"Uma revista para educadoras(res) e apaixonadas(os) pela Língua Portuguesa"
Palavra que abre caminhos
Palavra que abre caminhos
texto - Jéssica Nozaki; ilustração - Criss de Paulo
07 de agosto de 2023
Formação em diálogo
Um jovem aluno consegue concluir o Ensino Médio, mas não tem condições de dar continuidade aos estudos pela necessidade de trabalhar. Essa história é uma velha e indesejável conhecida – daquelas que encontramos na rua, mas, constrangidos, mudamos de calçada para não precisar cumprimentar.
Uma pesquisa encomendada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) ouviu, entre fevereiro e março de 2017, cerca de 1.200 estudantes que terminaram o Ensino Médio em 2016. O estudo revelou que 94% dos entrevistados acreditam que entrar na universidade seria, sim, o caminho natural, mas 70% deles não puderam seguir esse rumo por falta de condições financeiras.
A relação entre as dificuldades econômicas e o acesso ao Ensino Superior fica ainda mais evidente se considerarmos o balanço divulgado pelo Ministério da Educação em maio de 2017. Com taxa de inscrição mais cara, reajustada em 20,5%, o Enem teve o menor número de inscritos desde 2013.
Pensando em todo esse contexto, consultamos 52 semifinalistas, no gênero Artigo de opinião, da 5ª- edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, que na época, 2016, cursavam o 3º- ano do Ensino Médio. Perguntamos se eles tinham prestado algum exame vestibular em 2016, e as respostas mostraram um grande afastamento do cenário nacional. Nesse grupo, 79% dos estudantes prestaram vestibular, e 68% foram aprovados.
A semifinalista Josseane Fátima de Lima, de Picuí (PB) conquistou uma vaga no curso de história da Universidade Estadual da Paraíba. Para a aluna, o feito tem um caráter ainda mais especial, uma vez que ela é a primeira de sua família a ingressar no Ensino Superior: “Isso me incentiva e me motiva ainda mais. Eu quero conquistar o primeiro diploma da família e poder dar todo esse orgulho aos meus pais”.
Microrrealidade olímpica – um parêntese
Assim como os atletas medalhistas nem sempre representam o investimento na prática esportiva de um país como um todo, aqui também precisamos olhar para essas porcentagens tendo em mente o perfil dos semifinalistas: um grupo de alunos, em geral, engajado com os estudos, que conta com o apoio familiar e o suporte da equipe pedagógica: “Sempre recebi incentivo das escolas pelas quais passei e da minha família. Quando queria um livro, meus pais me davam, ou eu pegava na biblioteca. Por meio da leitura eu conhecia mais palavras, tinha ideias e ganhava inspiração para escrever meus textos”, diz Josseane.
Ao falar de sua aprovação para os cursos de enfermagem e veterinária na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Estadual do Norte Fluminense, o estudante Marcos Vinicio Anchieta, de Rio das Ostras (RJ), faz uma análise de conjuntura: “Darcy Ribeiro disse que a crise na educação brasileira não é uma crise, é um projeto. Acredito muito nisso. Eu tive a oportunidade de estudar sem outras preocupações e responsabilidades além do
estudo em si. Sempre contei com minha família e sou muito grato por isso, mas sei que não é uma oportunidade de todos os jovens brasileiros da minha idade. As oportunidades não chegam às classes mais desfavorecidas, o que reafirma a utopia da meritocracia. Falamos muito disso no Encontro Regional da Olimpíada”.
“Desde o Ensino Fundamental eu já tinha proximidade com a escrita, mas ainda não sabia de sua importância para transformar o meio social em que vivemos. Todo o trabalho na escola até a classificação para a semifinal da Olimpíada me deu essa visão de que a escrita tem valor prático e transformador.”
Edson Lacerda, Trizidela do Vale (MA),
aprovado em letras na UFMA.
Empoderamento pela escrita
É consenso entre esses jovens semifinalistas o quanto a familiaridade com a leitura e a escrita foi fundamental na trajetória escolar, no crescimento pessoal e, claro no momento do vestibular. Segundo eles, a prática da escrita contribuiu não só para que tivessem um bom desempenho no aspecto formal da redação, de caráter dissertativo, como também ajudou em toda a preparação para a prova: a pesquisa temática, a interdisciplinaridade, a tomada de posição, a interpretação de texto.
Todo o processo de participação na Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro também ganha destaque nas falas dos alunos, tanto no que diz respeito à produção textual no gênero Artigo de opinião, quanto às experiências vividas na Etapa Regional. Foi lá que os 125 semifinalistas [na categoria]
se reuniram para atividades culturais e de formação, e puderam debater sobre uma questão polêmica de extrema atualidade e relevância: as ações afirmativas1 para a garantia do acesso à universidade. Confira o que disseram alguns desses estudantes:
“Depois da Olimpíada passei a ver minha comunidade com outros olhos, percebendo o quão importante é a participação dos jovens na sociedade. O debate despertou em mim a vontade de lutar pela democratização do acesso ao Ensino Superior. Além disso, pude crescer com a troca de experiências entre alunos de diferentes culturas, de todas as partes do Brasil.”
Mateus Miranda, de Itaguatins (TO),
aprovado em ciências da computação no IFTO.
“A partir do momento em que me vi entre tanta gente inteligente, reconheci minha capacidade; passei a confiar mais no meu potencial e a buscar meu futuro. Fiz as provas do Enem e me surpreendi com os 800 pontos da minha nota de redação que me ajudaram a garantir a vaga na universidade dos meus sonhos.”
Emily Calixto, de Mafra (SC),
aprovada em enfermagem na UFSC.
Um futuro a ser escrito
Perguntados sobre como aconselhariam outros jovens de escolas públicas a alcançarem a tão sonhada vaga no Ensino Superior, os estudantes mostram seus pontos de vista em caminhos bem pragmáticos.
Para Natália Nobre, de Arapiraca (AL), aprovada em psicologia na Universidade Federal de Alagoas, é essencial “estudar bastante, ler, manter-se informado, praticar a escrita e conversar com os professores”. Já para Edson Lacerda, também cabe aos jovens defender as ações afirmativas que, segundo ele, são “medidas que estão caminhando para colocar em bases iguais o acesso às universidades no Brasil”. Marcos Vinicio conclui: “O mais importante é lutar pela escola e pela universidade públicas de qualidade; pela igualdade de oportunidades; pelo dia em que todo brasileiro terá efetivamente o direito de escolher o rumo de sua vida. E tudo isso só se dará por meio da educação”.
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1. Ações afirmativas são políticas implementadas pelo Estado ou pela iniciativa privada para minimizar e, a longo prazo, corrigir desigualdades raciais, sociais e econômicas. Trata-se de medidas para promover a igualdade de oportunidades para todos, por exemplo, leis que exigem um mínimo de mulheres como candidatas a cargos públicos; e a adoção de cotas raciais, que consiste na reserva de vagas em universidades [empresas e outras instituições] para grupos étnicos historicamente marginalizados, sobretudo as populações negra e indígena.
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