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A história do jovem estudante indígena, da etnia xavante, que falava com desenvoltura o português e sua língua materna e que chegou à final da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.
A mãe dele estava em Brasília, sorria muito, com poucos dentes na boca, sempre solícita e atenciosa com quem vinha cumprimentar-lhe pelo feito do menino. Atenta às pessoas, esforçava-se para entender o que lhe diziam e respondia agradecida, num português difícil, mas repleta do contentamento típico de mães orgulhosas com a cria. No rosto iluminado da pele morena, havia encantamento mesclado à dignidade. A veneranda senhora xavante parecia estampar um pouco dos últimos 500 anos da nossa história e adotara um nome em português, Dirce. Vida de índio brasileiro nunca foi fácil, mas o fato é que seu filho, Adolfo Si Rupi Simisuté, garoto brasileiro de 12 anos, xavante de corpo, alma e língua, aluno da professora Maria Dias dos Santos, em Campinápolis, Mato Grosso, era finalista na categoria poema da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, em 2010.
O poema que o levou à final fala da famosa Lagoa Encantada, um lugar sagrado para os xavantes, localizada na região da Serra do Roncador, onde fica sua aldeia natal. Há quem diga que a lagoa seja uma espécie de passagem secreta para outro mundo. Também ficou famosa por ser um dos possíveis locais onde o místico e coronel do exército inglês Percy Fawcett desapareceu em 1925, quando buscava a “cidade perdida” de Atlântida.
Adolfo Simisuté escreveu seu poema depois de ouvir muitos versos de Cecília Meireles, José Paulo Paes e outros poetas, lidos pela professora Maria Dias em sala de aula. Também guardava consigo os cantos e as histórias de seu povo. Na certa, tudo isso despertou nele a vontade de falar de algo tão seu. Talvez tenha até pensado em inserir alguma palavra ou expressão em xavante que, pela sonoridade, pudesse dar a entender melhor o que a lagoa significava para ele. Como uma licença poética.
Dizem os entendidos que toda língua carrega uma sabedoria e uma percepção única da realidade, como um eu específico diante do mundo. Não à toa, quando nos expressamos, a nossa língua materna e o nosso próprio eu se confundem.
Mas o garoto que falava as duas línguas com desenvoltura escreveu todo o seu poema no idioma de Camões. Semanas antes de chegar para a festa em Brasília, tinha passado pelas oficinas para semifinalistas em Fortaleza, no Ceará, onde conheceu o mar. Os olhos curiosos sondavam salas, colegas e professores. Único indígena da turma, virou logo o centro das atenções. Sério, quieto, compenetrado, prestava atenção a tudo durante as atividades. Aos poucos foi ficando mais a vontade entre as educadoras responsáveis pela oficina e entre os outros meninos e meninas semifinalistas vindos de todas as regiões do Brasil. No último dia, antes de saber que tinha chegado à final e que iria à capital do país, foi aplaudido pela turma ao dizer algumas palavras sobre a Olimpíada em xavante. Oportunidade única para Simisuté e para as outras crianças de ter uma experiência linguística e cultural tão fascinante.
Mesmo depois de saber que era finalista, o garoto continuou sério, comportado e compenetrado. Em Brasília, junto da mãe e da professora, ou conversando a vontade com os outros estudantes, parecia ter noção da responsabilidade de representar bem e orgulhosamente outros brasileirinhos que não falam português. Seus olhos diziam que aceitava a incumbência de tornar-se elo entre pessoas diferentes que habitam o mesmo país. Gente com histórias e experiências humanas distintas, mas que pertencem ao mesmo lugar, que fazem parte da mesma humanidade. Seu próprio nome era um sinal, um símbolo, talvez um sonho gráfico-sonoro dessa inter-relação.
Adolfo Si Rupi Simisuté continua a viver em Campinápolis. Agora, em 2014, cursa o primeiro ano do ensino médio. Seu poema celebra uma bela e misteriosa lagoa que interligaria mundos diferentes, metáfora, talvez, da breve e intensa experiência vivida pelo jovem estudante naqueles meses de 2010.
(Clique aqui para ler o poema "O encanto da lagoa" do estudante Adolfo Si Rupi Simisuté. Está na página 29 do caderno com os textos finalistas da Olimpíada de 2010).
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