Glossário

Publicação Teste

Agora, leia a descrição e a análise desse documentário:

Observação: Nessa análise, por vezes, utilizamos uma linguagem técnica. O intuito é apontar quais são os efeitos causados pelo uso de certos recursos da linguagem audiovisual. Os termos técnicos estão assinalados. Acreditamos que, ao assistir o vídeo e ler a análise, não será difícil entender do que se trata. Mas, para saber a definição exata do(s) termo(s), você pode consultar tanto o Bloco 2, dedicado à linguagem audiovisual, quanto o Glossário.

O curta-metragem Pescaria de Merda faz uma denúncia de cunho ambiental sobre o lixo descartado no Rio Pinheiros, na cidade de São Paulo. Ele inicia com a tela escura e o som de chuva. Da tela preta surge uma luz no canto superior esquerdo. No momento que troveja conseguimos perceber que a luz vem de um poste de rua. Visualizamos a luz do poste através de um vidro molhado.  Lê-se o título Pescaria de Merda enquanto luzes desfocadas e em movimento são mostradas em segundo plano. Misturado ao som da chuva, o barulho de cidade. Uma câmera em movimento focaliza o que parece ser uma galeria pluvial. Uma voz diz algo, pouco compreensível. Na sequência, alternam-se imagens em primeiro plano da água da chuva escorrendo por calçadas e bueiros e, em plano médio, imagens desfocadas de lixo nas calçadas. Ao barulho da chuva se mistura um emaranhado de sons que remetem à atmosfera caótica da cidade. Num trecho seguinte, São Paulo é filmada em plano geral e um recurso de linguagem aplicado às imagens provoca a sensação de aceleração do tempo, o chamado “time-lapse”. Amanhece. A imagem de alguns prédios aparece refletida numa superfície opaca de rio. A câmera capta o sobrevoo de uma garça com a cidade ao fundo. Ouve-se a ave grasnir. A montagem alterna imagens de uma garça, de um cavalo e de uma vaca com a da cidade. Num determinado momento um grupo vestido de amarelo é avistado em plano geral caminhando num viaduto enquanto os carros passam. Depois, a câmera já está próxima do grupo, filmando-os num travelling frontal. Carros na pista abaixo do viaduto são filmados num ângulo estranho. O grupo de amarelo anda na contramão dos carros. Uma câmera subjetiva mostra os pés de um dos integrantes do grupo. Na sequência, planos distintos se alternam: a cidade filmada ao longe, o grupo que caminha, porcos comendo num descampado. O grupo é filmado ora por uma câmera mais afastada, ora por uma mais próxima. Mais uma vez uma câmera subjetiva mostra os pés de um dos integrantes caminhando. O grupo chega às margens do rio. De início, vemos a vegetação tomando a superfície da água; depois, garrafas e outros objetos aparecem boiando. As imagens mostram esses objetos/lixo e as pessoas do grupo se organizando para pescar. Enquanto os objetos/lixo são mostrados em primeiro plano, as pessoas do grupo são avistadas em plano médio. O grupo começa a pescar. Algumas cenas da pescaria. Um integrante do grupo bebe um copo de água. Essa cena não é gratuita. Evidencia o contraste entre a transparência da água do copo e a opacidade da água do rio. Em meio ao lixo, uma pessoa consegue pescar o que talvez um dia tenha sido a embalagem de algum produto. A imagem de uma flor aparece na tela, mas logo se vai. Voltamos ao rio poluído, e mais uma vez alguém pesca um objeto/lixo. Uma montagem paralela cria conexão entre o movimento de uma retroescavadeira que recolhe o lixo e o da vara de pescar que também fisga lixo. A câmera filma de perto uma tubulação despejando água no rio. Imagens do rio espumante. A câmera faz um movimento livre, meio descoordenado, e mostra o céu cortado por fios elétricos. Deixamos as margens do rio. Imagens de mãos com luvas amarelas aparecem lavando uma série de objetos, que inferimos terem sido tirados do rio. Essas imagens aparecem sobrepostas a outra, menos definida, mas que aparenta ser de espuma no chão. Agora vemos imagens do entardecer e do anoitecer na cidade. As placas de rua que indicam ser a esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação são filmadas em Contra-Plongée. Em seguida, do outro lado da rua, por trás do fluxo de carros, avistamos objetos pendurados acompanhados por uma faixa, cujos dizeres, no início, temos dificuldade de ler. Mas com algum esforço, conseguimos decifrar: “Achados e perdidos”. O fato de filmar os objetos e a faixa de longe reforça a dispersão do olhar do espectador, sensação similar ao descaso que os transeuntes demonstram em relação aos objetos expostos. Só quando uma senhora para e olha para os objetos é que conseguimos ler as palavras: “Achados e perdidos, objetos pescados no rio Pinheiros”. A câmera passeia por outros dizeres: “Alguns destes objetos lhe pertence?”. A pergunta interpela o espectador, sugerindo que ele, assim como os transeuntes, é também responsável pelo estado degradado do rio. Nesse momento, matamos a charada do filme. A pescaria ganha novo sentido: ela existiu para que esse momento da exposição dos objetos/lixo fosse possível. A câmera mostra vários objetos inusitados: cabeça de uma boneca Mônica, bola, restos de embalagens, pedaço de vassoura, sapato… Uma câmera fixa permanece filmando um amontoado de objetos/lixo enquanto a cidade se move ao fundo. Por sob essas imagens surgem os créditos. Depois corta para novas imagens dos realizadores, filmados um a um, com suas vestes amarelas e varas de pescar na mão.

Percebe-se que na intenção de tornar a denúncia mais efetiva os realizadores, além de filmarem o estado degradante do rio, resolveram fazer e filmar uma performance que pudesse sensibilizar os transeuntes e o espectador. A esse recurso de criar uma situação para que um filme tenha possibilidade de existir damos o nome de “dispositivo”. Do ponto de vista da linguagem, é importante observar que os realizadores preferem enquadrar o lixo em primeiro plano e a ação do grupo em plano médio. Mas, quando precisam situar o ambiente, mudam para o plano geral. Acentuam a caminhada que realizam usando uma câmera subjetiva, que mostra os pés de alguém andando. Reforçam contrastes e similaridades através da montagem alternada. Para completar, misturam o som ambiente com uma trilha sonora que acentua a ideia de caos urbano. Assim, sem entrevista e sem narração em voz off, recursos que com certeza seriam usados por uma reportagem de TV, eles conseguem fazer a denúncia de maneira muito eficiente.