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Ouvir a língua portuguesa sendo falada das formas mais diversas é uma das experiências mais marcantes para quem participa das oficinas para semifinalistas da Olimpíada, reunindo estudantes e professores de todo o Brasil.
A cada edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, durante as oficinas regionais que reúnem semifinalistas do concurso, uma das coisas mais surpreendentes de observar é a Babel de sotaques brasileiros, presente nas falas de estudantes e professores de todo o país. Esses encontros ocorrem sempre em hotéis, nalguma capital estadual, e é um evento a parte. A surpresa ao ver como outros utilizam a mesma língua que a sua, acaba por se tornar uma experiência enriquecedora. Estudantes e professores têm a oportunidade de conhecer tantos Brasis quanto possível por meio de meninos e meninas, homens e mulheres que vivem nos nossos mais distantes recantos, com modos de vida diferentes e - quem disse que não? – falando um português diferente. É comum se deparar com estrangeiros, hospedados nesses mesmos hotéis, admirados pelo mosaico da nossa diversidade com seus sotaques, tons de pele, jeitos de andar e de sorrir, oportunidade única de conhecer o Brasil inteiro num só lugar, por meio de amostras de sua gente e dos modos distintos como se utilizam da mesma língua.
Em 2010, durante a semifinal do gênero Crônica que aconteceu em Curitiba (PR), os sotaques, as prosódias ou a novidade de ouvir pela primeira vez palavras e expressões típicas de uma região fascinaram a estudante Jamila de Sousa Azevedo, de Macapá (AP). Curiosa, a cada colega que passava por ela falando pelos corredores do hotel, nas atividades, ou nos passeios programados, ela perguntava a quem estivesse por perto: “De onde é aquele sotaque que passou ali?”. Jamila, que jamais havia saído de seu Estado, foi rápida ao entender a situação que vivia, transformando o sotaque em signo de identidade. Nos crachás que estudantes e professores ostentavam no peito, ela e os hóspedes estrangeiros ainda podiam ter outra experiência de diversidade ao ler e pronunciar nomes de cidades brasileiras: Caiapônia (GO), Regeneração (PI), Marataízes (ES), Derrubadas (RS), Xanxerê (SC), Bacabeira (MA), Poconé (MT), Japaratuba (SE), Manacapuru (AM), Goioerê (PR), Chalé (MG), Salinas da Margarida (BA), Itaquaquecetuba (SP).
“Oportunidade que abre um mundão de possibilidades de identidades para além das [identidades] locais”, explicou o linguista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pedro de Moraes Garcez, que realiza oficinas para professores da Olimpíada. Ele diz que esse tipo de convivência permite que professores e principalmente estudantes ouçam, talvez pela primeira vez e de uma maneira inescapável, outros sotaques, ou as outras variedades da língua. É gente do Acre ao lado de alguém do interior de Minas ou de São Paulo; outra que veio de Roraima, na divisa com a Guiana, encontra-se com alguém que vive na zona rural de Santa Catarina onde ainda há quem fale alemão. E o que dizer então se a criança for índia xavante, do interior do Mato Grosso, e que fala com desenvoltura sua língua nativa e o português? (Aliás, clique aqui para conhecer a história desse menino, que chegou à final da Olimpíada em 2010).
O caldeirão cultural, sonoro e linguístico, em que se transformam as oficinas para os semifinalistas alimenta o espírito de quem passa por lá. Também funciona, de certa forma, como um espelho que ajuda a enxergar-se e a perceber-se no reflexo do outro. Portanto, não é apenas pela oportunidade de interiorização e de reflexão que o trabalho com a escrita permite, que isso acontece, mas porque ao ouvir a reação ao seu sotaque, o estudante se dá conta que não apenas os outros, mas ele também tem... sotaque. E para quem está na fase de descobertas do mundo – como todo estudante – esta experiência não é nem um pouco banal. É chance de se ver com o outro, de captá-lo e entendê-lo. De perceber o que diferencia e também o que une. Quem diria que para esses meninos e meninas, os sotaques poderiam proporcionar tanta coisa.
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