Uma festa para os livros e para a leitura
feiras literárias, literatura, formação leitora, livros
No último artigo do “Pergunte à Olímpia”, – uma coluna fixa do Portal Escrevendo o Futuro dedicada a responder dúvidas e acolher inquietações de educadoras(es) sobre as práticas de ensino da leitura e da escrita –, a misteriosa autora por trás da professora Olímpia revelou sua identidade: Patrícia Calheta, formadora de professoras(es) e colaboradora do Programa Escrevendo o Futuro. Como anunciado por ela no texto que marca os dez anos da coluna, a professora Olímpia sai de cena para dar lugar a um coletivo de vozes: a Sala de professoras. Na nova seção, continuaremos acompanhando as reflexões e sugestões de Patrícia, que agora escreve ao lado de Gina Vieira e Mayssara Reany. Juntas, as três professoras vêm ampliar o diálogo do Programa Escrevendo o Futuro com as educadoras e educadores de todo o Brasil. “Gina e Mayssara vêm trazer novas vivências e pontos de vista para ajudar as(os) professoras(es) a trilhar seu caminho na educação, em meio às angústias do ofício”, diz Patrícia.
“Nosso objetivo é continuar a interlocução com as(os) professoras(es), entender quais são seus temas de interesse e os desafios que enfrentam no ensino da língua portuguesa”, explica Tereza Ruiz, coordenadora do Programa Escrevendo o Futuro. Além disso, os artigos já publicados na coluna “Pergunte à Olímpia” vão migrar para o espaço da nova seção, após a reestruturação do Portal.
Patrícia já percorreu o Brasil em formações docentes. Mayssara é especialista em inclusão. Gina desenvolveu o premiado projeto ‘Mulheres Inspiradoras”. Na Sala de professoras, as vivências e os conhecimentos das três colunistas convidadas irão dialogar com as dúvidas e os comentários trazidos pelas(os) leitoras(es). A seguir, conheça mais sobre a história dessas três educadoras muito especiais.
Patrícia Calheta, a professora Olímpia
Patrícia Calheta já faz parte da história do Programa Escrevendo o Futuro. Em 2010, ela atuou como formadora em sua primeira oficina regional. “Desde essa participação inicial, fiquei impressionada com o vínculo afetivo e de respeito que o Programa estabelece com professoras(es) e estudantes”, lembra. Ela conta que, em 2011, participou como mediadora da primeira turma do curso on-line “Sequência didática” – passando, posteriormente, a coordenar esse trabalho. Já em 2013, ela assumiu a coluna “Pergunte à Olímpia”. “Junto com a equipe, discutimos sobre como deveriam ser esses textos. Buscávamos criar uma conversa com essa(e) professora(or), acolher e escutar seus desafios, além de propor algumas sugestões e leituras que pudessem ajudar sua prática em sala de aula”, diz.
Patrícia também participou de diversas etapas relacionadas ao concurso de textos e viajou pelo Brasil com as formações continuadas do Programa para docentes das várias regiões do país. Nesses 13 anos de colaboração, ainda elaborou materiais e esteve presente em fóruns e lives. Ela ressalta o ponto em comum entre todas as ações: “sempre procuramos realizar um trabalho próximo às(aos) professoras(res), que caminhasse com elas(es)”.
A formadora conta que, graças à Olímpia, conheceu a realidade de muitas escolas do Brasil. Além de docentes, gestoras(es) e coordenadoras(es) pedagógicos também marcavam presença nos comentários, muitas vezes buscando apoio para a formação de professoras(es). “Já recebi contato até de estudantes que queriam entender como fazer uma crônica de acordo com todas as características do gênero”, lembra Patrícia. “Para mim, é um privilégio ter essa oportunidade de conversar com todas as pessoas envolvidas no processo educacional.”
A professora conta que desde a graduação em Fonoaudiologia, começou a se envolver com a área de linguagens – tema que aprofundou em especializações e no mestrado em Linguística Aplicada, realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ela diz que quando passou a atuar com docentes, percebeu a importância dessa função. “A formação de professoras(es) é o alicerce da educação. Às vezes, mesmo em escolas numerosas e com muitos profissionais, a(o) professora(or) se sente sozinha(o). Essa solidão passa pelo desejo de que as(os)estudantes aprendam, muitas vezes não sabendo exatamente como promover esse avanço. Vejo meu trabalho como uma forma de dar as mãos para as(os) professoras(es) e poder pensar junto com elas(es).”
Entre os aprendizados de tantos anos, Patrícia destaca a oportunidade de encontro com as(os) professoras(es). “Conheci profissionais que são referência em sua área e que vinham de cidadezinhas de dois mil habitantes. O Programa Escrevendo o Futuro me ensinou a olhar para o Brasil e para a diversidade e a riqueza das experiências dos pequenos municípios. Na relação próxima com suas(seus) estudantes, essas(es) professoras(es), com poucos recursos, conseguem promover a construção do conhecimento”, diz. “É emocionante ver a força e a batalha dessa(e) professora(or) no seu próprio processo de formação e no de suas(seus) estudantes. Aprendi com elas(es) a apreciar a beleza dessa construção.”
Mayssara Reany, produção escrita e inclusão
O primeiro dia em uma sala de aula, ainda na pré-escola, despertou em Mayssara o desejo de um dia ser professora. “Eu vivia uma situação de vulnerabilidade, mas quando cheguei à escola, vi outro mundo diante de mim. Era bonita, organizada, e a professora nos convidou para conhecer um lugar mágico, onde a gente ia conhecer pessoas, histórias e viajar sem sair do lugar. Fiquei encantada. Percebi pela primeira vez que tinha alguma relação entre o que estava escrito ali, aquelas letras e palavras, com o que ela estava falando. Íamos, todos os dias, ler um livro na biblioteca e eu ficava ansiosa por ouvir e conversar sobre as histórias. Foi o exemplo dessa professora que me fez querer ver o mundo de outra maneira”.
Mayssara cursou Letras, fez mestrado em Linguística na Universidade de Brasília (UnB) e se especializou em Educação Inclusiva. “Sou irmã de três pessoas com deficiência intelectual, tinha interesse sobre o tema e queria entender como melhorar a inclusão na minha sala de aula”, conta.
A professora também participou das ações do Programa Escrevendo o Futuro e diz que foram muito importantes para sua formação profissional. Ela conta que havia criado um projeto de produção escrita com o Ensino Médio, mas que sofria resistências na escola. “Foi preciso que meu trabalho fosse premiado nacionalmente pelo Programa Escrevendo o Futuro para que eu fosse reconhecida”, lembra.
Apesar da formação em educação inclusiva, só recentemente ela passou a atuar diretamente na área. Ela conta que, no último ano, estava desenvolvendo o trabalho do Diário de Bordo com sua turma, mas um estudante com deficiência não queria participar, por ter dificuldades com a escrita. Ela propôs então que ele fizesse o diário oralmente, que concordou. “Sugeri que o estudante anotasse os trechos mais importantes da aula, para não esquecer. Também garanti que ninguém iria ver suas anotações, pois percebi que ele tinha vergonha que a turma lesse seu texto.”
O aluno apresentou seu Diário de Bordo com vários detalhes e, ao final, perguntou qual era a sua nota. “Fiz a mesma avaliação que utilizava para os demais alunas(os), adaptando-a à oralidade, e respondi que ele tinha recebido a nota máxima. Ele ficou muito feliz”, lembra Mayssara. Na autoavaliação trimestral, ele respondeu que lembraria daquele momento para o resto de sua vida, pois tinha descoberto que ele também era um bom aluno. Além disso, nos meses seguintes, o estudante preferiu fazer seu Diário de Bordo por escrito, como os outros, para que seu texto também ficasse registrado no caderno da turma.
Mayssara conta que apesar das formações, nunca se sentia preparada o suficiente para trabalhar com o Atendimento Educacional Especializado. Ao ver a coragem de seu aluno vencendo suas dificuldades, ela decidiu se lançar também ao novo desafio. “Ele foi minha inspiração para mudar para a Sala de Recursos Multifuncionais. Senti como se fosse um chamado para colocar em prática tudo que eu já tinha pesquisado. Hoje trabalho escrita criativa e produção de textos com estudantes com Transtorno do Espectro Autista e com deficiência intelectual”.
Gina Vieira, em busca de respostas e inspiração para a turma
Na casa de Gina Vieira, a educação era sagrada. Filha de um pai a quem foi negado o pleno direito à escolarização e uma mãe que só estudou até a quarta série primária, Gina viu seus pais fazerem grandes sacrifícios para que ela e seus cinco irmãos pudessem se dedicar aos estudos. Apesar disso, sofreu com racismo e violências no início de sua vida escolar. Ela conta que castigos e broncas por pequenos erros fizeram com que ela se transformasse numa criança silenciosa e assustada.
Gina lembra que passou para a segunda série sem ter sido alfabetizada, motivo de vergonha para ela. “Mas, no ano seguinte, tive a sorte de ter uma professora negra que me notou, foi extremamente afetuosa e esse acolhimento foi um marco na minha vida. Ela lutou pela minha aprendizagem e pela minha inclusão na escola. Comecei a participar das atividades da escola e a me sentir parte daquele espaço.” A partir desse encontro, Gina começa também a se imaginar na profissão: “ali, fui constituindo a minha percepção sobre a docência. Ser professora(or) é enxergar quem não quer ser visto. Decidi que não queria mais ser invisível, eu queria ser professora!”
Ela fez a formação para normalista e aos 19 anos já estava numa sala de aula. Posteriormente, atuou na biblioteca da unidade, cursou Letras na Universidade Católica de Brasília (UCB) e voltou a lecionar na mesma escola, trabalhando com os anos finais do Ensino Fundamental. “Mas não conseguia fazer com que as(os) alunas(os) aprendessem e isso me dilacerava. Via a indisciplina, o desinteresse, os problemas de aprendizagem... Desenvolvi uma depressão e precisei me afastar da sala de aula por um ano”, diz Gina. Além do tratamento médico e da psicoterapia, ela percebeu que precisava tomar uma decisão: mudar de profissão ou conseguir encontrar um sentido no trabalho que realizava.
Em busca de respostas, Gina conta que foi fazer diversos cursos e especializações, incluindo um mestrado em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB). “Concluí que a(o) estudante vira as costas para a escola porque a escola faz isso com ela(e) primeiro. Nós temos insistido num modelo ultrapassado, que define as(os) estudantes como objetos no processo de aprendizagem.” De volta à sala de aula, Gina decide buscar novas metodologias de trabalho, ouvir suas(seus) estudantes e até frequentar o intervalo para conhecê-las(os) melhor. Nesse período, ela participou do concurso do Programa Escrevendo o Futuro e começou a desenvolver seu trabalho com Diários de Bordo.
Nesse movimento, ela passou a acessar redes sociais para se aproximar dos estudantes. É quando se deparou com o vídeo de uma dança hipersexualizada publicado por uma aluna de 13 anos. “Fiquei chocada. Pensei: será que ela compreende por que faz isso? Entende que vive num mundo que desumaniza e objetifica as mulheres?” Gina lembra que também via vários casos de estudantes que abandonavam os estudos porque tinham engravidado, ou que sofriam abuso sexual em casa.
Pensando nos exemplos de sua própria história e na trajetória de suas alunas, Gina resolveu trazer exemplos de mulheres inspiradoras para a sala de aula. “Selecionei dez histórias de mulheres que deixaram grandes legados para a humanidade”, lembra. A seleção incluiu nomes como Cora Coralina, Malala Yousafzai, Nise da Silveira e Carolina Maria de Jesus. “Minha ideia era mostrar que havia mulheres brancas, negras, jovens e idosas, acadêmicas ou sem estudo que conseguiram deixar um legado. Queria mostrar que elas podiam ser donas de suas histórias”, explica.
O projeto incluiu o estudo da trajetória dessas mulheres, a leitura de obras de autoria feminina e entrevista com mulheres da comunidade. “Queria mostrar que a inspiração estava também ali ao lado, não apenas entre médicas e escritoras. Os estudantes descobriram a história de suas mães e avós, o quanto trabalharam para sustentar suas famílias, muitas vezes sozinhas e com vários filhos.” As histórias foram transformadas em livro e o projeto ganhou 15 prêmios, entre os quais o Prêmio Ibero-Americano de Educação e Direitos Humanos. Hoje, ele se tornou política pública em mais de 50 escolas públicas do Distrito Federal.
Gina é a autora da coluna de estreia da seção “Sala de professoras”. Para conferir a coluna, clique aqui.
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Letramentos e as práticas de linguagem contemporâneas na escola
BNCC, práticas de linguagem contemporâneas, letramentos, multimodalidade, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, multissemiose