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Partilhando saberes: veja como foram os encontros de encerramento das formações docentes em 2022

Marina Almeida

07 de agosto de 2023

Compartilhar experiências e refletir sobre a prática docente. Com essa proposta, o Programa Escrevendo o Futuro reuniu milhares de professoras(es) nas cinco lives de encerramento das formações docentes deste ano. Organizados por regiões, os eventos foram um momento de conclusão das ações formativas de 2022, que tiveram como foco a autoria docente e a elaboração do relato de prática (leia mais).

“Este ano, as formações aconteceram em dois formatos diferentes: lives regionais e abertas, e pequenos grupos de mentoria para docentes. Para a conclusão dessas várias ações, pensamos nas lives como momentos de troca de experiências entre quem refletiu sobre o próprio trabalho em sala de aula, tanto por parte das(os) professoras(es) quanto das palestrantes convidadas”, diz Giselle Rocha, técnica do Programa Escrevendo o Futuro. Para ela, as cinco lives “Saberes da prática: convite à partilha” promoveram uma ‘costura’ entre os aprendizados das diferentes formações de professoras(es) realizadas este ano.

Giselle explica sobre a escolha do relato de prática como eixo central das ações: “acreditamos na potência do narrar como instrumento pedagógico”. Ela ainda cita o autor Jorge Larrosa Bondía – parte das referências teóricas da equipe –, para quem a experiência, pensada como prática reflexiva ou dotada de sentido, é cada vez mais rara. “A proposta do relato vai no sentido contrário, de criar espaço para a construção da reflexão e de um sentido para as ações da sala de aula”, acredita.

 

A força do compartilhar

As lives contaram com conversas entre as(os) docentes e as mediadoras responsáveis por cada grupo de formação. A professora Edzélia da Silva, de Manacapuru (AM), contou como, ao escrever seu relato de prática, conseguiu perceber situações que aconteceram na sala de aula, mas passaram despercebidas no calor do momento. Ela também se deu conta da potência dessas trocas: “agora, tudo que faço em sala de aula, penso em como isso pode ser compartilhado com outros professores. Também descobri como é importante registrar os projetos que desenvolvo”, relatou na live da região Norte.

Para Iracema Santos do Nascimento, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e palestrante de duas lives, a escrita do relato permite que a(o) professora(or) se veja de um outro ângulo, percebendo aspectos que passariam despercebidos em sua prática habitual. “Esse movimento permite sair do automatismo”. Ela ainda destacou a importância do ato de escrever para a(o) professora(or): “ao fazer seu relato, o professor relembra o quanto é difícil escrever, percebe que esse não é um processo automático, que exige engajamento, subsídios, diálogo e trabalho coletivo”.

Assista a um trecho de sua apresentação abaixo:

Ao compartilhar experiências e saberes, as(os) professoras(es) também percebem que os desafios que enfrentam, como a dificuldade de motivar as(os) estudantes para a escrita, são comuns aos seus pares. “Como professora, muitas vezes não conseguia que meus estudantes se envolvessem com a aula. Para descobrir qual era o problema, busquei fortalecer minha prática, estudei, fiz cursos, participei da Olimpíada de Língua Portuguesa”, diz Gina Vieira, autora do projeto “Mulheres Inspiradoras”, que apresentou uma palestra na live da região Nordeste, além de ter mediado outros encontros. Ela conta que percebeu que a resistência das(os) estudantes não era uma questão individual que acontecia com ela, mas algo estrutural das escolas.

Para tentar vencer a resistência dos jovens, ela desenvolveu o projeto “Diário de Bordo”, em que propunha às(aos) estudantes fazerem um relato das aulas, avaliando seu trabalho como professora e comentando as atividades propostas. Assim, ela transformou a escrita em uma situação concreta de comunicação, além de reforçar a sala de aula como espaço de autoria e expressão das(os) estudantes. Conheça um pouco mais da proposta do “Diário de Bordo” assistindo a um trecho de sua palestra:

As lives também trouxeram vídeos de professoras(es) que participaram das formações  contando sobre as suas experiências na escrita do relato de prática. A professora Bruna Gois Pavão Ferreira, do Colégio Estadual Gustavo Barroso, de Nilópolis (RJ), refletiu sobre os desafios para motivar sua turma de estudantes.

Já a palestra de Maria Coelho Araripe de Paula Gomes, professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutoranda na USP, trouxe sua experiência com os “Diários de Leitura”. Nessa proposta, as(os) alunas(os) registram em um diário suas percepções ao longo da leitura de uma obra literária. Para vencer a resistência das(os) estudantes, ela acredita que é importante que elas(es) percebam que não serão avaliadas(os) por suas falhas, mas que aquele é um espaço seguro, onde podem se expressar.

“A escrita de um diário é uma busca por construir um sentido da sua experiência ao longo do tempo, o Diário de Leitura é parecido, mas tem a especificidade de tratar da experiência do leitor. É um espaço pessoal que conjuga a subjetividade e a análise”, explica. Maria também acredita que esses diários ajudam a valorizar a identidade leitora, ao permitir o envolvimento e a discussão sobre os textos lidos. “O projeto permite uma experimentação estética e ética da leitura”, defende. Assista a um trecho de sua palestra para conhecer mais sobre o projeto:

 

Produção intelectual

Entre palestras e relatos docentes, os temas foram se desdobrando em discussões, exemplos e análises. A professora Lidiane Barros, de Brazlândia (DF), por exemplo, abordou a questão da autoria no trabalho com educação na live das regiões Centro-Oeste e Sul. “Às vezes uma aula planejada para uma turma não pode ser aplicada para outra da mesma maneira”, conta. Ela também ressalta a importância da participação das(os) estudantes no desenvolvimento das atividades com a turma: “em alguns momentos, eu e meus alunos precisamos de um plano B e foram eles que me mostraram qual era esse plano. Acho que essa é a grande magia de ser professora.”

Em sua palestra, Iracema lembrou que os professores são intelectuais, criadores de sua prática. “O relato é um texto autoral sobre uma experiência singular – não é uma receita a ser seguida”, ressaltou. Gina também abordou a questão: “hoje, muitas vezes o professor é reduzido a um burocrata do conhecimento que deve replicar um projeto, o que não funciona em educação. Isso é diferente do que acontece com as sequências didáticas do Programa Escrevendo o Futuro que trazem uma estrutura, mas respeitam a autonomia e a autoria do professor”.

Giselle ainda ressalta como as palestras conjugaram experiências práticas e discussão teórica. “Acreditamos na importância desse duplo repertório, que os professores façam leituras e percebam como reflexões e conceitos podem ser aplicados na sala de aula. Esse é um princípio do Programa e se evidenciou também na fala das três palestrantes e nas trocas com as mediadoras das lives, que mostraram como esse intercâmbio entre teoria e prática ilumina suas ações como professoras”, diz.

A equipe do Programa também destaca a participação docente nas lives. Nos cinco encontros, divididos por regiões, quase mil professoras(es) assistiram aos eventos ao vivo. E o número total de visualizações, incluindo quem acompanhou a formação em outros horários, já ultrapassa 4.000. Para Giselle, também surpreendeu a participação nos chats das lives. “Tanto os números quanto a qualidade das questões enviadas para as palestrantes demonstram o interesse dos(as) docentes.”

Ela aponta ainda para o importante papel dos trios de ancoragem das redes, que organizaram as primeiras etapas dessa formação, mobilizaram as(os) docentes para participar das lives e participaram ativamente das discussões ao vivo. “Elas(es) trouxeram comentários e perguntas muito qualificadas, construindo coletivamente junto com suas(seus) professoras(es) esse momento de encerramento das ações”, conta Giselle.

 

Relatos de prática

Nas lives, os depoimentos de professoras(es) das diversas regiões do Brasil foram selecionados a partir dos relatos de prática produzidos pelos grupos que participaram da mentoria digital. Os trabalhos são frutos de sua perseverança ao longo da formação: “mesmo com o retorno às aulas presenciais e os desafios que esse momento trouxe, como a necessidade de recompor as defasagens de aprendizado, as professoras participaram das atividades, porque acreditavam que esse trabalho fazia sentido para a sua prática”.

Ela ainda lembra que os grupos priorizaram o convite a docentes de escolas consideradas mais vulneráveis: unidades com Inse (Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica) baixo ou muito baixo e que estão abaixo da meta regional do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). “São escolas que enfrentam desafios maiores que as demais, o que se reflete nas dificuldades de trabalho desses professores”.

Coordenadora de um dos grupos de mentoria, Carla Barbosa Moreira conta sobre esse trabalho no texto “O percurso formativo da escrita do Relato de prática na perspectiva da mediação” (clique para ler). Em seu artigo, ela reflete sobre a escrita em processo dessas professoras(es)-autoras(es) e como a análise sobre a prática afeta não apenas o interlocutor, mas também a aprendizagem da(o) própria(o) docente.

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