Memórias literárias – Trecho de Nas ruas do Brás
O pai do meu pai era pastor de ovelhas numa aldeia bem pequena, nas montanhas da Galícia, ao norte da Espanha. Antes de o dia clarear, ele abria o estábulo e saía com as ovelhas para o campo. Junto, seu amigo inseparável: um cachorrinho ensinado.
Numa noite de neve na aldeia, depois que os irmãos menores dormiram, meu avô sentou ao lado da mãe na luz quente do fogão a lenha:
– Mãe, eu quero ir para o Brasil, quero ser um homem de respeito, trabalhar e mandar dinheiro para a senhora criar os irmãos.
Ela fez o que pôde para convencê-lo a ficar. Pediu que esperasse um pouco mais, era ainda um menino, mas ele estava determinado:
– Não vou pastorear ovelhas até morrer, como fez o pai.
Mais tarde, como em outras noites de frio, a mãe foi pôr uma garrafa de água quente entre as cobertas para esquentar a cama dele:
– Doze anos, meu filho, quase um homem. Você tem razão, a Espanha pouco pode nos dar. Vá para o Brasil, terra nova, cheia de oportunidades. E trabalhe duro, siga o exemplo do seu pai.
Meu avô viu os olhos de sua mãe brilharem como líquido. Desde a morte do marido, era a primeira vez que chorava diante de um filho.
VARELLA, Drauzio. Nas ruas do Brás. Ilustrações de Maria Eugênia. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2000. p. 5
(Coleção Memória e História).