"Uma revista para educadoras(res) e apaixonadas(os) pela Língua Portuguesa"
DE MÃE
DE MÃE
texto - Conceição Evaristo; ilustração - Criss de Paulo
07 de agosto de 2023
Histórias de pertencimento
O cuidado de minha poesia
aprendi foi de mãe,
mulher de pôr reparo nas coisas,
e de assuntar a vida.
A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe,
mulher prenhe de dizeres,
fecundados na boca do mundo.
Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço,
cada dedo olha a estrada.
Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
Foi mãe que me fez sentir as flores
amassadas debaixo das pedras;
os corpos vazios rente às calçadas
e me ensinou, insisto, foi ela,
a fazer da palavra artifício
arte e ofício do meu canto,
da minha fala.
In: Poemas da recordação e outros movimentos.
Belo Horizonte: Nandyala, 2008, pp. 79-80.
Maria da Conceição Evaristo de Brito é romancista, contista e poeta, de Belo Horizonte (MG), nasceu em 1946. Formada em Letras, fez mestrado em Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Defendeu a tese de doutorado “Poemas Malungos – Cânticos Irmãos”, na Universidade Federal Fluminense (UFF). Escreve para revistas e publicações, nacionais e internacionais, cujo tema é a afrobrasilidade. Atualmente, Conceição leciona na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como professora visitante. (Cf. Enciclopédia Itaú Cultural.)
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