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Texto: Suzana Camargo
Edição: Esdras Soares e Alana Queiroz
Pesquisadora: Raquel Coelho
Artigos de opinião: Rafael Sousa da Silva, Lorrany Wan Der Mas e Diêgo Carlos Mendes
Produção e web design: Thiago Luis de Jesus
Artigos de opinião escritos por estudantes que participaram da Olimpíada de Língua Portuguesa nas edições de 2012 a 2016 alertaram sobre o perigo do rompimento das barragens da empresa Vale, em Mariana e Brumadinho, antes que elas ocorressem.
Imagem: Divulgação/CBMMG
Os autores são alunos do Ensino Médio de escolas estaduais públicas situadas no chamado quadrilátero ferrífero, no centro-sul de Minas Gerais. A região é conhecida pela operação de extração de minério de ferro, feita por grandes mineradoras como a Vale, por meio de usinas. Nelas, enormes barragens são construídas para armazenar rejeitos, que são resíduos sólidos e água resultantes dos processos de extração de minérios.
A queda das barragens da Vale nas cidades mineiras de Mariana, em novembro de 2015, e de Brumadinho, em janeiro de 2019, estarreceu o Brasil e o mundo. As tragédias foram marcadas por várias mortes de pessoas e pela devastação de áreas extensas de muita natureza, em ambos os locais.
Os textos foram identificados por Raquel Coelho, em sua pesquisa de doutorado, desenvolvida na Universidade Stanford. "Estou analisando todos os artigos de opinião enviados por alunos de escolas públicas que participaram nas edições de 2012 a 2016 da Olimpíada de Língua Portuguesa. São quase 15.000 textos. Meu objetivo inicial é tentar identificar os temas abordados pelos participantes para entender se existe alguma relação entre o local de onde escrevem (região, estado, zonas urbana e rural) e o tema sobre o qual escrevem. Para tanto, estou usando um método computacional conhecido como modelagem de tópicos (topic modeling), que faz essa análise de forma quase que inteiramente automatizada".
Raquel diz que foi exatamente essa exploração que a levou aos textos que tratam sobre mineração. "Palavras como mineração, Brumadinho e outras se agruparam para formar um tópico. O primeiro texto que identifiquei foi escrito em 2014 e falava sobretudo sobre a presença da atividade mineradora na cidade de Brumadinho". O aluno escreve:
“A paisagem natural de Brumadinho, embora seja contemplada com uma rica fauna e flora vive hoje um grave problema envolvendo a mineração, pois como relatei anteriormente o minério está muito presente no município e foi importante no desenvolvimento econômico e até mesmo, embora contraditoriamente, no processo cultural de Brumadinho. Até esse ponto não se pode observar problema algum. A situação só é visível quando a natureza começa a ser agredida violentamente por empresas, que tem o despudor de afirmar que trabalham com um sistema sustentável. Mesmo havendo o reflorestamento da área explorada ainda se pode notar que o solo está sem recursos minerais e o ambiente não é mais o mesmo de antes, ou seja, metaforizando, 'é só um lençol cobrindo um móvel empoeirado'”.
Raquel também encontrou um texto escrito por uma aluna de Ibirité para a edição de 2016 da Olimpíada, no qual ela narra:
“(...) Nos últimos meses, surgiu uma notícia: há possibilidades de uma empresa mineradora ser implantada na área da Serra. (...). Contudo, acredito que esse projeto causará mais retrocesso do que avanço. A ampliação dessa mineradora provocará muitos impactos ambientais. Dentre eles a remoção da vegetação, a evasão forçada dos animais que ali habitam; a contaminação dos solos por elementos tóxicos e a poluição do ar e dos recursos hídricos. (...) Vale ressaltar o ocorrido na cidade de Mariana, no dia 5 de novembro de 2015. O rompimento das barragens da mineradora Samarco Fundão deixou 19 mortos e é considerado o maior desastre ambiental do Brasil. Os rejeitos de minério de ferro atingiram mais de 40 cidades na Região Leste de Minas Gerais e no Espírito Santo, além de percorrer o Rio Doce até a foz. A lama praticamente destruiu todo o povoado. Sendo assim, tenho certo receio de que possa acontecer um desastre parecido com a ampliação da MIB (Mineração Ibirité Ltda.)”.
A pesquisadora conta que ficou estarrecida com os textos, pois o rompimento da barragem em Brumadinho tinha acabado de acontecer quando se deparou com os artigos. "Os textos refletem como os alunos estão não só atentos a questões que são relevantes para a comunidade local e para a sociedade brasileira como um todo, mas também como eles acumulam uma quantidade enorme de conhecimento pela participação em atividades e interações sociais que acontecem principalmente fora da escola", comenta.
Nascida e criada em Minas Gerais, Raquel afirma nunca ter imaginado que as tragédias ocorridas com rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho fosse possível. "Se passássemos mais tempo dentro da escola aproveitando essa expertise dos alunos e levando mais a sério o que eles têm para dizer e contribuir, talvez a realidade hoje fosse outra", conclui.
Em 2012, antes da queda da barragem de Mariana, o aluno da Escola Estadual Santo Antônio, localizada na cidade vizinha, Retiro Alto, Diêgo Carlos Mendes, comentou sobre os estragos e o perigo da atividade de mineração em ambos os municípios em um artigo de opinião que foi finalista da Olimpíada naquele ano.
Intitulado Quanto você Vale?, o texto de Diêgo faz referência às belezas naturais da região, mas afirma que o minério de ferro existente nela chama a atenção de mineradoras que têm intuito de explorar a extração desse minério, sem dar à natureza nada em troca.
Ele menciona até mesmo as conversas de grandes empresas com a comunidade local e lamenta que muitas pessoas eram a favor de que as mineradoras instalassem usinas nessas cidades, visando vagas de emprego. “Mas a parte restante, amparada por estudos de especialistas, defende a preservação e a criação do Parque Nacional do Gandarela”, diz ele.
O aluno conclui seu texto dizendo que “o único benefício que a mineração trará é o desenvolvimento econômico imediato e limitado, mas os rastros de destruição deixados pela mineração serão muito maiores que a rentabilidade total do negócio para a região. E, contrariando Maquiavel, para mim, os fins não justificam os meios, pois de que adianta a vitória se não tiver história?”.
Inspirados pelo tema da Olimpíada de Língua Portuguesa, “O lugar onde vivo”, estudantes encontraram nas atividades em sala de aula desenvolvidas durante a participação no concurso, espaço para externarem críticas e alertas quanto aos efeitos da atividade de mineração na região. Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação, lembra que encontrar o tema da Olimpíada foi um desafio, mas que, ao final, foi feita “uma escolha feliz”. “Mantivemos o tema desde 2002 e acertamos”.
Aos escreverem os textos em que relatam o problema do rompimento de barragens de mineradoras, esses estudantes exercitaram o que propõe a Olimpíada de Língua Portuguesa. A observação da comunidade e o reconhecimento de saberes e problemas locais, por meio de leituras, pesquisas e estudos realizados nas oficinas do concurso, possibilitam um novo olhar acerca da realidade e abrem perspectivas de transformação social.
Estudantes da EE Cônego Calado, em
Igarapé-Açu (PA), trabalham com o tema da Olimpíada.
Assim, dar voz aos alunos e tornar públicas suas produções é um ponto importante trabalhado no concurso, conforme lembra Anna Helena Altenfelder: “A escola não está isolada, se um problema chegou até ela por meio dos alunos é porque já existia um debate sobre ele na comunidade. Por esse motivo, textos de alunos não podem ficar guardados numa gaveta, mas precisam circular socialmente. Inclusive, porque formar um bom criador de textos implica em haver leitores para ele, ou seja, um público mais amplo que extrapole os limites da unidade escolar”, ela ressalta. Se os textos desses estudantes tivessem sido lidos e levados em consideração, talvez teríamos evitado essas tragédias.
Além do tema da Olimpíada, o exercício da prática do gênero artigo de opinião também motivou os alunos. “O artigo de opinião é aquele que, por sua própria natureza e função, mais favorece a participação do aluno-autor na vida pública e na construção da cidadania”, afirma Egon Rangel, consultor do CENPEC Educação e docente do Departamento de Linguística da PUC/SP. Ele complementa explicando que são escritos nesse gênero “textos com o olhar voltado a temas de interesse coletivo, que dizem respeito a todos, a problemas que demandam soluções mais ou menos consensuais, decisões a serem tomadas, rumos a serem seguidos e valores a serem examinados”.
A imprensa nacional tem acompanhado o deslocamento do talude (laterais de uma barragem de terra) da usina situada em Barão de Cocais (também da Vale), desde o último mês de maio, quando foi dado o alerta para o possível desabamento da barragem dessa unidade. A população que reside nas proximidades dela teve que deixar suas casas, como medida de proteção, e ainda há riscos.
Como não poderia deixar de ser, a queda de barragens é um dos principais assuntos comentados pela população de Barão de Cocais que continua residindo nas áreas mais afastadas da barragem. E reflexos dessa realidade são registrados em textos de alunos participantes da 6ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa, como os da Escola Estadual José Maria de Morais.
“Apesar de nossa escola estar em uma região considerada fora da área de risco, muitos alunos que moram mais perto da barragem fizeram textos sobre esse assunto, dentro do gênero crônica”, diz a professora Geralda Marcelina Gonçalves.
"É uma discussão que está presente em todas as aulas ao longo de oficinas e outros exercícios que fazemos em torno desse gênero. Muitos se preocupam achando que poderão ficar presos dentro da escola, caso ocorra o rompimento da barragem, e fazem críticas à empresa responsável pela usina de minério e autoridades, a partir do entendimento que possuem da situação e das informações que compartilhamos na escola", relata a professora.
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