Uma festa para os livros e para a leitura
livros, feiras literárias, literatura, formação leitora
Com a interrupção das aulas presenciais por conta da pandemia de coronavírus, os professores brasileiros se viram tendo que lidar não apenas com o estresse do momento, mas também com o uso de novas tecnologias de ensino a distância e a precariedade das condições materiais de seus alunos. Nesse cenário, as desigualdades do país, de cada escola e mesmo entre os alunos de uma mesma sala ficaram ainda mais patentes. Nos comentários à coluna da Professora Olímpia sobre a situação, 50% dos docentes relataram a falta de acesso dos alunos à internet como uma grande dificuldade, em seguida aparece a falta de recursos digitais dos estudantes (12%), como computadores ou celulares, para acessarem os materiais preparados. Com relação à docência, a falta de domínio das tecnologias digitais (44%) e a dificuldade de aliá-las às práticas pedagógicas virtuais (40%) estão entre as principais questões apontadas.
Os comentários, vindos de professores de diversos segmentos da educação, dão conta das mais diversas situações: escolas que estão paralisadas desde o início da quarentena, professores que gravam vídeo aulas, mesmo que parte dos alunos não tenha acesso à internet ou que este acesso seja limitado, dificuldades de aprendizagem sem uma mediação próxima, entre outros. Também chama a atenção o esgotamento dos professores que tentam incluir os alunos na medida do possível e dar conta de uma realidade para a qual não foram preparados. Nesta reportagem, conversamos com três desses docentes, que vivenciam realidades muito distintas e mostram um pouco dos desafios e esforços desses profissionais em meio a pandemia.
Para manter as aulas, apesar da quarentena, a escola da professora Cristineide Barboza da Silva, de Serra Talhada (PE), adotou o ensino a distância, com o envio de vídeos por meio de aplicativos virtuais. No entanto, ela explica que a unidade fica num bairro de periferia e muitos alunos não têm acesso à internet. Mesmo o celular dos alunos geralmente pertence a sua mãe ou a alguma outra pessoa da família, o que acaba atrasando o retorno das atividades. Já entre os que possuem internet, a maioria acessa via dados móveis, o que também pode dificultar a visualização de vídeos e outros conteúdos.
As famílias sem internet têm recebido atividades impressas para os alunos fazerem com o auxílio dos pais e orientação do professor, por telefone. O material é entregue em casa, por algum professor que more próximo, ou retirado quando um familiar vai à escola buscar o auxílio alimentação do município, que tem usado a unidade como ponto de entrega.
Cristineide conta que viu seu trabalho dobrar nesse momento de quarentena. Além de gravar vídeos para os alunos, hoje ela se vê explicando e fazendo correções por chamadas de vídeo, áudios, ligações telefônicas, fotos, entre outros meios. A qualidade dos áudios e vídeos também são prejudicados pelas condições do trabalho em casa: “o barulho da rua atrapalha demais”, diz.
Outra dificuldade é aliar o uso da tecnologia às práticas pedagógicas. “Os recursos didáticos de que dispomos não são suficientes para planejarmos aulas lúdicas, gravarmos, editarmos, enviarmos, interagirmos e acompanharmos a aprendizagem. Passamos o dia todo no celular a trabalho e usamos o final de semana para nos reinventarmos para a próxima semana. Também precisamos deletar arquivos da memória do celular o tempo todo, para ter espaços para as atividades do outro dia”, relata.
Sobre a aprendizagem dos alunos, ela vê várias lacunas: “nós não conseguimos explicar tudo o que precisávamos nem os alunos conseguem assimilar tudo que ensinamos”. Cristineide conta ainda que os pais não têm tempo disponível para ajudar os filhos com as atividades e, muitas vezes, também têm pouco conhecimento dos conteúdos. “Tempo é gasto e a aprendizagem lenta. Mas há exceções: alunos que, assim que recebem a atividade, já retornam o exercício certinho”.
Já na comunidade rural de Antas do Raso, que pertence ao município de Paripiranga, no semiárido baiano, as condições de vida dos alunos impedem que as aulas sejam ministradas a distância. O professor José Augusto de Souza calcula que cerca de 60% de seus alunos não têm acesso à internet. Com as aulas paralisadas há dois meses, a unidade estuda outras formas de atender os estudantes nesse momento.
Apesar das dificuldades, o professor conta que, no grupo de WhatsApp da turma, os alunos pediram que ele enviasse algumas atividades para eles fazerem em casa. “Eles viram na TV que em outros lugares as aulas estavam sendo realizadas a distância e começaram a me pedir também. Não queria quebrar o que havia sido discutido com outros professores e a escola, então combinei que eles me enviassem relatos de seu cotidiano nessa quarentena.”
A atividade não será usada para avaliação, mas um número considerável de alunos está participando, de turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. “Eles viram que nota não é tão importante e estão descobrindo um lado mais humano da escola. Os relatos são uma forma de nos aproximar deles nesse momento de medo, preocupação e excesso de informação”, diz José.
Os textos desse diário do isolamento trazem relatos sobre a vida dos jovens nesse momento, a convivência com a família, os cuidados que estão tomando e também suas opiniões sobre as medidas adotadas e a necessidade de ficar em casa. “Para enviar os textos, muitos vão até a casa de um vizinho para se conectar”, explica. Ao receber um relato, o professor corrige, devolve para o aluno fazer as mudanças necessárias e depois publica na página do projeto Vamos conversar, que desenvolve com suas turmas.
Professor de um pequeno cursinho voltado para as disciplinas de língua portuguesa, literatura e redação, Osvaldo Arthur Menezes Vieira enfrenta um quadro diferente, mas que também traz desafios. Seus alunos, da região de Porto Alegre (RS), têm fácil acesso à internet, mas ainda enfrentam as dificuldades de organizar seu tempo e construir a autonomia de estudo que o formato exige, além do estresse que atinge muitos neste momento. “Às vezes me sinto como um dos músicos do Titanic, que não para de tocar, mesmo que o barco esteja afundando”, diz.
A rotina do professor também foi afetada e ele conta que hoje trabalha cerca de 14 horas por dia para dar conta de gravar aulas, atender dúvidas por vídeo chamada, imprimir, escanear e dar retorno das atividades. “O trabalho de uma aula agora inclui gravação, edição e upload na plataforma. Não fui preparado para ser youtuber” brinca.
Para ele, este é o momento de mostrar aos alunos o valor da arte em situações como a que vivemos hoje. “Tento trazer a literatura, a escrita de textos e outras formas de expressão para mostrar como a arte pode ser um pequeno bálsamo em nossos dias. Também tenho pensado nas redações para que sejam um espaço de catarse e reflexão dos alunos”, conta Osvaldo. Entre os temas propostos para suas turmas estão o enfrentamento do medo, as mudanças no mundo provocadas pela pandemia e o heroísmo das pessoas comuns. Por acreditar que o momento pede por mais solidariedade, o professor tem deixado abertas suas aulas no Youtube e suas propostas de redação estão disponíveis na página do Facebook.
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