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O cotidiano em foco

O cotidiano em foco

Cloris Porto Torquato

01 de dezembro de 2010

Gente é para brilhar!

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2725_cloris1_gdeNa edição de 2010 da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro refletimos sobre o cotidiano dos lugares onde vivemos de diversas formas, em diferentes gêneros. Revivemos, em Memórias literárias, o cotidiano vivido e guardado nos recantos da memória, nalgum cantinho do baú de lembranças (algumas mais vivas, outras mais apagadas) que carregamos em nós. Discutimos, nos Artigos de opinião, os problemas e as questões mais polêmicas que vivenciamos cotidianamente em nossas comunidades. Em Poemas, exprimimos com lirismo e sensibilidade, brincando com as palavras (experimentando diferentes arranjos e curtindo as melodias), o que vimos ao nosso redor. Nas Crônicas, narramos com leveza, com jeito despretensioso, o que nossos olhares argutos perceberam, e nós observamos.

Dessa diversidade de modos de apreender o cotidiano em textos, a crônica parece ser o gênero que está mais próximo do dia a dia; é do cotidiano que a crônica nasce e se alimenta. O vínculo da crônica com o cotidiano deve-se, em grande parte, à relação que a crônica estabelece com seu veículo de origem – o jornal.

Distinta das notícias jornalísticas por ter um caráter literário, a crônica caracteriza-se como um gênero híbrido e complexo, que dialoga com os temas e os fatos tratados nas notícias. A crônica faz uma releitura subjetiva e pessoal dos fatos que as notícias pretendem informar de modo objetivo e impessoal. Essa releitura nos é apresentada em linguagem coloquial, solta, natural, com tonalidades regionalistas e, muitas vezes, líricas. A elaboração da linguagem com que se constrói a releitura subjetiva do cotidiano permite que a crônica saia do espaço do jornal – portanto, da fugacidade e da transitoriedade jornalística – e seja transplantada para os livros. Ao focalizar com olhos atentos e reflexão perspicaz as pequenas coisas da vida, os costumes e os seres humanos, a crônica, algumas vezes, reveste de durabilidade e permanência os acontecimentos transitórios.

Embora tenha herdado do jornalismo a variedade de assuntos, o apego ao cotidiano e a aparência de simplicidade, a crônica, por ser um gênero literário, partilha de uma característica da literatura: é uma tentativa de apreender a vida, de recortar um momento vivido (já que o todo da vida não pode ser condensado nem fixado, porque está em processo, em acontecimento), para tentar refletir sobre e compreender as ações, os acontecimentos, os costumes, as emoções, os pensamentos, as crenças; enfim, o ser humano e a vida.

2725_cloris2_gdeAlgumas características do gênero Crônica são recorrentes: com o objetivo de emocionar, divertir ou provocar reflexões, o cronista escolhe (recorta) um episódio e o narra em primeira ou terceira pessoa. Ao narrar, com linguagem simples (quase de conversa fiada), o cronista cria intimidade com o leitor e apresenta-lhe a vida como um acontecimento vivido por personagens num determinado cenário. O cotidiano é reconstruído no texto pelas marcas linguísticas de tempo (principalmente o passado) e lugar (uma rua, um quarto, um bar, uma praça).

Nas crônicas semifinalistas da Olimpíada, muitas dessas marcas do gênero estiveram presentes. Muitos semifinalistas narraram – em primeira e em terceira pessoa – episódios particulares, acontecimentos corriqueiros do cotidiano que foram apresentados como singulares, únicos, especiais, porque revelam muito sobre a vida. Entre as narrativas, algumas fizeram do diálogo com o leitor a sua principal estratégia para narrar o episódio singular: “Caro leitor, esta crônica é sobre minha prima, Maria, uma nordestina de 18 anos que sonhava morar no Rio de Janeiro. [...] Ao ver Maria descendo do ônibus, no Terminal Rodoviário Novo Rio, eu era capaz de saber o que ela trazia na alma e no pensamento”. Em algumas narrativas, as marcas linguísticas de tempo e lugar poderiam ser revistas com o intuito de aprimorar os textos. Especialmente no que se refere às marcas de lugar, em muitos textos, em função do tema da Olimpíada (“O lugar onde vivo”), há informação excessiva sobre o cenário. Muitos textos iniciam com informações sobre as cidades. Essas informações, no entanto, são pouco adequadas ao gênero. Uma vez que a crônica é publicada no jornal, os acontecimentos relacionados à vida na cidade onde é publicado o jornal não precisam ser demasiadamente situados. Basta alguma referência ao cenário específico do episódio, como explicitar se o fato ocorreu num bar, num quarto, numa rua ou numa igreja. Informações como o nome da cidade e a localização da cidade no Estado ou na região do Brasil são dispensáveis, porque os leitores do jornal da cidade partilham essas informações com o autor do texto.

Alguns, apesar de narrarem episódios singulares, constroem textos tipicamente escolares e apresentam marcas linguísticas dos contos infantis e das fábulas. Entre as marcas das histórias infantis presentes nos textos semifinalistas, destacam-se as expresses linguísticas semelhantes a “um dia”, “era uma vez”, “certo dia”, “muito tempo depois”, “passado muito tempo” e a apresentação de objetos (vestido, carro) que falam. Além disso, muitas narrativas caracterizam-se pelo intuito de moralizar, de ensinar o que é certo e bom. A crônica, diferentemente dos textos moralizantes escolares, não pretende ensinar como as pessoas devem se comportar, como devem viver. A crônica narra e, eventualmente, analisa comportamentos e modos de vida. Embora entre as crônicas semifinalistas predomine a narração de algum episódio, há um grande número de textos que se caracterizam como descrição. Nesses textos descritivos falta aos autores o olhar atento para o detalhe, para a miudeza da vida. Alguns olhares ainda não captaram, entre a profusão da vida, aquele acontecimento que, apesar de banal, é único e revelador. O observador ainda tenta abranger o todo. Nessa tentativa, deixa de narrar um episódio e acaba descrevendo a visão ampla que tem à sua frente: “Cinco da tarde, com os olhos vidrados na janela do ônibus, observo uma coisa. Algo me chama a atenção todos os dias a caminho de casa. Pessoas. São inúmeras pessoas. Gente de todo tipo, pra todo lado. Jovens, velhos, adultos, crianças. Baixos, altos, gordos, magros; educados, ignorantes, compreensivos; trabalhadores, estudantes, vendedores, ou simplesmente... pessoas, loucas para atravessar o sinal tão demorado”.

Ao colocar o cotidiano em foco, o cronista ajusta sua lente de observação para localizar, em meio a tantas coisas que acontecem concomitantemente, aquele episódio que chama sua atenção e que pode ser partilhado com o leitor com o objetivo de provocar nele distintas emoções e sensações e levá-lo à reflexão. Assim, uma consequência do trabalho com o gênero crônica em sala de aula é o refinamento do olhar do estudante para a observação do seu cotidiano.

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