Saltar para o conteúdo Saltar para o menu Saltar para o rodapé

biblioteca / textos literários

Conto de escola

Escrevendo o Futuro

07 de agosto de 2023

2500_SantaCruz_gde.jpg

Leitura comentada

Semana dos professores, momento de comemoração e reflexão. É para puxar essa reflexão que trazemos um conto de Machado de Assis (1839-1908), "Conto de escola".

O conto de hoje tem como cenário o Rio antigo e como espaço temporal o período regencial, quando D. Pedro II, ainda menino, era substituído no governo por regentes, políticos influentes de sua época. Os conflitos políticos daquele tempo envolviam os adultos... Os meninos, esses aprendiam a viver de acordo com as possibilidades de seu tempo e com a liberdade que amplos espaços abertos da cidade facilitavam. Ir ou não à escola era assunto que decidiam sozinhos, embora pudessem ser castigados depois...

Relendo o conto, lembrei-me do desespero de umas professoras de alfabetização que conheci há cerca de vinte anos, num encontro de formação. Elas ensinavam em um município brasileiro, em escola próxima da zona rural, com rio, campos e árvores na vizinhança. Tinham começado a usar o "método construtivista" e pensavam que não podiam interferir na aprendizagem dos alunos, que eles tinham que aprender espontaneamente, por meio da troca com os colegas e a partir de questionamentos que levassem à reflexão e à solução de problemas. Mas os meninos da antiga primeira série, para desespero das mestras, assim que eram postos para trabalhar em grupo e ficavam sem o controle direto da professora, fugiam para nadar, pescar, subir nas árvores vizinhas. Então, ao trabalho de ensinar, juntava-se o de "caçar menino"...

Voltando ao conto, como seria, para Machado de Assis, de seu lugar de adulto e escritor, falar dos tempos de estudante, ele que nunca frequentou regularmente os bancos escolares? Menino pobre e afrodescendente que era, entrou na escola pela porta dos fundos, como vendedor de doces, isso porque a madrasta, doceira, havia conseguido trabalho numa escola do bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e viveu.

Supõe-se que ele tenha frequentado aulas ali, irregularmente, nos horários em que não estava trabalhando... Mas sabe-se que, na infância, aprendeu francês com o forneiro de uma padaria do bairro, que pertencia à madame Gallot, uma senhora francesa. Mais tarde, aprendeu inglês e alemão como autodidata.  Muito novo ainda, aos 15 anos, iniciou a carreira de escritor com a publicação de um poema na revista carioca Marmota Literária e seguiu em frente, até próximo de sua morte, numa contínua produção literária da maior qualidade.


Em nossos dias, sabemos como a escola faz falta... Mas, às vezes, a falta do que é obrigatório e detestável para uns inspira outros a fazerem uso de excelência daquilo que não aprenderam por meios usuais. Parece que para Machado foi assim.

Que tal estender as reflexões que esse conto provoca para sua sala de aula?

Bom proveito e feliz Dia do Professor!

Conto de Escola


Machado de Assis

A Escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.

Na semana anterior tinha feito dois suetos , e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.

Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.

- Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre.

Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda.

Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinquenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.

- O que é que você quer?

- Logo, respondeu ele com voz trêmula.

Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar.

Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.

- Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.

- Não diga isso, murmurou ele.

Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma cousa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo,e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma coisa particular.

- Seu Pilar... Murmurou ele daí a alguns minutos.

- Que é?

- Você...

- Você quê?

Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma cousa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós.

Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde...

- De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.

- Então agora...

- Papai está olhando.

Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as idéias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer.

No fim de algum tempo - dez ou doze minutos - Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim.

- Sabe o que tenho aqui?

- Não.

- Uma pratinha que mamãe me deu.

- Hoje?

- Não, no outro dia, quando fiz anos...

- Pratinha de verdade?

- De verdade.

Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dois tostões, não me lembro; mas era uma moeda, e tal moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não.

- Mas então você fica sem ela?

- Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?

Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...

Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.
Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a coisa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, - e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, - parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, - mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma cousa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...

Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. - Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...

- Tome, tome...

Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e - tanto se ilude a vontade! - não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.

- Dê cá...

Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.

De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.

- Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.

- Diga-me isto só, murmurou ele.

Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.

- Oh! Seu Pilar! Bradou o mestre com voz de trovão.

Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.

- Venha cá! Bradou o mestre.

Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.

- Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? Disse-me o Policarpo.

- Eu...

- Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! Clamou.

Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de cousas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados.

Aqui pegou da palmatória.

- Perdão, seu mestre... Solucei eu.

- Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem vergonha! Dê cá a mão!

- Mas, seu mestre...

- Olhe que é pior!

Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma cousa; não lhe poupou nada, dois,quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! Tratantes! Faltos de brio!

Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dois serem cinco.

Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?

" Tu me pagas! Tão duro como osso!" dizia eu comigo.

Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua larga São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola.

Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dois meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos...

De manhã, acordei cedo. A idéia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua...

Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma coisa: Rato na casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E, contudo, a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...

Conto de Escola - Machado de Assis

Acompanhe as novidades

Imagem de capa de Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
especiais

Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola

Confira materiais para auxiliar professoras(es) no planejamento de aulas contemplando os diversos e múltiplos letramentos.

práticas de linguagem contemporâneas, multissemiose, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, BNCC, multimodalidade, letramentos

Imagem de capa de O que cabe no poema?
especiais

O que cabe no poema?

Confira o especial que reúne conteúdos diversos como planos de aula, sequências didáticas, artigos e entrevistas sobre o gênero textual poema.

formação leitora, literatura, poesia, gênero textual, poema, produção de texto, planejamento docente

Imagem de capa de A hora e a vez das biografias
sobre o Programa

A hora e a vez das biografias

Conheça o novo Caderno Docente com atividades sobre o gênero biografia

Imagem de capa de Na Ponta do Lápis: revista chega ao número 40 com edição especial sobre culturas indígenas
sobre o Programa

Na Ponta do Lápis: revista chega ao número 40 com edição especial sobre culturas indígenas

Confira os conteúdos sobre línguas e literaturas indígenas de autoras(es) de diversas etnias do país

literatura indígena, revista NPL, formação docente, educação para as relações étnico-raciais, línguas indígenas

Comentários


Ninguém comentou ainda, seja o primeiro!

Ver mais comentários

Deixe uma resposta

Olá, visitante. Para fazer comentários e respondê-los você precisa estar autenticado.

Clique aqui para se identificar
inicio do rodapé
Fale conosco Acompanhe nas redes

Acompanhe nas redes

Parceiros

Coordenação técnica

Iniciativa

Parceiros

Coordenação técnica

Iniciativa


Objeto Rodapé

Programa Escrevendo o Futuro
Cenpec - Rua Artur de Azevedo, 289, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 05.404-010.
Telefone: (11) 2132-9000

Termos de uso e política de privacidade
Objeto Rodapé

Programa Escrevendo o Futuro
Cenpec - Rua Artur de Azevedo, 289, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 05.404-010.
Telefone: (11) 2132-9000