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Entrevista: Antonio Gomes Batista

Entrevista: Antonio Gomes Batista

O bom professor sabe: todo aluno é capaz de aprender

O bom professor sabe: todo aluno é capaz de aprender

Luiz Henrique Gurgel

01 de agosto de 2011

Professor em busca de leitores

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O bom professor sabe: todo aluno é capaz de aprender

 

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Para o pesquisador Antonio Augusto Gomes Batista todo bom professor deve ter consciência disso. A responsabilidade, de fato, é grande. Nossa capacidade de raciocinar, de se expressar e até de sonhar – em algum momento da vida de quem frequentou a escola – passa pelo trabalho de um professor de língua portuguesa. Mas quais são os dilemas e os desafios de quem é um dos principais responsáveis por nos ensinar a língua materna? Que conhecimentos, preocupações e sensibilidades eles e elas devem ter? Antonio, ou Dute, como é conhecido por amigos e alunos, estuda a formação e o perfil sociocultural desses professores e trata um pouco dessas questões nesta entrevista. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, assumiu em 2011 a Coordenadoria de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec.


No contexto da escola pública atual, quais devem ser as características do professor de língua portuguesa?

A primeira característica importante – se pensarmos nos desafios vividos pela escola pública – é o professor acreditar que todos os alunos podem aprender, independentemente da origem social. Os alunos que vêm das camadas populares podem aprender, apesar de falarem num dialeto muito diferente daquele que os professores vão ensinar, de viverem num meio que, em muitos casos, está bem afastado da cultura letrada. Pesquisas mostram que todos os alunos das camadas populares são capazes de aprender. E o professor de português é especialmente importante porque ele vai dar os elementos das futuras aprendizagens. É por meio da língua que se dá a capacidade de pensar, de raciocinar, de se expressar. Um dos pontos em que se organiza o fracasso escolar está em torno do fenômeno linguístico. Nem sempre os cursos de letras – no caso da formação dos professores de português, do Fundamental e do Ensino Médio – costumam tratar desse tema; apenas as disciplinas de sociologia, às vezes, abordam a relação entre fracasso escolar e desigualdades sociais. Muitas vezes as disciplinas que são voltadas mais diretamente para as de didáticas do ensino de português, metodologia e outras não discutem temas como esse.

É essencial saber quais são as formas de organização didática mais adequadas aos alunos de meios populares. Vou dar um exemplo simples: o dever de casa. Professores e a opinião pública julgam que é algo natural, sempre fez parte da escola, portanto inquestionável. No entanto, o dever de casa supõe um conjunto de fatores: que o aluno, ao voltar para casa, tenha tempo e certa organização de espaço; que haja controle do tempo exercido pelos pais; que tenha autonomia na organização do seu próprio tempo. Isso nem sempre é possível em famílias que vivem em condições de muita vulnerabilidade social. Os aspectos didáticos estão relacionados aos aspectos sociológicos. Essa preocupação deveria estar presente nas decisões dos professores e na sua formação também. Às vezes, o ensino se dá por familiarização: o aluno vai aprendendo pelo contato mais assistemático, ele vai lendo, sem saber qual estratégia de leitura está aprendendo, ou, quando está escrevendo, quais procedimentos de escrita está aprendendo naquele momento. Há estudos que mostram, por exemplo, que o ensino mais organizado, em que o aluno sabe o que está aprendendo e em que o professor sabe o que está ensinando, é mais adequado, possibilita o sucesso dos alunos das camadas populares.

Que outros aspectos da formação do professor você destacaria?

É fundamental que o professor domine aquilo que ensina. O professor de português ensina um objeto extremamente complexo, que é a língua. Durante muito tempo se pensou nesse objeto como sendo um conjunto de recursos linguísticos formais, as regras da língua. Importante é o professor conhecer bem as regras da variante culta, ou de prestígio da língua e ter boa sensibilidade para saber analisar as outras variantes do português. É essencial ter uma atitude aberta, não preconceituosa, com as variantes regionais e sociais. Outro ponto é que a leitura faça parte da sua vida como professor, seja leitor de jornal, revista, literatura, diferentes textos na internet, tenha práticas de leitura que sejam diversificadas, e ao mesmo tempo, escreva. O professor precisa dominar aquilo que ensina, criar um clima harmonioso na sala de aula, ter bom manejo de classe, como se dizia antigamente na cultura escolar.

Várias pesquisas mostram que a escola, muitas vezes, é impotente diante das desigualdades sociais. A escola termina por reproduzilas dentro dela. Ela transforma as desigualdades sociais em desigualdades escolares. As pesquisas sociológicas demonstram também que a escola é capaz de exercer um efeito próprio e, muitas vezes, diminuir essas desigualdades. São pesquisas que falam de um efeito escola ou de um efeito professor. O professor consegue administrar os tempos, organizar o ritmo da aula, criar um clima interativo, disciplinado, colaborativo, em que todos os alunos participam.

Na década de 1980 e, sobretudo, na de 1990 foram discutidas as tendências do pensamento pedagógico. Então, no curso de didática, em vez de refletir sobre as formas de organização do trabalho pedagógico, de como fazer, estudavam o que é a tendência da escola novista, a tendência marxista. A formação do professor tem que equilibrar teo ria e prática, discutir a didática, a prática do ensino de língua portuguesa. O professor precisa fazer a transposição dos princípios teóricos em procedimentos pedagógicos. Saber como organizar a sequência didática, as formas de intervenção no texto do aluno, os modos de fazer estudo de textos com os alunos.

E, aos professores que participam da Olimpíada, que orientações você daria?

O diagnóstico é peçachave. Conhecer o que o aluno sabe e o que ele não sabe. Vou falar de leitura, que é a minha área de especialidade. Quando trabalhamos com a leitura, estamos trabalhando com duas coisas: a formação do gosto pela leitura e a formação mais ampla do leitor. É preciso distinguir o ponto de vista da leitura das habilidades do ponto de vista da formação do leitor. Conhecer como os alunos estão em matéria de leitura: o que eles gostam de ler, se gostam ou não gostam. Se eles têm livros, se não têm. É preciso conhecer as representações, inclinações e crenças que aquela turma, aquela família tem em relação à leitura. Meninos e meninas gostam de coisas diferentes. Os meninos acham a leitura supérflua, ler romance “feminiliza”. É em relação a essas crenças que o professor vai ter de trabalhar, conhecer as habilidades de leitura propriamente dita. E para o professor que está no Ensino Médio e no Fundamental hoje é muito importante verificar se os alunos sabem ler. Normalmente, chegam alfabetizados, em bora um ou outro possa não estar alfabetizado. Os professores, algumas vezes, falam que os alunos não estão alfabetizados, pois eles não leem com fluência. Os alunos sabem ler, têm a capacidade de ler, mas não têm a capacidade de ler com fluência. E, por isso, também não vão compreender. Eles leem com muita hesitação, devagar, não são capazes de apreender os elementos mais expressivos, perceber as unidades sintáticas. O esforço para fazer essa leitura é tão grande, que o cérebro não fica liberado para compreender o texto. A outra dimensão que ele vai ter de avaliar é da compreensão. Conhecer quais os problemas de compreensão de leitura que os alunos têm. Quais estratégias de compreensão que eles utilizam? Quais eles não utilizam? Quais os problemas de compreensão que vão encontrar? Os problemas que o professor irá encontrar, eu imagino, serão de alunos que têm mais dificuldade de apreender o sentido global, de fazer síntese de texto, porque o aluno compreende partes, mas não o todo.

E depois do diagnóstico?

Aí é planejar. Definir o que ensinar, os objetivos, a avaliação e as metas que pretende alcançar. Vai utilizar, ou não, o livro didático? Qual a forma mais inteligente de utilizar o livro didático? Não utilizando o livro didático, que atividades o professor vai preparar para os alunos? Com que finalidade?

As mídias digitais – cursos virtuais, blogs, Twitter, Facebook, entre outros – demandam o domínio de diferentes linguagens, ferramentas e procedimentos. Como a escola pode utilizar bem as novas tecnologias?

A escola sempre usou tecnologia: giz, lousa, caderno, mimeógrafo, retroprojetor. A escola – sobretudo a de massa – se move lentamente, tem limitações de recursos humanos e financeiros para acompanhar a velocidade das inovações tecnológicas. Uma coisa é ensinar a escrever no caderno; outra, ensinar a escrever no computador. Mudou o jeito de escrever, de fazer o rascunho, de fazer o planejamento do texto. Na leitura na internet os processos cognitivos envolvidos são diferentes. No livro o processo é mais linear, do início da página para o final da página. Na internet o processo é menos linear, por causa, entre outras coisas, da presença do hipertexto. A habilidade fundamental de um leitor hoje na internet é saber buscar, selecionar e avaliar a credibilidade de uma informação, se aquela fonte é confiável. O texto é multimodal, quer dizer, se apresenta em múltiplas linguagens. Você clica e lê o texto escrito; clica e ouve; clica e pode ver a fotografia, ou assistir a um vídeo. O país é desigual. Muitas cidades têm dificuldade de acesso, não há banda larga para todos. É um bem que está desigualmente distribuído. O acesso à língua escrita é outro bem que ainda não foi igualmente distribuído. Os índices de analfabetismo escolar são grandes. O Ceará, por exemplo, está terminando o Programa de Alfabetização na Idade Certa, para reduzir os índices de analfabetismo escolar. Para muitas escolas é possível investir em novas formas de comunicação; em outras, é preciso concentrar os investimentos na alfabetização. Os alunos, no século XXI, em algumas escolas, ainda copiam textos da lousa, do livro didático, enquanto em outras os meninos fotografam, com o celular, as tarefas solicitadas. Mesmo nas comunidades rurais os alunos veem televisão, têm acesso a DVD. O celular não pega, mas eles conhecem celular, porque têm celular com antena.

Como fica o ensino da literatura diante das novas tecnologias?

Eu acho que está havendo uma diminuição da importância da cultura literária na escola, mas não é por causa da presença das novas tecnologias. É forte a presença da cultura científica, informativa, no mundo. Os dados do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] mostram que em alguns países os jovens tendem a ler mais coisas que têm a ver com cultura científica. Internacionalmente, há uma tendência de diminuição da importância da cultura literária na formação desses jovens. Nos últimos vinte anos houve uma redução da presença de textos literários nos livros didáticos. No Ensino Médio essa redução está aparecendo, por exemplo, no Enem. Algumas universidades que adotaram o Enem pararam de exigir a leitura de livros, por exemplo, de literatura. Hoje, o discurso jornalístico é presença marcante, referência nos livros didáticos. É uma linguagem concisa, de parágrafos menores, as frases estão cada vez mais simples, cada vez menos subordinadas. Isso empobrece o ensino da língua. A literatura permite a você explorar a si mesmo, o mundo, construir sua subjetividade. Uma pesquisa recente, em regiões metropolitanas, mostrou que para boa parte dos jovens entrevistados, que estavam na escola, o professor não havia indicado a leitura literária. Isso é um fenômeno recorrente, que diminui a chance de aproximar os alunos da literatura.

Quais são suas perspectivas na recém-criada Coordenação de Desenvolvimento de Pesquisas, do Cenpec?

A pesquisa desenvolvida no terceiro setor precisa ser sensível às necessidades de conhecimento de quem age sobre a realidade social, seja ela realidade escolar, assistencial, cultural. São cinco as diretrizes para a área. O primeiro ponto é que, como qualquer pesquisa, ela tem de ser uma pesquisa de excelência, tem que articular a ação na realidade social. A segunda diretriz importante é que esses projetos precisam responder às necessidades de conhecimento de quem está na ação. A terceira é estar sensível às necessidades de conhecimento, toda pesquisa tem sempre potencial de aplicação. A quarta, também relacionada às duas anteriores, é que ela precisa ser uma pesquisa que se comunica com rapidez e com eficiência, e se comunica não só para os pesquisadores, mas para além desse público, para os que atuam, agem sobre a realidade social, e são beneficiados por esses projetos, por exemplo, no caso de programas que são voltados para a formação de professores, como a Olimpíada. A comunicação é para as pessoas que atuam na Olimpíada e também para os próprios professores. Por último, a missão do Cenpec: influenciar no estabelecimento das políticas públicas voltadas para a nossa área de atuação. Em síntese, se pensarmos em termos de palavraschave, as cinco diretrizes são: sensibilidade ao contexto, qualidade acadêmica, realidade científica, comunicação e capacidade de influenciar políticas públicas.

Antonio Augusto Gomes Batista é graduado em letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1985), realizou seus cursos de mestrado (1990) e doutorado (1996) em educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é professor associado dessa universidade e professor convidado do “Curso de especialización y maestria” da Universidad Nacional de La Plata (Argentina). Desenvolveu estudos de pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, e no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Atuou como visiting scholar na University of Tennessee, em Knoxville, e como professor visitante na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada. Seus principais interesses de pesquisa residem – no quadro das relações entre sociologia e história da educação – na alfabetização e na cultura escrita, assim como na produção dos saberes escolares na disciplina português. Foi diretor do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), em diferentes mandatos, entre 1990 e 2006, quando coordenou projetos articulados a políticas públicas educacionais. Coordenou, para a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, a elaboração de diretrizes didáticas para a organização do Ciclo Inicial de Alfabetização, no quadro da implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos.

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