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Algumas reflexões sobre formação de leitores
Algumas reflexões sobre formação de leitores
Maria Zélia Versiani Machado
01 de agosto de 2013
As práticas de leitura e escrita em nosso tempo
Ler é inteirar-se de outras proposições,
é confrontar-se com outros destinos,
é transformar-se a partir da experiência
vivenciada pelo outro e referendada
pelo fruidor. Existe, pois, ação educativa
maior do que esta de formar leitores?
Bartolomeu Campos de Queirós
A leitura para quem ainda não “aprendeu a ler”
Quando ainda não sabem ler, as crianças já conhecem muita coisa sobre a leitura. Sabem que os familiares interagem com os sinais escritos para alcançar objetivos os mais diversos, que para elas se apresentam em materialidades que nós, os adultos, denominamos suportes. Os objetos requerem dos leitores uma atenção especial que a criança ainda não capta plenamente, embora já assimile algumas de suas funções. Sabe, por exemplo, que alguns daqueles objetos orientam o ir e vir nas ruas; outros conduzem tarefas que fazem parte da rotina diária dos adultos; mostram textos e imagens e ainda permitem que o adulto escreva. As crianças participam desses eventos de letramento e acabam por assimilar muitos comportamentos relacionados à leitura, sem, no entanto, serem capazes de decifrar o que os sinais, que se confundem com desenhos, significam. Tudo isso indica que, muito antes de iniciado o processo de alfabetização, a criança já vem desenvolvendo conhecimentos a respeito da cultura escrita, fase importante que deve ser considerada no processo que chamamos “formação de leitores”. Convém ressaltar que esse processo pode ser menos ou mais intenso na vida das crianças, segundo os espaços e ambientes de convivência e do que neles ocorre em termos de contato com a escrita, o que torna essa fase pré-escolar ainda mais relevante para quem participa como agente dessa formação.
No processo de socialização com professores e colegas em ambiente escolar, as experiências com a escrita, pouco a pouco ampliadas, podem ser redimensionadas, alterando a percepção que as crianças construíram sobre a leitura e suas funções. Na Educação Infantil, primeira fase de socialização escolar, textos escritos já circulam, mesmo que não haja a intenção de se ensinar a ler. Descartar o contato com a linguagem escrita, nessa fase, seria falsear a presença que ela já tem na vida dessas crianças.
Aprender a ler: etapa decisiva da formação de leitores
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental espera-se que a alfabetização, que inclui o aprendizado da leitura e constitui ação decisiva para a continuidade do processo de formação, seja consolidada. A apropriação da escrita supõe trabalho organizado de conhecimentos sobre a língua, segundo um planejamento sistematizado em níveis de complexidade que ajude a criança no difícil trabalho de decifração, sem a qual não se alcança o sentido dos textos. Quando está sendo alfabetizada, a criança passa a compreender que falar e escrever, apesar de ambas as modalidades servirem para comunicar, contam com habilidades muito diferentes. Nessa fase de descobertas sobre a língua, as comparações entre a escrita e a oralidade se intensificam, no estabelecimento de relações entre os sons e os sinais gráficos. As contribuições para o êxito dessa etapa se concretizam sob a forma de diferentes estímulos que ocorrem concomitantemente a atividades voltadas à alfabetização. A leitura compartilhada de bons textos – literários, jornalísticos, publicitários etc. –, que encorajem o processo e o tornem mais prazeroso, pode ser um bom caminho. A escolha dos textos, das frases, das palavras, em suportes – impressos e em tela –, que se reconhecem no mundo social, quando bem feita, influi positivamente para esse aprendizado, tornando-o mais interessante para as crianças. Na formação de leitores, aprender a ler é uma etapa – com tempo de começar e com tempo de terminar – que corresponde a uma parte, a mais importante delas, desse processo. Mas esse aprendizado não para por aí.
Desafios para a formação dos leitores que já sabem ler
No século passado, a natureza das questões que se colocavam para o campo de estudos da formação de leitores diferia da que se mostra neste início de século. As condições de acesso foram pouco a pouco cedendo espaço a outras questões, à medida que políticas de distribuição de livros e de composição de acervos de bibliotecas escolares ganhavam regularidade. Na primeira década deste novo século passou a ganhar ênfase a discussão sobre a adequação dos espaços e tempos escolares de formação, bem como das metodologias, dadas as mudanças tecnológicas que vêm impactando os modos de ler de crianças e jovens.
Constata-se hoje que a escola – ainda a principal agência de formação de leitores – precisa enfrentar mudanças para que acompanhe de perto os modos de ler na atualidade e assim fazer valer a ação educativa de formar leitores, lembrada pela epígrafe. Uma das tarefas mais urgentes seria mostrar que os vários suportes da leitura cumprem finalidades distintas no âmbito da formação. Dessa forma, livros, telas e outros suportes, cada um a seu modo insubstituível, contariam para o fortalecimento da capacidade de ler de crianças, jovens e adultos, no processo de formação que não se esgota. Outro grande desafio é o de qualificar os procedimentos seletivos necessários à quantidade de informação, muitas vezes apreendida sem critérios e sem tempo para refletir. Tempos e espaços para inteirar-se, confrontar e transformar podem ser garantidos – por que não? – em práticas escolars de leitura.
Maria Zélia Versiani Machado é professora da Faculdade de educação da universidade Federal de Minas gerais (Fae/uFMg) e pesquisadora do Centro de Alfabetização, leitura e escrita (Ceale) da Fae/uFMg.
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