nas vertentes de crônicas, contos, aforismos e outras) estarão próximos ao minimalismo pós-moderno? Uma coisa é fato, a micronarrativa contém ingredientes do nosso tempo, a velocidade e a condensação, a possibilidade de publicação em celulares, painéis eletrônicos, rodapé de e-mails (ou algo mais démodé: tampas de caixas de fósforos). Há neles algo dos haicais, a poesia japonesa, com três linhas e um total de 21 sílabas - de certa forma, com o poder de concisão destes, mas a liberdade da prosa.
Elo forte
Escritores já brincaram nessa seara, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Millôr Fernandes, Dalton Trevisan, ainda que sem pensar no conceito de "microcontos". Literatura de alta velocidade? Drummond já antecipava que "escrever é cortar palavras", Hemingway sugeriu "corte todo o resto e fique no essencial" e João Cabral proclamou "enxugar até a morte". Sônia Bertocchi diz, no blog "Lousa digital":
"Seguindo à risca a lição dos mestres, chegamos aos microcontos: 'miniaturas literárias' que cabem em panfletos, filipetas, camisetas, adesivos, postes, muros, tatuagens, cartão postal, hologramas, desenhos animados, arquitetura, instalação, música... e que podem ser lidas no ônibus, no metrô e... nas telas do computador (cá entre nós, um prato cheio para propostas atrativas de ensino de literatura e integração de novas tecnologias)".
De certa forma, o microconto tem outra dimensão: ele é como uma ligação muito forte através de um furinho de agulha no universo, algo que permite projetar uma imagem de uma realidade situada em outra dimensão. Como se por meio desse furo, dois cones se tocassem nas pontas, um menor, que é o que está escrito no microconto, e outro maior, que é a imaginação a partir da leitura - pois, mais do que contar uma história, um microconto sugere diversas, abrindo possibilidades para cada um completar as imagens, o roteiro, as alternativas de desdobramento.
Seja seu destino a publicação em celulares, camisetas, postais, folhetos na praia, cartazes nos postes, azulejos, hologramas, blogs, e-mails, no Twitter, o mero esquecimento ou o lixo, o microconto é um exercício de criatividade, síntese e algo muito divertido de escrever!
* Carlos Seabra é editor multimídia, coordenador editorial no núcleo Publicações Educação da TV Cultura.
Fonte: revista Língua Portuguesa, edição de abril de 2010
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