Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
letramentos, BNCC, multissemiose, práticas de linguagem contemporâneas, multimodalidade, ensino e aprendizagem de língua portuguesa
Cidade recém-emancipada, Mojuí dos Campos apresenta grande potencial para o turismo. Sua programação cultural inclui inúmeros eventos, como a Festa da Integração Nordestina, os festivais do abacaxi, do mamão, do maracujá, entre outros. A região conta também com vários igarapés de águas geladas e transparentes; no entanto, a professora Rosiane constatou que grande parte dos alunos apresentava um sentimento negativo em relação ao lugar em que vivem. A partir dessa observação, ela propôs o projeto “Encantos de Mojuí dos Campos” com duplo objetivo: de um lado, melhorar a relação dos jovens moradores com a cidade e, de outro, trabalhar conteúdos de língua portuguesa em estreita relação com as práticas sociais. Com esse duplo objetivo, professora e alunos produziram um fôlder turístico da cidade, que foi adotado pela prefeitura.
Ficha técnica | |
Instituição de ensino | Escola Estadual de Ensino Médio Governador Fernando Guilhón |
Localidade | Mojuí dos Campos, Pará |
Classe | 3º ano do Ensino Médio |
Professora | Rosiane Maria da Silva Coelho |
Duração do projeto | 4 meses |
Produto final | fôlder turístico |
A socialização do projeto ocorreu em uma roda de conversa em que os alunos expressaram suas opiniões e sentimentos sobre o lugar em que vivem. Diante da predominância de pontos negativos apontados pelos alunos, a professora ressaltou os aspectos positivos e tudo foi registrado em um quadro. Rosiane perguntou se havia na cidade algum texto que mostrasse fotos dos igarapés, da igreja, dos festivais que foram listados por eles. Os alunos disseram que não havia e ela, então, propôs a elaboração de um guia turístico, posteriormente mudado para fôlder.
Uma longa caminhada desde a produção inicial até sua finalização com produção coletiva, assim foi a elaboração do fôlder, com muito trabalho e algumas reclamações dos alunos (“Mais escrita?”), mas sempre com incentivo e apoio da professora. Nesse percurso, os alunos puderam comparar os textos iniciais que tinham feito com o do fôlder de Santarém e, mediante roteiro, eles mesmos concluíram que havia muito trabalho pela frente. Durante a análise, fizeram diversos comentários: “Nossa, faltam muitas informações.” “Haja produção, professora, porque esse texto está ruim.” “Precisamos melhorar muito.”
Observem o diagrama com todas as etapas do projeto.
A professora Rosiane iniciou a conversa sobre gêneros textuais ao perguntar aos alunos se conheciam algum texto que divulgasse as festas, os eventos religiosos e as belezas naturais de Mojuí dos Campos. A primeira proposta foi a elaboração de um guia turístico, depois substituída pelo fôlder.
A produção inicial do fôlder mostrou que os alunos não tinham uma representação adequada desse gênero. A análise de dois fôlderes obtidos na cidade de Santarém possibilitou uma discussão sobre a situação de produção desse gênero textual: quem produz, com que finalidade, a quem se destina, o que se pode comunicar por meio desse gênero, qual o melhor jeito de dizer, qual o suporte, onde circula etc.
Para produzir o fôlder os alunos tiveram que assumir outro papel, deixaram de ser apenas alunos escrevendo para o professor com a finalidade de demonstrarem saber ou de serem avaliados, mas tornaram-se autores de textos que tinham como intenção divulgar atrações turísticas de Mojuí dos Campos e que iriam circular na cidade em que vivem e fora dela. Nesse papel, construíram uma representação sobre quem seriam e como seriam os leitores desses textos e foram buscar conteúdos e jeitos de dizer que pudessem de fato atrair os turistas.
Vamos analisar duas produções ressaltando aspectos positivos e aqueles que precisam ser aperfeiçoados.
Os primeiros fôlderes produzidos eram muito simples e a maioria trazia características de guia turístico com a presença de índice, lista de locais e não fazia qualquer descrição dos eventos. A linguagem era pouco elaborada, sem a utilização de recursos capazes de atrair o turista. Além disso, apresentavam repetições desnecessárias de palavras, grafia incorreta, problemas com a pontuação e a construção de frases, e outros aspectos gramaticais.
Com base na análise das produções iniciais, para melhorar os aspectos discursivos e de conteúdo, a professora desenvolveu três ações principais: uma visando conhecer as características do gênero (análise de dois fôlderes obtidos em Santarém); outra, com o objetivo de realizar a alimentação temática (pesquisa em fontes escritas e pesquisa de campo); e a terceira visando o retorno das duplas aos seus textos iniciais para identificar aspectos que precisariam ser melhorados.
Os fôlderes foram obtidos em uma agência de turismo e na secretaria de Turismo, em Santarém. A partir de cópias dos exemplares, os alunos, em grupo, fizeram a análise dos aspectos discursivos, textuais e linguísticos dos fôlderes, orientados pela professora, com as seguintes perguntas: Quem produziu o fôlder? Com qual finalidade? Quem é o público leitor? Onde circula esse gênero de texto? O que nele é divulgado? Além da linguagem verbal, que outros tipos de linguagem não verbais aparecem? Por quê? Por que há imagens?
Em seguida, observou-se a estrutura gramatical do texto: O fôlder tem título? Subtítulo? Qual é o tempo verbal predominante? E o modo verbal? No texto aparecem vários adjetivos, por quê? Qual a variedade linguística empregada?
Distribuídos em grupos, os estudantes iniciaram as pesquisas sobre os eventos festivos e culturais e os pontos turísticos da cidade que foram escolhidos por eles para compor o fôlder: Caminhada de Fé com Maria, Festa de Integração Nordestina, festivais do abacaxi e do maracujá, igarapés. Um grupo encarregou-se das fotos e outro visitou alguns empresários locais com o objetivo de conseguir patrocínio para a produção do fôlder. Antes de saírem a campo, sob a orientação da professora, elaboraram as perguntas para a coleta de informações.
Essa etapa durou duas semanas e, no dia programado, todos os grupos trouxeram informações valiosas para a produção do fôlder.
Esse trabalho possibilitou que os alunos entrassem em contato com a situação de produção de um fôlder turístico, além de observar suas características textuais.
Nesta etapa os alunos perceberam também que precisariam escolher os pontos e eventos turísticos mais importantes para compor o fôlder.
Depois da análise do fôlder de Santarém e da pesquisa sobre as atrações turísticas da cidade, a professora organizou os alunos em duplas para análise de suas primeiras produções. Essa análise foi orientada e acompanhada de perto pela professora, que retomou a situação de produção e outras características de textos desse gênero:
A professora destacou a importância dessas questões para ampliar a visão dos alunos em relação às suas produções. Segundo ela:
“Assim, puderam notar com mais clareza e objetividade as limitações contidas em seus textos. Durante a análise, surgiram diversos comentários, como: “Nossa, faltam muitas informações”. “Haja produção, professora! Porque esse texto está ruim.” “Precisamos melhorar muito.”
Com este trabalho os alunos se colocaram no papel de leitores de seu próprio texto. O roteiro proposto pela professora possibilitou que retomassem a situação de produção do fôlder turístico e avaliassem o quanto suas produções se aproximavam ou se distanciavam desse gênero.
Os alunos, em duplas, fizeram, então, a primeira reescrita ou segunda produção de seus textos. A professora orientou-os a incluir as informações obtidas por meio das pesquisas e entrevistas.
Na segunda produção os textos trazem informações relevantes sobre a cidade e suas atrações e os aspectos positivos já são destacados:
[...] Mojuí oferece atrativos culturais e cenários naturais expressivos. Destaca-se no município a agropecuária e agricultura como base econômica. Destaque que permite anualmente a realização de festivais como: do Maracujá, do Abacaxi, do Mamão, da Galinha Caipira, da Tapioca, entre outros.
Outros eventos relevantes são a Caminhada de Fé com Maria e a Festa de Integração Nordestina. É importante também destacar os belos igarapés situados nessa cidade para momentos de lazer e apreciação da natureza. (Texto de abertura do fôlder)
Nota-se o uso de recursos que incitam o leitor a conhecer a cidade:
[...] Para descobrir os demais encantos de Mojuí dos Campos, como por exemplo, a alegria de seus moradores, visite e conheça um pedacinho do Nordeste no seio da Amazônia. (Texto de abertura do fôlder)
Em alguns textos observa-se também o cuidado com a descrição e o uso de adjetivos:
O ambiente apresenta uma estrutura com redário, um campo esportivo, um açude e o igarapé de águas escuras com uma belíssima vista para a mata nativa. (Igarapés)
Essas mudanças mostram o efeito do trabalho realizado pela professora e pelos alunos: análise de fôlderes que serviram como modelo, pesquisa de campo e em fontes escritas e análise das produções iniciais com orientação da professora e elaboração de um roteiro.
A maioria dos estudantes copiou literalmente trechos de textos retirados de fontes escritas ou incluiu trechos da entrevista sem fazer as modificações necessárias.
Em muitos textos os alunos escreveram como se estivessem em uma interação face a face: “Agora vamos falar pra vocês sobre a Caminhada de fé com Maria”. “Também vamos mostrar os igarapés”.
Alguns textos estavam muito extensos, considerando o tamanho total do fôlder. Havia também informações desnecessárias tendo em vista a finalidade do gênero, ou seja, revelavam problemas de progressão temática.
Em grande parte dos textos faltava adequar a linguagem por meio de escolhas de palavras mais precisas que tornassem o texto mais persuasivo e produzissem os efeitos de sentido próprios do gênero.
Notava-se muita repetição de palavras, que poderiam ser substituídas por pronomes, sinônimos ou outros elementos de coesão.
Havia ainda problemas com a pontuação principalmente com o emprego da vírgula e com a grafia de palavras. As questões gramaticais observadas tanto na primeira produção como na segunda foram tratadas por meio de atividades específicas de reflexão e sistematização.
A professora retomou, no datashow, o fôlder de Santarém. Chamou a atenção para o espaço ocupado pelas informações, para a estrutura textual, para os aspectos discursivos e também para a importância de, neste gênero, utilizar a multimodalidade, dando destaque a imagens, fotos, cores, formato e tamanho das letras.
Ao mesmo tempo, mostrou a segunda produção de uma das duplas (autorizada pelos autores), que apresentava problemas de textualização recorrentes entre os alunos, para que fizessem uma comparação.
Questionou sobre a quantidade de informações, perguntou se todos os dados escritos eram importantes, quais eram desnecessários e se haveria espaço no fôlder para todas as informações. Já em relação aos trechos em discurso direto, sugeriu que fossem transformados em discurso indireto.
Também chamou a atenção para trechos que apareciam sem títulos ou subtítulos, explicitando como eles ajudam a chamar a atenção para informações cruciais contida no texto.
Iniciaram, então, uma nova reescrita. Segundo a professora, “não foi fácil incentivá-los a mais uma reescrita, porque já deixavam escapar alguns comentários do tipo: ‘Escrever novamente, professora?’ ‘Mais escrita!’."
Mas, segundo a professora, “superar essa resistência foi fundamental ao aprendizado daqueles jovens escritores. Mesmo ao som de reclamações, eles produziram...”.
Vamos analisar alguns textos dessa segunda produção, o processo e o resultado da reescrita.
A análise prévia feita pela professora e as questões orientadoras da reescrita tiveram por objetivo aperfeiçoar os textos para que o fôlder atingisse sua principal finalidade: divulgar aspectos positivos da cidade e atrair o turista. A consciência de que o fôlder iria circular fora dos muros escolares, que iria cumprir uma finalidade social, contribuiu para que, apesar da falta de hábito de fazer reescritas, os alunos se empenhassem nesse trabalho.
O trabalho com os aspectos linguísticos partiu sempre de textos dos alunos, com a devida autorização do autor. A professora apresentava o trecho com problemas gramaticais, fazia a leitura com os alunos, questionava-os sobre o que estaria inadequado, explicava o porquê da inadequação segundo as normas gramaticais e o trecho era reescrito coletivamente.
Além desse trabalho coletivo sobre os textos dos alunos, a professora apresentou exercícios para reflexão sobre o uso e a sistematização de regras. Os alunos registravam no caderno as regras descobertas e aprendidas.
Com relação à grafia incorreta de palavras, a professora desenvolveu dois tipos de ação:
O uso do dicionário tornou-se uma prática frequente também nas outras disciplinas.
Conteúdo: Sequência descritiva
Conteúdo: Pontuação
Conteúdo: “am” ou “ao”?
Conteúdo: Emprego de “há” e “a”
As imagens, o uso de cores e os diferentes tipos de letras em fôlderes são tão importantes quanto a linguagem escrita. Esse foi um aspecto que mereceu atenção dos alunos na etapa de finalização do fôlder. Durante a pesquisa de campo um grupo ficara encarregado de produzir fotos de pontos turísticos e de conseguir com os moradores fotos das festas e eventos religiosos. As cores escolhidas, azul e amarelo, são as mesmas da bandeira de Mojuí dos Campos.
No laboratório de informática os alunos digitaram, formataram, inseriram imagens e cores, com a ajuda do instrutor do laboratório. Essa foi a parte mais fácil, os alunos estavam empolgados e se dispuseram a ir à escola no contraturno. Nessa etapa, o instrutor da sala de informática constatou que, embora os alunos fossem usuários das redes sociais, muitos não sabiam digitar, formatar um texto, nem inserir as imagens. Foi um novo aprendizado para eles.
Depois de ler a produção das duplas já finalizadas e divulgá-las no datashow para a turma, a professora sugeriu que elegessem o melhor fôlder, mas os alunos não concordaram. Eles queriam que o produto final tivesse a participação de todos. Dessa forma, partiram para a produção coletiva.
Realizaram, então, uma roda de leitura dos fôlderes com o objetivo de observar os pontos fortes de cada produção.
Durante essa leitura eles perceberam que alguns textos se completavam e, assim, decidiram juntar, cortar e reescrever. Nessa etapa, a professora fez o papel de escriba e, segundo ela, não foi nada fácil negociar com os alunos o que deveria permanecer, o que deveria ser eliminado e a melhor forma de dizer.
Apesar das dificuldades, foram pouco a pouco modificando, transformando, reinventando a versão final. A parte introdutória foi completamente alterada, porque contou com a sugestão da maioria dos alunos. As demais partes resultaram de junção e eliminação de partes dos textos das duplas.
Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
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