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biblioteca / educação e cultura

Uma caminhada pela memória negra das cidades brasileiras

Entrevista realizada por Marina Almeida

08 de maio de 2024

Caminhar pela cidade ouvindo as histórias das pessoas negras que ajudaram a construir aquele espaço, mas não costumam ser lembradas nos livros e monumentos. Essa é a proposta do Guia Negro, que organiza tours em 30 cidades de 21 estados brasileiros.

Guilherme Soares Dias no lançamento do seu livro
Guilherme Soares Dias no lançamento do seu livro "Afroturismo - afeto, afronta e futuro", no Rio de Janeiro em janeiro de 2024. Fotografia: @fotoart_cenas

Nesta entrevista, conversamos com Guilherme Soares Dias, fundador do Guia Negro. Jornalista, ele produz ainda o podcast Afroturismo e é editor do site Guia Negro, além de escrever para diferentes veículos, como o site independente Alma Preta, que traz também um olhar para os negros da história do País.

Guilherme fala sobre como encontra as histórias negras dos lugares, conta das dificuldades de encontrar documentação sobre o tema e da importância da história oral para a construção da memória negra. Os cuidados para criação de uma caminhada, a necessidade de ressignificar personagens da história brasileira e a importância das pessoas se reconhecerem na história de seu país são outros temas abordados nesta entrevista. Os apontamentos do jornalista podem ainda trazer ideias para educadoras(es) que queiram levar para sala de aula as histórias negras e indígenas de seus territórios junto com as(os) estudantes. Boa leitura!

Acesse o Guia Negro aqui.

 

Como surgiu o projeto Guia Negro?

O projeto surgiu em São Paulo, onde moro desde 2009. Eu estava há uns três meses na cidade, fazia parte de uma comissão de jornalistas pela igualdade racial, quando encontrei meu amigo Oswaldo Faustino, jornalista também, que é uma espécie de griô, um contador de histórias. Estávamos nas proximidades na praça da Sé indo para o Bixiga, no centro de São Paulo, quando o Oswaldo começa a contar algumas histórias do bairro da Liberdade, do Chaguinhas, do Bixiga... todas com um olhar para o protagonismo negro. Eu não conhecia nenhuma daquelas personagens e achei que era porque eu tinha acabado de chegar à cidade. Mas os anos foram se passando e eu entendi que ninguém conhecia aquelas histórias, nem os paulistanos, nem as pessoas negras...Em 2016, eu fiz um mochilão por 25 países dos 5 continentes e esse foi um divisor de águas, fui para os pontos considerados mais turísticos do mundo. Quando eu terminei essa viagem, fui morar em São Pedro de Atacama, no Chile, onde muitos mochileiros passam um tempo trabalhando e juntando dinheiro para continuar viajando. Mas lá eu não conseguia trabalho e percebi que tinha a ver com a questão racial, já que é um país bastante racista... Então eu inventei um trabalho para mim, comecei a fazer um tour contando as histórias indígenas de São Pedro do Atacama, que estavam fora desse turismo tradicional e das belezas naturais que atraem os visitantes para lá. Fiz isso por seis meses e foi legal, porque me ajudou a entender que eu gostava de contar essas histórias olhando para as pessoas e não só por escrito no jornal. E os turistas também contavam como conhecer essas histórias tinha transformado a viagem deles. Esse trabalho também envolvia uma pesquisa, eu conversava com os moradores locais, tentava dar dicas de coisas baratas para fazer ali. Voltei para São Paulo, em 2017. Cheguei já com essa ideia de fazer algo voltado para contar a história dessa São Paulo negra que eu tinha conhecido em 2009 e que eu não via sendo divulgada como eu gostaria. Não digo que nós, do Guia Negro, fomos os primeiros, porque acho que existiam outras iniciativas desse tipo, mas sem muita amplitude e divulgação. Comecei a fazer textos, a pesquisar sobre o tema, o que inclui conversar com os mais velhos. Troquei muito com meu colega Oswaldo Faustino, conversei com outras pessoas, como o Abílio Ferreira, que é um jornalista que também trabalha nessa preservação da memória, conversei com a Sueli Chan e outras pessoas do movimento negro que são mais velhas e têm a vivência dessa outra São Paulo. Quando contamos essa história, trazemos as referências dos bailes Blacks dos anos 70, a gente conta do Chic Show1, também falamos do movimento negro hoje, do Aparelha Luzia, dessa efervescência atual. Essas foram algumas das minhas referências e, a partir dessas entrevistas, eu fui também para o arquivo municipal, ler mais sobre os temas mencionados. Eu comecei essas pesquisas em 2017 e todo dia eu ainda descubro alguma coisa nova, personagens e histórias. Também estamos próximos da Rede Historiadorxs Negrxs. Na pandemia, voltei a atuar como repórter do site de mídia independente Alma Preta, e essa foi uma oportunidade para eu diversificar minhas fontes. No Alma Preta buscamos, por exemplo, contar a história dos negros com relação a eventos e datas como o 7 de setembro. E essas são questões que essa rede de historiadoras e historiadores têm tentado responder. Na escola, ainda aprendemos a história sob o olhar do colonizador, do branco, e esquecemos que o país tinha uma população majoritariamente negra e indígena. São perguntas que tentamos responder por meio de matérias jornalísticas, ainda que não tenham a profundidade de um estudo. No caso do exemplo, a independência do 7 de setembro aconteceu apenas para as pessoas brancas, os negros continuaram escravizados.

 

Essa rede de Historiadorxs Negrxs atua no Brasil inteiro?

Sim, eles atuam em todo o Brasil. A professora Ana Flávia Magalhães, por exemplo, que eu via como uma liderança do grupo, hoje está à frente do Arquivo Nacional. Ela estuda imprensa negra, já que jornais de mídia preta surgiram no século XIX de forma independente e atravessaram séculos. Essa rede sempre me indicava pesquisadoras(es) sobre os mais diversos temas da história negra. Gosto muito do professor Flávio Gomes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, que foi parceiro da Lilia Schwartz no livro Enciclopédia Negra. Ele é o principal estudioso sobre o período da escravização no Brasil.

 

Como é o processo de pesquisa histórica? Como encontram essas histórias muitas vezes apagadas dos bairros e cidades?

Guia Negro. Centro de São Paulo - Painel
Guia Negro. Centro de São Paulo - Painel "Pulando a vassoura de mãos dadas", de Fábio Gonçalves. 2021. Empena de prédio Ipiranga com a São João. Acervo: Guia Negro

A história negra está muito ligada à oralidade. Para muitos temas, não vamos encontrar documentos. Por isso, valorizamos a história oral tanto quanto a história que está nos documentos. Não temos documentos comprovando a existência de Zumbi dos Palmares, por exemplo. Mas isso não quer dizer que ele não existiu. Muitas vezes partimos desses relatos orais e buscamos fazer uma dupla checagem, ou seja, ouvir as várias versões de uma história. Tentamos entender qual é a versão que parece mais próxima do real. A história do Chaguinhas, por exemplo, está muito ligada à oralidade. Ele era um cabo negro de Santos (SP) que foi condenado à forca em São Paulo em 1821. Mas, ao tentarem enforcá-lo, a corda arrebentou três vezes, então ele teria sido morto a pauladas na frente das pessoas, que começaram a gritar “liberdade”, na tentativa de que ele fosse solto. Uma das teorias é de que o bairro da Liberdade tem esse nome por conta dessa história, que contamos na caminhada São Paulo Negra. Existem alguns documentos sobre esse fato, mas a maior parte dessa narrativa vem da oralidade, de figuras que relatam a história que reproduzimos. Temos esse cuidado de tentar entender o que é criação e o que é real. Outro exemplo, há pessoas que dizem que a mãe de Luiz Gama, Luísa Mahin, não existiu. Mas como ele nasceu então? De uma árvore? Alguma mulher existiu para que ele pudesse nascer. Há sempre uma tentativa de duvidar dessas histórias negras, de tratá-las como menos importantes, com menos validade. Mas nós sempre questionamos: por que essas histórias são menos válidas ou menos reais do que as histórias do colonizador?

 

Do que se trata exatamente essa dupla checagem? Como fazem isso?

Tentamos buscar mais de uma fonte oral que aborde a mesma história para comparar as duas versões. Nos últimos anos também temos encontrado mais trabalhos acadêmicos, seja de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), dissertação ou tese, que analisam esses fatos. Há uma documentação maior sobre o tema feita pela academia, então temos uma gama maior de estudos para recorrer também. Sabemos que, infelizmente, a história oral acaba tendo menos peso, então tentamos achar documentos que comprovem as narrativas que escutamos. No caso do Chaguinhas, buscamos se havia algum documento comprovando que um homem foi enforcado em 1822 e encontramos. Portanto, buscamos fatos que comprovem a existência daquela figura ou história.

 

E como definem o roteiro: há algumas preocupações ou cuidados que guiam suas escolhas? Há preocupação de valorizar pessoas negras e seus feitos, por exemplo?

Visita à estátua de Maria Felipa durante a Caminhada Salvador Negra. Maria Felipa foi uma mulher marisqueira, pescadora e trabalhadora braçal. Teria participado da luta da Independência da Bahia. O trabalho do Guia Negro ajudou a mudar o nome da praça, onde está localizada a estátua. Antes se chamava Visconde de Cairu e agora recebeu o nome de Maria Felipa. Fotografia de Heitor Salatiel.
Visita à estátua de Maria Felipa durante a Caminhada Salvador Negra. Maria Felipa foi uma mulher marisqueira, pescadora e trabalhadora braçal. Teria participado da luta da Independência da Bahia. O trabalho do Guia Negro ajudou a mudar o nome da praça, onde está localizada a estátua. Antes se chamava Visconde de Cairu e agora recebeu o nome de Maria Felipa. Fotografia de Heitor Salatiel.

Os roteiros têm uma preocupação de serem turísticos, são também um produto comercial. Eles têm que terminar com um gosto de “quero mais”, não podem ser longos demais. Então, cortamos esse trecho, mas contamos essas histórias em outra parte do trajeto. O tour é dividido em três eixos: passado, presente e futuro. Falamos do período da escravização, falamos do hoje quando mostramos que toda sexta-feira tem aula de samba rock no Vale do Anhangabaú ou que a Aparelha Luzia é um quilombo urbano que pode ser visitado, ou comentamos sobre uma exposição afro que está em cartaz. E falamos de futuro quando vamos em espaços como a Casa Preta Hub, que promove empreendedorismo e trocas, e mostra como a gente gostaria de ver as pessoas negras: num lugar de potência e de beleza. Também fazemos muitas provocações: por que a gente tem poucas estátuas de pessoas negras? Por que essas estátuas são tão pequenas? Por que tem poucas ruas com nomes de pessoas negras? Fazemos essas provocações justamente para tentar mudar esse futuro. E tentamos sempre apresentar lugares relacionados a essas histórias. Em São Paulo, apresentamos a Capela dos Aflitos. Em Salvador, apresentamos a Sociedade Protetora dos Desvalidos – um prédio onde existiu uma espécie de Caixa Econômica do século XIX e que foi o primeiro lugar onde os negros acumulavam dinheiro. Ali, todo mês, essas pessoas podiam guardar seu dinheiro, que servia para comprar alforria. Também podiam se capacitar para trabalhar, algo que o Estado brasileiro nunca fez. Aprendiam profissões simples, como de alfaiate, sapateiro, mecânico, mas que precisam de alguma instrução para serem exercidas. A Caixa e a Sociedade Protetora dos Desvalidos é desses lugares que os soteropolitanos não conhecem, nem os negros, nem os turistas. E ele está no Pelourinho de Salvador, em frente à Igreja São Francisco, muito visitada por ser a igreja com mais ouro do Brasil. Também gostamos de apresentar personagens, como Luiz Gama, Chaguinhas, a Maria Felipa, que foi uma heroína do 2 de julho, dia da independência da Bahia. E abordamos muito a cultura negra. Em São Paulo, falamos de samba rock, em Salvador, do bloco Afro, em Olinda, de maracatu e coco, em Macapá falamos de marabaixo... Além disso, a gente sempre tenta terminar com uma história positiva. No Rio de Janeiro, por exemplo, a gente faz o tour pela pequena África, passamos pelo Cais do Valongo, que é onde chegaram as pessoas escravizadas, um lugar que traz essa memória de muita dor. E precisamos contar essa história, que traz um incômodo pedagógico. Em alguns momentos dos tours, as pessoas choram, ficam chateadas, aflitas, mas depois terminamos o tour no mural do Kobra, que é super bonito e traz cinco figuras dos cinco continentes, numa região do Carnaval do Rio de Janeiro. Contamos dessa efervescência e terminamos o tour de modo mais positivo, com alguma esperança de que aquela história do passado possa caminhar para outro lugar. Os tours duram em média três horas, depois disso, por melhor que sejam as histórias, as pessoas não prestam mais atenção. Além disso, estamos na rua, com sol, cansaço e outras distrações. Também buscamos fazer roteiros com o preço mais acessível possível. Por isso, não incluímos almoço, mas terminamos o trajeto próximo de algum restaurante de uma pessoa negra e convidamos quem quiser para almoçar conosco. Esse também é um momento de muita troca, de ouvir as histórias de quem participou da caminhada.

 

Os espaços físicos e construções são as referências para contar essas histórias? E quando não há uma construção que se relacione ao que está sendo contado?

Quando não tem um espaço físico, a gente inventa. Por exemplo, em Salvador tem o Memorial das Baianas, que é um memorial que homenageia essas mulheres. É um lugar onde falamos de ganhadeiras, da força da mulher negra... Em São Paulo, tem um lugar onde foi o Pelourinho e onde funciona um fórum. Usamos esse espaço para falar do sistema judiciário, das pessoas encarceradas, de pessoas negras sendo a maior parte das pessoas que são mortas pela polícia. Buscamos sempre alguma referência para contextualizar esses lugares.

 

Vocês conseguiram um alcance muito grande com essas caminhadas. Como acontecem essas parcerias e articulações? Se uma educadora(or) quiser fazer algo parecido, quem ele pode procurar?

Fizemos um trabalho para uma grande empresa contando a história das 18 cidades onde ela tem fábricas por esse olhar da perspectiva negra, com vídeos de três minutos. São cidades pequenas, como Araras, Ibiá, Montes Claros, onde é mais difícil encontrar informações, mas buscamos referências históricas com quem atua no movimento negro na região ou quem organiza, por exemplo, as atividades do 20 de novembro. Também tentamos entender o que tinha ali de cultura local, como a Congada. Em Feira de Santana (BA), por exemplo, descobrimos o Lucas de Feira, que foi um negro escravizado que se revoltou e conseguiu a sua liberdade e a de outras pessoas. Ele não é o personagem mais conhecido da cidade, a maior parte das pessoas nunca ouviu falar dele, mas há uma rua com seu nome, por exemplo, e os movimentos negros da região o reverenciam. Em João Pessoa (PB), descobrimos uma mulher chamada Gertrudes, que também era escravizada. Ela se revoltou e matou os seus senhores. E o movimento negro da cidade já a conhecia, há uma escola com o nome de Gertrudes... Não criamos nada, essas pessoas já existiam, já eram pesquisadas e nós só trazemos mais visibilidade para essa história.

 

Por que é importante para as pessoas (e estudantes, em especial) poderem se reconhecer na história de seu território? E por que é importante que os estudantes brancos também conheçam essas histórias?

Quando falamos de história negra, falamos de história do Brasil, chamamos de história negra porque ainda precisamos reforçar esse ponto. Mas essa é a nossa história, a história da maioria da população. Conhecer essa outra história é muito rico e transformador. Quando eu fui à África do Sul, vi vários monumentos do Nelson Mandela e a história do Apartheid sendo contada. É muito transformador você se ver na história e nos monumentos, você sente que é possível. São histórias que nos tocam, emocionam, motivam e impulsionam. Às vezes a(o) estudante tem muita informação, não se interessa, mas ao descobrir e se reconhecer nessas histórias, ela(ele) mesmo quer ir a fundo e pesquisar mais.

 

Como esse apagamento da história e da memória negra contribui para o Brasil de hoje? E como retomar essas histórias pode transformar nosso país?

Esse apagamento histórico tem muito a ver com o racismo estrutural, é sistemático e é proposital não termos aprendido essas histórias e elas não serem divulgadas. Eu vejo uma transformação e uma vontade de conhecê-las, há escolas que têm comissões antirracistas, uma parte da mídia tenta fazer com que essas histórias também sejam mais divulgadas, mas ainda é um movimento tímido em comparação a esse apagamento histórico. Precisamos fazer isso com mais celeridade. Temos feito a nossa parte, mas ainda ficamos frustrados quando vemos que pessoas negras não conhecem sua história. Por exemplo, fazemos um tour anual com pessoas da Feira Preta, que são empreendedores de São Paulo que já trabalham com negritude. E é muito interessante porque metade das histórias essas pessoas nunca ouviram falar. Por outro lado, há sempre uma troca com elas. Às vezes elas fazem parte de algumas das instituições citadas, como a Irmandade dos Homens Pretos ou a Escola de Samba Vai-Vai, e contam coisas que eu não sabia. Tem sempre um diálogo e uma troca de aprendizagem.

 

É possível ressignificar monumentos que remetem ao passado escravista do Brasil? Como isso poderia ser feito? Ou como contar outras histórias ao lado dessas?

Há um colonizador [Cecil Rhodes] que abriu uma estrada de ferro que ia da África do Sul ao norte da África e há uma estátua dele em um parque em Cape Town. Hoje, ela continua lá – embora as pessoas tenham arrancado uma parte de sua cabeça –, mas está contextualizada, há uma placa com uma revisão histórica. Está sinalizado que ele já foi homenageado, mas que hoje é visto de outra forma. Eu acho que esse é um bom caminho, acho muito educativo fazer essas readequações históricas. Em Salvador, há algumas estátuas em homenagem às mulheres do candomblé que são insistentemente depredadas, o que não acontece com essas estátuas dos colonizadores. Houve uma ação em São Paulo contra a estátua do bandeirante Borba Gato, o que acabou gerando muita discussão. Estar em um museu ou na cidade de forma contextualizada, para mim, é um caminho interessante.

 

Vocês também lutam para que as discussões que levantam cheguem aos espaços institucionais e promovam mudanças na história oficial das cidades. Ainda há muita resistência à criação de uma narrativa mais diversa?

Nós tentamos. Olinda, por exemplo, é uma cidade em que sempre tentamos nos aproximar do poder público e nunca conseguimos. A maioria dos lugares de história negra não tem aquelas placas marrons, que identificam o lugar como turístico. E isso seria o mínimo. Tentamos fazer com que isso aconteça – e há uma verba do Ministério do Turismo voltada para isso, que as prefeituras podem pleitear, por exemplo. Tentamos mostrar que isso existe, sugerir que coloquem essas placas em alguns pontos, como no primeiro lugar de Maracatu da cidade... No início dos anos 2000, Campinas fez um trabalho que a gente usa como exemplo. Colocaram umas 20 placas pela cidade contextualizando lugares, como o lugar em que funcionou o pelourinho, e contando a história pelo olhar da negritude. Em São Paulo, por exemplo, fazemos muitos tours com grandes empresas, que também poderiam financiar essas ações, para além da iniciativa pública. São tentativas que temos feito. Mas ainda não conheço uma cidade no Brasil que tenha isso. E uma placa não é um investimento tão alto para um governo ou uma empresa e ainda traria visibilidade.

 

Têm histórias das caminhadas: reações inusitadas, marcantes?

É interessante porque geralmente são as pessoas brancas que ficam mais revoltadas pelas histórias. Por exemplo, o movimento negro defende que sejam tiradas as luminárias japonesas da rua dos Aflitos, no bairro da Liberdade, onde fica a Capela do Aflitos. No tour, falamos sobre essa questão, que é também uma opinião nossa, mas em nenhum momento dizemos que as luminárias deveriam ser tiradas de todo o bairro, até porque elas são a marca do bairro, acho bonitas, inclusive. Mas algumas pessoas se revoltam e falam que elas deveriam ser tiradas de todo o bairro, saem tão revoltadas querendo que se mude toda a arquitetura da área. Acontece também de muitas pessoas chorarem e até mesmo de soluçarem. No tour do Pelourinho, em Salvador, tem uma figura que se chama Negra Jho e já aconteceu de pessoas praticamente incorporarem um orixá com ela. E cada dia é um dia também.Tem pessoas que fazem o tour várias vezes para aprender a história, outras usam o tour para se conectar com pessoas dos mesmos interesses. Nosso público já é interessado em cultura negra e percebemos que as pessoas se conectam depois da caminhada, ali já surgiram grupo de amigas, casal de namorados, já teve uma criança que nasceu de um relacionamento que começou no tour... Nosso tour chama Caminhada São Paulo Negra, então quem compra esse tour já está mais aberto a ouvir, nunca tentaram invalidar nossas histórias – claro que às vezes perguntam de onde saiu a história ou de querer saber mais. Estamos criando agora o Passaporte do afroturismo. Como temos tour em várias cidades, a ideia é que tenha um carimbo para cada tour que a pessoa fizer. Quando começamos, só tinha a Caminhada São Paulo Negra e vimos que as pessoas queriam fazer mais passeios. Começamos a fazer outros tours em São Paulo e depois essas parcerias com mais cidades. Muitos tours surgiram na pandemia, as pessoas começaram a nos contatar para fazer tour em suas regiões. Não tínhamos intenção de expandir inicialmente, mas pensamos: por que não? Hoje estamos nessa missão de chegar a todo o Brasil.

 

Em quantas cidades o Guia Negro atua hoje?

Ano passado, por meio de parcerias, conseguimos fazer tours em 30 cidades brasileiras, de 21 estados.Este ano, queremos chegar nas 27 unidades da federação. O nosso maior desafio é a região Norte, não porque não existe negritude na região, mas porque somos uma equipe pequena e temos poucos contatos por lá. Estamos com esse desafio de chegar em estados como Acre e Roraima. Tem alguns tours que eu, pessoalmente, não fiz. Nunca fui à Macapá e não conheço o tour da cidade, mas nós passamos essas diretrizes que comentei, fazemos o tour virtualmente pelo Google Earth, analisamos se é muito longo, se faz sentido o trajeto...

 

E vocês sentem alguma diferença na reação dos estudantes? É parecida com a dos outros grupos?

Eu gosto muito de fazer tour com criança, porque sempre surgem dúvidas que nem eu tinha pensado e que preciso responder de modo que uma pessoa de nove anos consiga entender.  Traz uma sensação de renovação ainda mais presente. Fazer o tour com a família, os pais e a criança, também é bem legal, percebemos que é um momento em que pessoas se conectam entre elas também.

 


  1. O baile Chic Show era uma icônica festa de black music paulistana. O evento foi um marco na vida de São Paulo. Realizado em salões pela cidade nas décadas de 1970 e 1980, o espetáculo se transformou em um ponto de encontro da cultura negra e abriu espaço para funk, soul, rap e pagode, entre outros ritmos. A festa recebeu nomes como Tim Maia, Sandra de Sá, Gilberto Gil, Djavan, Bebeto e Carlos Dafé, além de artistas internacionais como Kurtis Blow, Betty Wright e James Brown in Chic Show Filme

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