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Reescrevendo artigos de opinião na Olimpíada
Reescrevendo artigos de opinião na Olimpíada
Egon Rangel, docente da PUC-SP, analisou os 125 artigos de opinião semifinalistas da 5ª edição da Olimpíada
Egon Rangel, docente da PUC-SP, analisou os 125 artigos de opinião semifinalistas da 5ª edição da Olimpíada
texto - Egon de Oliveira Rangel; ilustração - Criss de Paulo
07 de agosto de 2023
Jovens escritores ocupam as cidades, juntos escrevem o futuro
1. A escrita escolar e a Olimpíada
Seja qual for o gênero discursivo em foco, produzir textos, no âmbito da Olimpíada, é uma atividade pautada por fatores que valem a pena explicitar. Afinal, ao participar do Programa, professores e alunos assumem um conjunto bem definido de condições de produção da escrita.
Dada a relevância que assume nesse contexto, lembramos que o aluno se vê comprometido, em suas produções, com três instâncias diferentes de interlocução:
- o professor, a turma, a escola, a comunidade escolar em que a escrita se faz;
- a sociedade em geral, uma vez que Poema, Memórias literárias, Crônica e Artigo de opinião são gêneros capazes de interessar a um público mais amplo que o da escola;
- as bancas examinadoras que analisarão e julgarão as produções.
O desempenho escrito do aluno é, então, balizado por esses três interlocutores simultaneamente. Será preciso encontrar um jeito de atender a todos, sem, no entanto, trair suas próprias motivações e capacidades.
Mas outros dois fatores são igualmente importantes, no processo: o tema comum e a orientação teórico-metodológica. O primeiro, expresso pela fórmula “O lugar onde vivo”, estabelece, para todos e cada um, uma temática geral, com base na qual será preciso eleger um assunto próprio. Já o segundo se manifesta no trabalho em sala de aula, orientado por sequências didáticas específicas e por materiais didáticos próprios.
Assim, esse conjunto de determinações estabelece, para professores e alunos inscritos, “um mesmo chão”, um patamar comum de onde todos partem.
2. O Artigo de opinião na Olimpíada: um Gênero jornalístico em visita à escola
O Artigo de opinião (AO) é um gênero jornalístico por excelência. Sua função social é, basicamente, a de abrir, manter e alimentar o debate social sobre questões de interesse público. É esse compromisso que lhe dá um caráter eminentemente republicano, fazendo dele um gênero especialmente compromissado com o exercício da cidadania.
Como sabemos, é preciso ter – ou querer ter – opiniões para estabelecer e levar a bom termo um debate. No entanto, por mais que a expressão de opiniões se faça necessária, isso não é o suficiente: é preciso defender esta opinião contra aquela(s) outra(s), colaborar para que os consensos sejam possíveis, favorecer a tomada coletiva de decisões.
Por isso mesmo, no jornal ou na Olimpíada, o ponto de partida é uma questão controversa: um problema para cujo equacionamento diferentes soluções sejam possíveis. Onde não há o que discutir (“O sol deve nascer, amanhã?”), onde o problema já está solucionado ou remediado (“O Ensino Fundamental deve ser obrigatório, no Brasil?”), não há questão controversa. Nem, tampouco, qualquer debate possível.
Em contrapartida, nunca faltam boas perguntas, dilemas e impasses, no governo da vida em sociedade: “O aborto deve ser descriminalizado?”, “As ciclovias contribuem para a mobilidade urbana?”, “O ensino deve ser público e gratuito, em todos os níveis?” etc. Questões como essas têm em comum não só a pertinência pública, como também o caráter aberto. Diante delas, podemos nos posicionar contra ou a favor – e pelos mais diferentes motivos. Podemos, até mesmo, discordar de sua formulação, propondo abordagens que nos pareçam mais precisas e corretas do problema.
Por todos esses motivos, o argumento – explícito ou implícito – funciona como um organizador geral do AO. Na Olimpíada, didatizamos esse componente com base no esquema proposto pelo lógico britânico Stephen Toulmin: argumentar é partir de Dados que, mediante uma Justificativa apropriada, permitam chegar racionalmente a uma Conclusão ou tese. Nesse movimento do raciocínio, podemos providenciar diferentes Suportes ou reforços para os dados ou para as justificativas, caso não tenhamos elementos que valham por si sós. Podemos, ainda, dar voz a nossos opositores, com Refutações aos contra-argumentos que eles poderiam nos dirigir. Finalmente, se não pudermos concluir o raciocínio de forma categórica e definitiva, sempre poderemos especificar, por meio de um Modalizador, as condições em que nossa tese deverá ser considerada verdadeira.
Por outro lado, tal configuração textual tende a se revelar numa sequência típica, a da dissertação: Introdução – momento em que os dados são apresentados e, eventualmente, a conclusão é anunciada; Desenvolvimento – ocasião na qual os argumentos são expostos e discutidos; Conclusão – etapa final em que a conclusão do argumento é (re)afirmada.
Assim, reconhecemos um AO sempre que conseguimos encontrar – ou inferir – esses componentes num texto. No caso dos jornais, esperamos que isso se realize de acordo com um padrão de qualidade profissional. Numa escrita escolar, no entanto, esse padrão é aquele que todo professor domina: o do aluno que “deu tudo de si”, “superou expectativas”.
Digamos, então, que o principal objetivo do processo de reescrita escolar é o de ultrapassar o nível do satisfatório, aproximando ao máximo o texto do aluno desse duplo padrão.
3. A reescrita: pontos de atenção e cuidado no aprimoramento do texto
Para ir além do satisfatório, na produção de um AO, é preciso identificar o(s) ingrediente(s) que falta(m) à versão inicial, assim como o que poderia estar mais bem contemplado. É hora, portanto, de ficar de olho no modelo do gênero, assim como nos critérios de avaliação.
Alguns pontos de atenção e cuidado logo se impõem ao planejamento e elaboração de atividades de reescrita.
O tratamento dado ao tema comum é o primeiro deles. Um bom AO deve integrá-lo à perspectiva argumentativa do texto. Qualquer destaque indevido corre o risco de comprometer o ponto de vista e a continuidade do texto, transformando-o em guia turístico ou em denúncia de problemas locais.
Para não fugir ao gênero, é preciso, ainda, que o AO esteja claramente articulado a uma questão polêmica, se esta vier explicitada, o benefício para a coerência e a coesão será direto; mas, ainda que a estratégia seja indireta, todo o texto deverá organizar-se como uma resposta qualificada à questão.
A diretriz textual da reescrita será, então, o padrão de continuidade próprio da dissertação, em que todo e qualquer componente do texto deve ter uma função expositivo- argumentativa, constituindo-se como dado, justificativa, conclusão etc. O que não couber nesse figurino só fica se for pertinente para um desses elementos. Atenção especial deverá ser dada aos organizadores textuais, responsáveis pelas tramas e costuras que não deixam o leitor perder o fio da meada.
Finalmente, o AO é um gênero pautado pelo padrão culto do português brasileiro escrito. Desvios são permitidos, mas em casos especiais, como os efeitos de sentido deliberadamente buscados e as citações. No mais, é preciso adequar o texto, evitando, no entanto, a artificialidade de normas arbitrárias e sem qualquer respaldo na fala ou na escrita da população mais escolarizada e letrada.
Egon de Oliveira Rangel é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e colaborador do Programa Escrevendo o Futuro.
Revista Na Ponta do Lápis
Ano XIII
Número 28
Janeiro de 2017
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