Uma festa para os livros e para a leitura
feiras literárias, literatura, formação leitora, livros
sua prática / reflexão teórica
Eliana Gagliardi e Heloisa Amaral
06 de agosto de 2009
Como todos que frequentam nossa Comunidade sabem, o objetivo que nos guia é disseminar a ideia do ensino de língua na perspectiva dos gêneros textuais, isto é, expor e discutir o conceito de língua viva, aquela que nos permite a comunicação no dia a dia, e o conceito de gêneros textuais, que são a forma que a língua viva assume quando nos comunicamos.
Essa perspectiva considera que os gêneros textuais vão além dos gêneros literários. Estes últimos são aqueles próprios da esfera literária, como o romance, o conto, a crônica, os poemas. Os gêneros textuais, em sua abrangência, incluem os literários, mas também todos os demais gêneros usados nas comunicações cotidianas, como os familiares, os jornalísticos, os médicos, jurídicos, os de cada área da ciência, os religiosos etc.
Nessa perspectiva, os gêneros textuais são considerados ótimos instrumentos de ensino e devem ser ensinados na escola. Como os gêneros textuais existem em número infinito (eles são tantos quantas forem as situações de comunicação que ocorrem nas áreas de ação e conhecimento humano), é preciso escolher quais são os que devem fazer parte do currículo escolar. E não há dúvida: entre eles estão os gêneros jornalísticos.
Como todos concordam, a imprensa ocupa lugar relevante em nosso cotidiano, divulgando notícias, formando opinião ou proporcionando entretenimento. Por isso, é necessário formar leitores críticos para os jornais e revistas, estejam eles em sua forma impressa, televisiva ou na internet. Quanto mais conscientes forem os leitores, melhor aproveitarão as informações oferecidas pelos meios de comunicação. Sendo assim, é preciso ensinar gêneros jornalísticos, principalmente aqueles que informam (como notícias e reportagens) ou formam opinião, como os artigos de opinião assinados, os editoriais, as cartas de leitor.
O artigo de opinião é um gênero jornalístico que se caracteriza por expressar opiniões de seus autores, ao contrário das notícias, que devem ser isentas do julgamento daqueles que as escrevem. Como o nome diz, é um gênero produzido na área jornalística para ser publicado em jornais e revistas impressos ou virtuais. Algumas vezes, o artigo de opinião também pode ser escrito para ser lido em jornais televisivos ou radiofônicos.
Quando são publicados em jornais, os artigos costumam ocupar espaços pré-determinados, em seções ou colunas destinadas à veiculação de opiniões. Diferentemente das notícias e reportagens, os artigos de opinião não são ilustrados por imagens. Essa forma de apresentação reforça o caráter de seriedade do gênero, que já é dada por seus autores serem especialistas nos assuntos que discutem. O fato de serem escritos por especialistas já supõe, também, que serão profundos, mais longos do que as notícias, terão linguagem mais ligada ao campo de conhecimento desse especialista, menos fácil de seruniversalmente compreendida. Todos esses elementos exigem um leitor mais preparado e disposto a enfrentar a leitura de textos mais complexos.
Seus autores (os articulistas) representam grupos sociais reconhecidos por sua atuação, como empresários, partidos políticos, áreas profissionais, sindicatos, associações de defesa do ambiente etc. O articulista, diante de fatos que afetam o segmento social a que pertence e que provocam divergências com os demais grupos sociais, escolhe uma posição a favor ou contra possíveis encaminhamentos que esse fato possa ter para, fundamentado nela, escrever seu texto.
Vamos tomar como exemplo um fato que gera polêmicas atualmente: a existência do trabalho infantil. Para uma parte da sociedade, o trabalho infantil é um crime; para outra, um passo natural no crescimento do indivíduo; para outra, ainda, considerá-lo um crime ou não depende do tipo de trabalho infantil que é realizado: se forem tarefas que exploram a criança e a impedem de estudar e brincar, é crime; se forem tarefas que exigem tempo curto e preparam a criança para futuras responsabilidades sociais e, além disso, contribuem para que a cultura de um grupo social seja aprendida, não é crime, é um princípio educativo.
São as diversas questões que surgem diante dos fatos que possibilitam ao articulista escolher um ponto de vista, uma posição e a defendê-la com argumentos que possam convencer o leitor de que seu ângulo de visão é o correto. Algumas questões polêmicas provocam a sociedade por um tempo mais longo, como as que são feitas em torno do trabalho infantil, da punição a menores infratores, da pena de morte, do porte de armas, do desemprego etc. Outras, empolgam a sociedade por um período mais curto, como as razões que levaram um astro de cinema à morte ou o fracasso de uma equipe esportiva num campeonato mundial. Mas, em qualquer dos casos, as questões polêmicas são finitas, isto é, não duram para sempre. Para exemplificar, voltemos ao trabalho infantil: só mais recentemente é que sua existência foi reconhecida como problema e tornou-se amplamente discutido pela mídia. As polêmicas também são localizadas: há lugares no mundo, por exemplo, em que o trabalho infantil não é motivo de discussão.
As divergências na interpretação dos fatos e na defesa ou condenação de questões de caráter social dividem o público, que espera vê-las discutidas em veículos jornalísticos, virtuais, impressos, televisivos ou radialísticos. Aliás, em momentos onde as controvérsias se instalam o público espera esclarecê-las tendo acesso a diferentes perspectivas, para confirmar ou não suas impressões sobre as questões que circulam.
Mas, para que os leitores interessados em polêmicas se disponham a ler artigos de opinião, é preciso que seus autores, os articulistas, sejam identificados por eles como autoridades no tema que provocou discussões. Assim, autores de artigos de opinião jornalísticos são, em geral, pessoas reconhecidas por sua competência profissional e sua especialização no assunto que gerou polêmicas, ou mesmo por sua influência social.
A interpretação, a posição tomada e opinião expressa pelos autores dos artigos não são necessariamente as mesmas do jornal para o qual escrevem, mas os editores abrem espaço para que os articulistas as expressem porque os consideram pessoas capazes de formar opinião e influenciar o público-leitor. É por isso que os artigos são assinados: dessa maneira, a opinião neles contida não compromete a isenção que o jornal deve manter diante das polêmicas.
Assim, para que um artigo de opinião exista, deve haver algumas condições: um local ou veículo de publicação (um jornal ou revista, impressos ou virtuais), um editor desse veículo jornalístico que convide um ou mais especialistas para discutir a questão, um articulista (que, muitas vezes, não pertence ao quadro fixo do jornal), um especialista que se dispõe a discutir a questão a partir do ponto de vista do grupo social que representa e leitores interessados em conhecer a opinião do referido articulista sobre questões polêmicas que mobilizaram a sociedade e circulam na imprensa.
Como o artigo de opinião é escrito
Os elementos acima descritos compõem uma situação de comunicação específica que, de certa forma, obriga o articulista a escrever dentro do gênero que será publicado. Ele não poderá, por exemplo, apenas descrever o fato e as questões suscitadas por ele sem opinar e justificar sua opinião: a situação criada exige que ele proceda de acordo com o gênero. Mesmo que use a ironia para demonstrar seu posicionamento diante de questões polêmicas, escrever artigos de opinião é ato de seriedade: afinal, trata-se de discutir questões polêmicas que atingem a vida de numerosas pessoas. Também não poderá escrever sem considerar o fato que gerou polêmica, sem estudar seus antecedentes e sua abrangência social.
O que significa isso? Em primeiro lugar, que o articulista, ao escrever, não parte do zero: ele vai mergulhar em questões polêmicas que já circulam sobre um fato, então necessariamente precisa considerar, quando escreve, o que já foi dito antes sobre essas questões. Como não poderia deixar de ser, já que se trata de escrever a partir de uma polêmica, haverá grupos que já se posicionaram de forma contrária ao ponto de vista que o articulista vai defender e outros que se colocaram a favor de seu ângulo de visão sobre ela. O articulista, em seu texto, tomará uma posição diante da polêmica e dialogará, obrigatoriamente, com esses grupos. Nesse diálogo, fará dois movimentos: vai aproximar-se dos que estão a seu favor, concordando com eles, valorizando sua posição e argumentos, e distanciar-se dos que estão contra, questionando-os e desvalorizando seu modo de entender e colocar-se diante da questão.
O articulista, além de representar um grupo, também não escreve para atingir indivíduos isolados: ele discute com grupos ou representantes desses grupos. Dessa maneira, podemos dizer que ele e outros representantes de grupos sociais com os quais discute “fazem eco” às posições de muitas pessoas que representam. Ao lermos um artigo, é como se ouvíssemos, por meio desses ecos, as vozes sociais daqueles que se envolveram diretamente ou estão interessados em ângulos diversos da questão em discussão. Ou seja, se formos a favor da posição do articulista, é como se ele falasse por nós no artigo; se formos contra, é como se ele ecoasse as vozes daqueles de que discordamos.
Se o articulista for hábil, conseguirá passar para seu texto esse clima de debates e o leitor poderá “ouvir” as vozes que discutem o problema. Essas vozes vão além das citações de discursos particulares feitas pelo autor já que, cada citação, de alguma forma, evoca a posição dos numerosos componentes do grupo social nela representado.
Tomando novamente o trabalho infantil como exemplo, poderemos “ouvir”, em um artigo sobre as questões provocadas por esse fato - se somos favoráveis à posição do articulista - nossa própria voz, como um eco de nossa própria posição. E, é claro que não precisamos conhecer pessoalmente nem termos trocado ideias com o articulista para isso. Ouvir ecos de nossa voz, de nosso discurso sobre a polêmica, fará com que nos solidarizemos com ele. Se, ao contrário, formos desfavoráveis à posição do articulista, não nos identificaremos com o grupo a quem ele representa e nos indignaremos com suas palavras, com seus argumentos. Se, numa outra possibilidade, estivermos indecisos diante da questão evocada no artigo, poderemos ou não nos deixar convencer pelo tecido argumentativo que o articulista construiu em seu texto. Ao nos posicionarmos a favor, contra ou, ainda, nos deixarmos persuadir pelo discurso do articulista, entraremos no clima emocional do artigo e nos indignaremos ou exultaremos ao lê-lo. Para obter esse clima envolvente de discussão, o artigo é todo escrito em tom de persuasão, de convencimento.
O movimento de persuadir o leitor é feito por meio da construção e colocação articulada de argumentos no artigo, a partir, em geral, da descrição do fato e da polêmica constituída sobre ele e que o articulista quer discutir. Ele usará diferentes tipos de argumentos, por exemplo: de autoridade, citando falas de pessoas conhecidas por dominarem a questão; de causa e conseqüência; de provas, referindo-se a estatísticas e outros dados de estudos sobre o problema; de princípio, quando se tratar de causa que envolva ética e moral.
Embora, ao analisarmos o artigo, possamos classificar os argumentos em tipos, é importante lembrar que cada um deles ecoa argumentos diversos. Assim, um argumento de provas, por exemplo, ecoará vozes de autoridades do setor de pesquisa que as produziu; um argumento de princípios, vozes de autoridades que discutem filosofia, ética, religião; argumentos de causa e consequência serão fundamentados em provas e em lógica. Portanto, a rede argumentativa de um artigo, para ser compreendida, exige cuidadosa análise das vozes sociais nele evocadas.
Todo esse complexo movimento argumentativo do artigo é feito tendo em vista o leitor, porque é para convencê-lo ou persuadi-lo que os articulistas escrevem. Para tanto, procuram engajá-lo na posição de aliado, antecipar as possíveis objeções do leitor e levá-las em conta, incluindo-as em seu texto. Buscam também, na posição de articulistas que representam setores sociais, colocar seu ponto de vista como sendo “a verdade”. Se os leitores se envolverem, o articulista e o jornal atingiram seu objetivo, o de mobilizar o público e formar opinião.
A escrita do artigo de opinião é marcada, linguisticamente, por essa situação comunicativa que envolve discussões, controvérsias, reveladas em questões polêmicas diante das quais o autor toma uma posição e a defende. A tomada de posição (que não pode acontecer em outros gêneros jornalísticos como a notícia ou a reportagem) é indicada no artigo, entre outras coisas, por marcas linguísticas que anunciam a posição do articulista: “penso que”, “do nosso ponto de vista”; introduzem os argumentos: “porque”, “pois”; trazem para o texto diferentes vozes: “alguns dizem que”, “as pesquisas apontam”, “os economistas argumentam que”, introduzem a conclusão: “portanto”, “logo”.
Embora essas marcas linguísticas possam aparecer em outros gêneros argumentativos não jornalísticos – como a dissertação escolar, por exemplo – o que os distingue é o fato de serem escritos a partir de “ganchos” jornalísticos (fatos, acontecimentos, questões que mobilizam a opinião pública), em linguagem própria do jornalismo e serem dirigidos a públicos específicos de cada jornal em que são publicados, ou seja, grupos de leitores que se identificam com a ideologia que cada veículo jornalístico representa.
Uma festa para os livros e para a leitura
feiras literárias, literatura, formação leitora, livros
Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
práticas de linguagem contemporâneas, letramentos, multimodalidade, multissemiose, BNCC, ensino e aprendizagem de língua portuguesa
Ninguém comentou ainda, seja o primeiro!
Ver mais comentáriosOlá, visitante. Para fazer comentários e respondê-los você precisa estar autenticado.