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Rios e asas da palavra: mergulhos e sobrevoos em nosso território multilíngue e multicultural

Rios e asas da palavra: mergulhos e sobrevoos em nosso território multilíngue e multicultural

texto - Camila Prado; ilustração - Aju Paraguassu

30 de agosto de 2023

Semear, reflorestar e sonhar o Brasil

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As dimensões continentais do Brasil se espraiam por territórios linguísticos e culturais que vão muito além da Língua Portuguesa. Entre os mais de 305 povos indígenas que hoje habitam o país (IBGE, 2012)1, temos aqui um universo vivo de línguas, literaturas, histórias, geografias, ciências, matemáticas, físicas, metafísicas, entre tantos outros saberes que nos compõem.

Como educadoras e educadores, aprofundamos nossas raízes na prática pedagógica quando ampliamos o nosso repertório acerca da diversidade de etimologias, epistemologias, visões sobre educação, cosmovisões e tantos outros termos e conceitos sobre os quais acadêmicas(os), artistas, escritoras(es) e educadoras(es) indígenas também estão se debruçando.

Para abrir esta edição – como quem abre olhos, ouvidos e todos os sentidos acerca da importância definitiva dessas línguas e saberes não só para a preservação da dimensão multicultural brasileira, mas sobretudo para a luta pelo direito de existência e permanência dos povos indígenas em seus territórios simbólicos e concretos – nos deparamos com o fragmento precioso de um texto. É como uma metonímia, uma parte dando conta do todo, que sintetiza porque dedicamos esta revista inteiramente a esse assunto:

“Somos muitos povos. Somos muitos seres: pessoas, rios, árvores, nuvens, pedras, bichos que voam, bichos que nadam, bichos que rastejam, montanhas, flores, florestas. Somos muitas memórias – e falamos muitas línguas. Antes da invasão europeia no Brasil, eram faladas mais de 1000 línguas! [...] Mil maneiras de dar nomes aos pássaros, e de falar das cobras que são venenosas e cuja picada pode matar alguém. Enfim, mil jeitos de falar ‘mãe’, ‘pai’, ‘alegria’ e de falar da dor de dente, do espinho na ponta do pé, e da goiaba com bicho. Hoje as línguas dos povos originários são, aproximadamente, 180 em todo o território brasileiro.”

O trecho foi extraído do Caderno Educativo elaborado para a exposição Nhe’ẽ Porã – Memória e Transformação, que recentemente esteve em cartaz no Museu da Língua Portuguesa e trouxe um complexo panorama sobre as línguas e culturas indígenas existentes no Brasil. A mostra, bem como o Material Educativo, está disponível na íntegra, gratuitamente, no site: https://nheepora.mlp.org.br/.

A curadora dessa exposição é nossa entrevistada da edição 40 de Na Ponta do Lápis. Em “Ideias para reflorestar o mundo”, Daiara Tukano, ativista, educadora, artista e comunicadora nos inspira ao contar sobre seu amor verdadeiro pelos livros, sobre línguas que não morrem mas sonham, sobre educação e sobre a economia que deveria reger os caminhos da humanidade: a vida.

Na sequência, Anari Braz Bomfim, membro do grupo pesquisadores Pataxó ATXOHÃ e doutoranda em Antropologia Social pela UFRJ, nos dá “Um Breve panorama das línguas indígenas do Brasil” e fala sobre a Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), movimento organizado pela UNESCO e protagonizado pelos povos indígenas do mundo, cujo lema é “Nada para nós sem nós”.

Na Página Literária, Kamuu Dan, premiado escritor, ativista-educador e político do povo Wapichana, compartilha a narrativa Presente de Makunaimã, cujas linhas poéticas nos levam a refletir acerca da história e da relação com a semente e o cultivo do maziki, o milho. Confrontando com a relação que o homem branco tem com a agricultura, o texto traz à tona a reverência e a integração dos indígenas com a terra, as plantas e os animais.

Doutora em Teoria Literária pela PUC, escritora e curadora da I Mostra de Literatura Indígena no Museu do Índio, Trudruá Dorrico nos convida, em “Um tronco para chamar de nosso”, a um mergulho analítico e poético no texto de Kamuu Dan. Destrincha as questões da substituição de sementes nativas por sementes transgênicas, do agrotóxico e da monocultura, que criam alimentos sem espírito, sem força nem conexão com o sagrado.

Ainda no campo da literatura, a educadora indígena Jeane Almeida da Silva narra suas experiências em “Lê, para se encontrar no mundo: a Literatura Indígena na sala de aula”. Conta de seu percurso para se tornar professora indígena, da atuação na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Normandia-RR), da busca pelas narrativas locais e do trabalho de valorização da identidade por meio de um acervo de livros de escritoras e escritores de sua região.

Para amplificar as temáticas desta edição, Zilma Rosana Acevedo Oliveira, mestranda em Educação Escolar Indígena pela UEPA, traz “Educação Escolar Indígena: Existir para Resistir”. Em seu artigo, mapeia o processo de legalização e estruturação da Educação Indígena no país e apresenta como exemplo de territorialidade e especificidade o trabalho coletivo de construção político-pedagógica desenvolvido pelas comunidades do Território Etnoeducacional do Rio Negro (AM).

Permeando toda a edição, a arte da ilustradora e “mensageira visual” Aju Paraguassu, que traça suas experimentações entre a poética e o propósito e imprime ainda mais sentido à experiência imersiva que propomos aqui.

Boa leitura!

 


Notas de rodapé

1. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

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