"Centenas de povos indígenas e suas línguas habitam, cultivam e preservam o território multicultural do nosso país."
Para educar por inteiro é preciso olhar para o coração da educação
Para educar por inteiro é preciso olhar para o coração da educação
texto - Gina Vieira Ponte; ilustração - João Pinheiro
04 de setembro de 2024
Na Ponta do Lápis
Em 2008, eu já atuava como professora da educação básica há 17 anos e há cinco como professora de língua portuguesa. Eu vivia permanentemente o desafio de promover uma prática pedagógica que fosse capaz tanto de mobilizar as/os estudantes de maneira efetiva quanto de lhes garantir o direito às aprendizagens e ao desenvolvimento integral. Ao mesmo tempo, eu esbarrava, a todo momento, com o fato de que ainda temos uma escola muito resistente às mudanças e muito mais filiada a uma educação bancária e transmissiva. Naquele ano, chegou para mim a notícia de que aconteceria a primeira edição da “Olimpíada de Língua Portuguesa”, iniciativa do Ministério da Educação e do Itaú Social, com coordenação técnica do Cenpec. O concurso, de caráter formativo, fazia parte das ações do Programa Escrevendo o Futuro. Participei concorrendo na categoria “Poema” e eu e as/os estudantes com as/os quais eu atuava celebramos juntos a chegada daquele vento inspirador que nos permitiu viver experiências pedagógicas tão especiais. Naquele momento, como parte do processo formativo em que éramos inseridas, eu recebi a versão impressa da 10ª edição da revista Na Ponta do Lápis.
Passados 16 anos, tenho a alegria e a honra de colaborar com dois textos desta 41ª edição para falar do que para mim se apresentou como um dos fundamentos e um dos diferenciais do Programa Escrevendo o Futuro: uma proposta de ensino de língua portuguesa que nos provoca a olhar para a/o estudante em suas várias dimensões: intelectual, física, social, emocional e cultural. Nesta edição, adentraremos um pouco mais as reflexões sobre este tema que está posto no debate público e que é o coração da educação: a certeza de que todo ato educativo precisa olhar para a/o estudante em sua inteireza.
O primeiro artigo, com o qual eu colaboro, compõe a seção “Especial”. Em “Educação Integral e ensino de Língua Portuguesa: diálogos necessários”, o convite à/ao leitora/or é para uma reflexão sobre a intrínseca relação entre a nossa identidade, a nossa história, o nosso território, e a língua que falamos. Como construir projetos político- pedagógicos para o ensino de língua portuguesa que consigam abraçar todos os dialetos e variações que compõem a nossa língua, afastando-nos da lógica colonial que privilegia determinados falares em detrimento de outros? Como articular o trabalho com a leitura, a escrita e a literatura em uma perspectiva de educação integral? Estas foram algumas das questões que busquei responder neste diálogo.
Na “Entrevista”, que eu tive o prazer de conduzir, nos encontramos com a grandiosa Macaé Evaristo, que em uma conversa deliciosa nos conta detalhes da sua biografia que foram decisivos para que ela se tornasse a grande referência que é como deputada, educadora, ativista. Macaé não apenas lança luz ao tema da educação integral, mas traz exemplos consistentes de como ela se materializa concretamente na escola.
Seguindo este passeio pelos meandros da educação integral, em “Lente de aumento”, o ensaio de Lara Rocha parte das “quizambas” das praias da Ilha de Boipeba, em Cairu (BA), e reafirma a necessidade de enxergar as alunas e os alunos como sujeitos integrais que “sabem um tanto e que devem ter vontade de aprender um tanto mais”. Ela traz para o bojo de suas reflexões a articulação de conceitos importantes sobre um fazer pedagógico comprometido com a inteireza das/os estudantes, como autonomia, prática da liberdade e amor, colocando em destaque o pensamento da pesquisadora estadunidense bell hooks.
No relato “Catucá: de passagem por uma comunidade educadora”, de Fernanda Mendes Soares, chegamos à seção “No chão da escola” e pisamos no território quilombola Catucá, que fica em Bacabal (MA). A experiência da Unidade de Ensino Fundamental Catucá nos permite compreender e sentir o significado de uma escola profundamente vinculada à comunidade em que está inserida, onde a territorialização é central para a ação e para o projeto político pedagógico.
Na seção “Linguagem e Movimento”, o ensaio sinuoso de Renata Santos Rente, “Leitura de mundo: aprender a ouvir se escutando”, convoca as vozes de Manoel de Barros, Ailton Krenak e Denilson Baniwa e nos provoca a pensar os processos de significação do mundo a partir da linguagem e a urgência de que a educação acolha as diferentes epistemologias. A autora nos convida a refletir sobre “o que acontece quando nos relacionamos com a palavra do outro?”
A “Página Literária” traz o conto “Metamorfose”, da escritora Geni Guimarães, que nos coloca dentro da escola a partir das vivências de uma menina negra que enfrenta os efeitos do racismo na construção da sua subjetividade. Baseada em suas próprias memórias, a autora nos enreda com maestria em uma narrativa dolorosa e contundente, que nos faz refletir sobre a responsabilidade da escola sobre as (H)histórias que escolhe contar. A seção “Óculos de leitura”, de Lara Rocha, amplia e aprofunda o nosso olhar sobre esse conto, trazendo reflexões sobre como ele nos ajuda a pensar questões relativas à educação para as relações étnico-raciais.
E imprimindo materialidade e expressão estética às discussões ao longo da revista, fruimos o trabalho primoroso do artista visual e quadrinista João Pinheiro, que como um observador andarilho (re)cria espaços habitados pelas mais diversas existências.
Se esta edição é especial porque toca no coração da educação, para lê-la é preciso, também, preparar os nossos corações. Cada texto aqui, de diferentes formas, nos aciona como educadoras/es que pensam, fazem, sentem e sonham a educação.
Boa leitura!
Sobre a autora
Gina Vieira Ponte: Eu sou Gina Vieira Ponte, ceilandense, filha de Moisés e de Djanira. Quando tinha 8 anos de idade, fui abraçada pelo olhar sensível da professora Creusa e, desde então, escolhi a docência como profissão. Atuei na educação pública por mais de 30 anos, dos quais 26, exclusivamente, no chão da escola. Em 2014, criei e desenvolvi o Projeto Mulheres Inspiradoras, uma iniciativa que articula a leitura de obras literárias de autoria feminina com a escrita autoral e com o resgate de memória. Eu sou feita de coragem.
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