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Entrevista: Angela Kleiman

Entrevista: Angela Kleiman

Professor: agente de letramento

Professor: agente de letramento

Luiz Henrique Gurgel

07 de agosto de 2023

Edição 6, agosto de 2007

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Professor: agente de letramento

Luiz Henrique Gurgel

Angela Kleiman é professora titular da Unicamp e pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL/Unicamp), onde atua no Departamento de Lingüística Aplicada. É autora de numerosos trabalhos sobre letramento, leitura e alfabetização de adultos. Das conversas com a equipe do Na Ponta do Lápis e de questões enviadas a ela por e-mail, resultou esta entrevista, na qual Angela fala da importância da leitura e da formação do leitor. 

■ Uma parcela significativa de educadores acredita que é possível desenvolver na criança o gosto pela leitura. Como você analisa esse entendimento?

Angela Kleiman – Eu acho que esses educadores estão absolutamente certos. E muito provavelmente eles gostam de ler, pois essa é uma condição necessária. A creche, a escola, devem assegurar que toda criança tenha experiências precoces de leitura. A formação do gosto pela leitura, a capacidade de permanecer no texto – sem fugas, devaneios nem delírios – começa desde muito cedo, pela imaginação que colabora para a visualização dos mundos narrados na história infantil. Por exemplo: quando a criança lê que “a bruxa acordou Maria abruptamente”, se ela lembrar ou imaginar – ajudada pelo comentário, pergunta, solicitação ou outra ação mediadora do professor – o que se sente quando se é acordado com uma sacudida, com um barulho, num lugar que não reconhece imediatamente, será mais fácil vir a entender a realidade do mundo fantástico e a imaginar o medo da menina personagem para julgar suas reações. A integração das situa ções do mundo maravilhoso ao mundo social do cotidiano do aluno, assim como o movimento oposto – a entrada da criança no do conto infantil, pela imaginação – não só proporcionam o entendimento como também alimentam, entre muitas outras coisas, o gosto pela leitura, ao desenvolverem a capacidade de compreensão do texto.

 

■ Em suas pesquisas, você tem apontado que o letramento é ponto de partida para pensar sobre a importância do ato de ler. Quais as contribuições desse estudo para o ensino da leitura?

Angela Kleiman – O letramento tem como objeto de estudo, de ensino ou de aprendizagem os aspectos sociais da língua escrita. Quando se assume como objetivo do ensino da língua materna o letramento do aluno, está se adotando, em decorrência disso, uma concepção social da língua escrita, desde os primeiros contatos com essa língua – também na alfabetização, portanto. Essa concepção contrasta (opõe-se até) a uma concepção tradicional que considera que a aprendizagem de leitura e produção textual envolve a aprendizagem de habilidades individuais. Envolve isso, é claro, mas em função do social, do que se quer fazer com o texto, com quem se quer estabelecer um diálogo, a quem se quer convencer. Essa é uma diferença profunda, porque implica que a pergunta estruturante do planejamento das aulas é: “quais são os textos significativos para o aluno e para sua comunidade”, em vez de: “qual a seqüência mais adequada de apresentação dos conteúdos? (geralmente, das letras para formarem sílabas, das sílabas para formarem palavras e das palavras para formarem frases)”.

 

■ O que o professor precisa saber para enfrentar o desafio de ensinar seus alunos a ler?

Angela Kleiman – Os saberes são muitos, de todo tipo, e precisam ser adquiridos ao longo do curso de formação e renovados durante a formação continuada. Não é possível descrever aqui tudo o que os Estudos da Linguagem, os Estudos do Letramento, a Psicologia Social, as Ciências Cognitivas têm a contribuir para essa questão e que podem ser parte relevante dos programas dos cursos de formação de professores. Considero, no entanto, que o mais importante não é uma questão de conhecimento mas de atitude política, como defendia Paulo Freire. É essencial querer fazer, acreditar que é possível inserir todos os grupos sociais nas práticas de prestígio de uso da escrita, para que se tornem usuários e críticos dessas práticas.

 

■ Nos últimos anos, há uma grande preocupação com mediação em atividades de leitura. O que é preciso para fazer uma boa mediação? E para formar um bom professor-mediador?

Angela Kleiman – Estudos comprovam que, no caso de leitores em formação, a compreensão do texto acontece em conseqüência da mediação do professor. É a per gunta ou comentário dele que leva as crianças a entender o texto, o que viabiliza a compreensão. Daí que boas perguntas – in ferenciais, críticas – são essenciais. E quanto mais cedo melhor, para aproveitar o entusiasmo, a curiosidade, a criticidade com que a criança chega à escola. O conceito de mediação semiótica de Vigotski (1984) outorga ao professor, como mediador, um papel central na co-construção do saber. Mas, não vivemos em mundos em que os especialistas falam somente com outros especialistas. E o conceito foi adquirindo outros sentidos no uso cotidiano: o sentido do mediador – aquele que está no meio – é daquele que exerce um papel intermediário entre dois interessados numa negociação, naquele que arbitra. Por isso eu prefiro a imagem do professor como agente de letramento que, como todo agente social, mobiliza o grupo para um objetivo comum num trabalho que tem dimensões políticas importantes.

 

■ Ler é uma das competências mais importantes a serem trabalhadas com o aluno, principalmente após recentes pesquisas que apontam ser esta uma das principais deficiências do estudante brasileiro. O que você tem a dizer sobre os resultados dessas pesquisas?

Angela Kleiman – As pesquisas são um alerta para um problema real do sistema de ensino brasileiro. Mas é lamentável que elas sejam usadas muitas vezes para atribuir culpas – em geral para culpar o professor. Já sabemos que a situação do ensino é lamentável, daí os resultados serem lamentáveis; está na hora de mostrar vontade política para mudar esse quadro, para investir maciça e aceleradamente na educação do brasileiro.

Na atualidade, o principal desafio é conseguir, no sistema de ensino público, formar leitores e assegurar bons professores.

 

 

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