Uma festa para os livros e para a leitura
formação leitora, livros, feiras literárias, literatura
EE Professora Leny Barros da Silva
Assis/SP
Escrever não é um problema para um professor de Língua Portuguesa. Não? Em tempos de textos marcadamente concisos e, na maioria das vezes, irrefletidamente redigidos, escrever um relato de prática é uma tarefa desafiadora e inquietante, mesmo para esse professor. Parar e narrar a experiência exige, além de tempo, disposição e coragem para se reencontrar com nós mesmos em outros pontos de uma estrada já percorrida. Meu tempo pode ser curto, mas não me faltam disposição para varar a madrugada e coragem para me deparar com os fantasmas que me assombram. Vamos às reminiscências...
A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro iniciou-se na EE Profª Leny Barros da Silva ainda durante o planejamento, no início do ano letivo; momento em que comecei a pensar sobre como conduziria os trabalhos. Havia certa expectativa por parte dos estudantes em relação a isso, pois, em 2014, Ana Amália, uma de minhas alunas, havia sido finalista no gênero artigo de opinião.
Se por um lado, o interesse demonstrado por eles me motivava a participar do concurso, por outro me afligia. Sentia-me um pouco pressionada a repetir o bom resultado da edição anterior e isso me incomodava. No entanto, esse desconforto foi se diluindo, na medida em que fui retomando o que, para mim, é um dos principais objetivos ao participar da Olimpíada: colaborar com a construção da competência escritora dos meus alunos.
O trabalho em classe começou na primeira semana de aula com a oficina "Argumentar é preciso", que foi encerrada com um acalorado debate. Desenvolvi as atividades sem, contudo, revelar aos estudantes que eles já estavam participando do concurso. Apresentei a Olimpíada de Língua Portuguesa para a garotada dos 2º e 3º anos do Ensino Médio, um total de mais ou menos 120 alunos, um tempo depois. Para isso, preparei um material com fotos e vídeos, que sintetizavam a experiência percorrida em 2014. Foi um momento bastante significativo, pois, além de me recordar do quão relevante havia sido aquele processo, pude perceber que as turmas ficaram ainda mais interessadas. Lembro-me, entretanto, de que procurei deixar bem claro para os alunos que o nosso foco seria o processo de aprendizagem que vivenciaríamos ao longo das oficinas e não o produto em si, ou seja, o artigo de opinião pronto. De verdade, não imaginava que chegaríamos tão longe, mais uma vez.
As oficinas foram sendo desenvolvidas aos poucos, entremeadas às outras atividades também previstas. Ressalto como positivo o fato de que o gênero artigo de opinião está contemplado no currículo do Ensino Médio, fator que torna ainda mais significativa a participação na Olimpíada. À proporção que trabalhávamos o conceito de questão polêmica, fomos pontuando quais situações poderiam ser consideradas controversas na nossa querida Assis, imersa em ano eleitoral e nos mesmos velhos problemas. Foi interessante observar que assuntos abordados por meus alunos em 2014 ainda permaneciam atuais em 2016. Para subsidiar as discussões e repertoriar os alunos para a produção do artigo, criei um grupo no Facebook, espaço em que compartilhávamos notícias, artigos, vídeos sobre os temas polêmicos apontados. Confesso que essa foi uma ferramenta muito importante para o nosso trabalho, pois me permitia ampliar o contato com os estudantes, estimulando-os a escrever.
De todo o processo percorrido, gostaria de destacar o momento de reescrita dos textos. Trata-se de um exercício bastante complicado, pois os alunos, em sua maioria, relutam em fazê-lo. Para muitos, fazer um rascunho é perda de tempo. Sendo assim, confesso que foi exaustivo trabalhar a reescrita de mais de uma centena de artigos. Não é nada fácil proceder como "as lavadeiras lá de Alagoas", como nos recomenda Graciliano Ramos. A meninada quer parar na "primeira lavada". Convencê-los de que a roupa ainda não está limpa gera conflitos e resistências, mas não podia nem queria fazer o serviço por eles, o meu era o de mediar essa travessia. Apesar de toda dificuldade enfrentada, essa é a etapa que considero mais significativa, pois é nesse momento que o estudante pode refletir sobre o que, como e por que escreveu o que escreveu. É essa reflexão que promove os avanços. Fiquei muito satisfeita ao perceber que mesmo aqueles alunos com extrema dificuldade estavam se empenhando em concluir a atividade.
Ao final do trabalho, quando estava com os artigos prontos nas mãos e tinha que escolher os que seriam enviados à comissão escolar, percebi-me diante de um dilema. A princípio havia combinado com os alunos que selecionaria dois textos de cada turma, mas não pude fazê-lo. Deparei-me com um número maior de artigos em condições de seguir adiante no concurso, por isso selecionei vinte e não apenas oito, como havia planejado.
A ocasião de anunciar o vencedor da etapa escolar é ambivalente. De um lado a alegria da “vitoriosa”, de outro a frustração dos "vencidos". Para lidar com esses sentimentos, relembrei o objetivo da participação no concurso, destacando que todos tinham muito a comemorar. Desse momento em diante, festejamos juntos a passagem pela Etapa Municipal e a chegada à semifinal da Olimpíada.
Não posso concluir este relato sem mencionar que chegar até aqui não significa que o trabalho esteja concluído. Há muitos alunos que ainda precisam consolidar sua competência escritora. Um deles, que me surpreendeu ao participar da escrita e reescrita do artigo, quase abandonou a escola por esses dias... No seu retorno, disse-lhe que estava feliz por tê-lo de volta e que ele não deveria desistir diante das dificuldades. Palavras simples, mas sinceras... “Quer que eu guarde os livros para a senhora?” - creio que essa foi a maneira que ele encontrou para demonstrar que havia gostado do que ouvira.
Dois alunos, duas trajetórias... Isso me faz lembrar de um trecho de “Grande Sertão: Veredas” ao dizer que "O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando". Como professora, tenho o dever de acreditar nas mudanças. Nesta Olimpíada, comemoro o recebimento de diferentes medalhas, todas igualmente importantes.
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multimodalidade, multissemiose, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, BNCC, letramentos, práticas de linguagem contemporâneas