Uma festa para os livros e para a leitura
livros, formação leitora, literatura, feiras literárias
Dentro da floresta, cada lugar, cada gruta, tudo é mágico. Ao redor de cada sapopema* há um espírito. Os seres que habitam a selva estão por toda parte, olhando, ouvindo, descansando debaixo das árvores ou nos seus galhos. No meio de tanto mato nada aparece, mas o ser humano sabe que seus movimentos estão sendo observados. Todo vegetal tem sua mãe protetora, e nada foge aos olhos da poderosa mãe de todas elas, a senhora Ka'apora'rãga - espírito protetor da floresta.
Ela foi encarregada de cuidar do mundo vegetal. Monãg é seu grande amigo e Anhãga é seu hóspede, assim como todos os seres fantásticos. Entre eles está a Tapirayawara, espírito protetor dos felinos, e Yanauy, espírito protetor dos cachorros. A casa de Ka'apora'rãga é o mundo natural, e todas as entidades naturais precisam dela para sobreviver. Assim, a casa da hospitaleira Ka’apora'rãga é a morada dos Kurupyras, dos Jumas, dos Mapinguarys, dos Waurá-Anhãgas, das visajes*, dos bichos visajentos*, etc. E todos têm que ajudar a protegê-la e cuidar dela, por isso castigam quem a maltrata. Por gratidão à senhora Ka'apora’rãga são incapazes de derrubar uma árvore de sua morada ou de quebrar um só de seus galhos.
Ka'apora’rãga, por sua vez, além de hospitaleira é bondosa. Monãg aprecia seu trabalho. Ela é o mais amistoso de todos os espíritos, não tem nenhum inimigo natural. Convive bem com todas as entidades, inclusive com Anhãga e seus demônios Waurá-anhãga. Esses demônios, aliás, são os verdadeiros ajudantes da Ka'apora'rãga e, na verdade, fazem um grande bem à natureza afugentando aqueles que a depredam.
Certo dia, depois que nós, humanos, fomos criados por Wasiry, Ka'apora'rãga nos disse:
- Vocês estão surgindo agora e são como a menina dos olhos de Wasiry. Eu os hospedarei, darei amor aos seus filhos. Vocês poderão usufruir meus bens e extrair de minha casa o alimento para seu sustento. Serão felizes convivendo comigo. Mas o que poderão me dar em troca? Pois bem, vocês poderão me pagar cuidando dos meus animais, das minhas árvores e dos meus minerais.
Ka'apora'rãga quis dizer que os seres humanos deveriam cuidar da natureza porque viveriam nela e dela tirariam seu sustento. Esse foi o acordo que Ka'apora'rãga fez com os nossos avós, mas muitas vezes nos esquecemos de cumpri-lo. E elas nos castiga sempre que ultrapassamos o limite de sua compaixão.
In: Yaguarê Yamã. Murugawa: mitos, contos e fábulas do povo Maraguá. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 77-78.
Yaguarê Yamã é natural da região do rio Wrariá, Amazonas, e pertence ao povo Maraguá. É escritor, artista plástico, ilustrador, palestrante e professor.
sapopema – raiz grossa e chata.
visaje – aparição, assombração, demônio.
visajento – propenso à manifestação do demônio, mal-assombrado, que pode se transformar em assombração ou demônio.
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