X
Um recurso bastante usado para dar coesão às sequências de um documentário é a narração.
Puccini (2009) lembra que escrever o texto da narração implica saber trabalhar com o poder de síntese das palavras. Ele deve acompanhar o ritmo das sequências e por isso a escolha de cada expressão é crucial. Uma maneira de avaliar a escolha das palavras e o ritmo do texto em relação às imagens é ler em voz alta o que foi escrito.
Outro aspecto importante ressaltado por Puccini é a escolha da voz para a narração. A seleção do narrador, com seu timbre específico de voz, pode, ou não, ajudar a criar o clima pretendido pelo documentarista.
Muitos documentaristas contemporâneos não gostam da narração em voz over em terceira pessoa. Provavelmente porque ela está associada ao caráter onisciente da narração do documentário clássico.
Mas a narração continua sendo recurso importante do documentário. Ela é muito recorrente em documentários de arquivo, históricos e biográficos.
Os vídeos abaixo reproduzem chamadas promocionais da série Os pioneiros, de Fabricio Leminski. Ela é composta de dez documentários sobre a história da cidade de São Paulo.
Os pioneiros – Valadares. Fabricio Leminski. Brasil, 2010, 5 min e 45 seg. Trailer.
Embora não seja um documentário em si, o registro promocional de Os pioneiros trabalha com o mesmo tipo de imagens utilizado na série: fotografias e filmes de arquivo.
No primeiro vídeo, uma câmera passeia por fotografias em preto e branco, com uma trilha sonora ao fundo, uma voz over masculina fala da importância das cidades.
O segundo vídeo comporta imagens de filmes de arquivo. Mais uma vez uma trilha e uma voz over masculina se fazem ouvir. A voz dá novo sentido às imagens, posto que ela não as explica, apenas fala da importância do tempo. As imagens do passado vão remetendo ao passar do tempo enquanto memória.
Em ambos os filmes percebe-se que a narração conduz o discurso, ressignificando as imagens.
Narração em primeira pessoa
A narração pode ser feita também em primeira pessoa, o que ajuda a criar um vínculo entre o narrador e as imagens, caso típico dos relatos de viagens, diários filmados, documentários autobiográficos e de caráter reflexivo. Nesse caso, costuma-se chamar a narração de “narração em off”. Geralmente, os filmes em primeira pessoa adotam narração informal como maneira de evidenciar a expressão pessoal do autor. Veja abaixo um exemplo desse tipo de documentário.
No seu longa-metragem de estreia Petra Costa fala do suicídio de sua irmã mais velha, Elena. Muito da força desse documentário está não apenas na coragem da realizadora de falar de um tema tão delicado quanto o suicídio, especialmente quando ele diz respeito à morte de um familiar, mas na forma como ela o faz.
Para discorrer sobre essa memória familiar traumática, Petra recupera o diário e algumas fitas cassetes deixadas por Elena, além de fotografias e filmes caseiros da família. Ela usa a narração em voz off em primeira pessoa para reconstituir as memórias da irmã. Ao discorrer sobre Elena, Petra fala dela própria e também de sua família, especialmente da mãe.
Assista ao trecho abaixo. São imagens da mãe, do pai, da própria Petra criança e de Elena adolescente.
00:07:18 até 00:14:37
Elena. Petra Costa. Brasil, 2012, 80 min. Trecho.
A narração em voz off em primeira pessoa de Petra, aliada às imagens de arquivo, pessoais ou públicos, acentua o tom poético e o forte caráter autobiográfico do documentário. Tendo em vista acontecimentos ocorridos na vida da mãe, de Elena e de sua própria, Petra comenta as imagens do passado e vai lhes dando um novo significado. Por exemplo, ela pega as imagens da gravação da mãe atuando em um filme e esclarece a coincidência de as três – ela, Elena e a mãe – desejarem ser atriz. Mostra também que, assim como Elena, quando jovem, a mãe também se achava inadaptada ao mundo e buscava um sentido para a vida. Ninguém poderia imaginar que essas imagens um dia serviriam para alinhavar a história de alguns membros da família com a depressão. Elas tinham outro fim. Mas agora é possível olhá-las com essa possibilidade de leitura que Petra apresenta na narração.
Cartelas de textos e intertítulos são utilizados como recurso de síntese, bem como estratégia para substituir a narração em voz over. Além de informar, servem para titular blocos temáticos, dar ritmo ao filme e propiciar a exploração de efeitos estéticos através da formatação do texto na tela.
Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999), do diretor Marcelo Masagão, utiliza esses recursos. Leia os comentários sobre o filme e assista aos trechos indicados.
No documentário, não há locução e depoimentos orais. Cabe às imagens – fotos, filmes antigos, material de TV – contar a história. Para narrar um século marcado por grandes e pequenos acontecimentos, a montagem usa recursos de sobreposição, fusão, divisão de tela. Assim, consegue mostrar mais em menos tempo.
Do ponto de vista discursivo, para evidenciar a tese de que a história é formada por personagens célebres e desconhecidas, o documentário tanto faz referências a grandes personalidades do século XX como a pessoas comuns.
Em geral, as pessoas comuns têm sua vida ficcionada. Isso ocorre quando o diretor cria uma minibiografia para uma pessoa qualquer que aparece na tela. Nesses casos, as legendas servem para descrever a pequena biografia, que, apesar de ficcional, representa a verdade de um sem-número de pessoas que poderiam ter ocupado a posição daquela cuja imagem está sendo focalizada. É o que ocorre, por exemplo, no trecho abaixo:
00:18:44 até 00:19:27
Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Marcelo Masagão. Brasil, 1999, 73 min. Trecho.
No caso de legendas de grandes personalidades, como se imagina que o público tenha alguma referência delas, investe-se em recursos de montagem que possam trazer sentidos novos às imagens. Isso ocorre, por exemplo, quando a imagem de Hitler adulto é antecedida por uma fotografia sua quando criança, acompanhada dos dizeres: “Indolente, mal-humorado e austero. Pouco dinheiro, poucos amigos, poucas mulheres. Nem cigarro, nem bebida. Bigode ralo”. Ou quando a imagem de Stálin aparece com a seguinte legenda: “Rude, provocador e cínico. Não era afeito à teoria. A mãe queria que fosse padre. Bigode avantajado”. Percebe-se que as legendas constroem outra narrativa para essas personagens históricas, diferentemente das narrativas oficiais. Essas referências a Hitler e a Stálin surgem numa grande sequência identificada como “paranoia”, na qual imagens de vários ditadores (Mao Tsé-tung, Mussolini, Pol Pot, Franco, Salazar, Idi Amin, Ceausescu, Ferdinand Marcus, Pinochet, Reza Pahlevi, Videla, Médici, Mobutu) aparecem ao lado de uma legenda que permite ao espectador identificá-las. As imagens vão aparecendo no centro da tela de forma distorcida e amalgamadas umas às outras, criando uma perturbação no olhar. Essa forma de fazer referência aos ditadores casa com a definição legendada de “paranoia”, que é apresentada também nesse trecho. Assista a toda essa passagem:
00:31:55 até 00:34:45
Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Marcelo Masagão. Brasil, 1999, 73 min. Trecho.
Em Nós que aqui estamos por vós esperamos as legendas servem ainda para materializar citações e definições:
00:35:46 até 00:37:07
Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Marcelo Masagão. Brasil, 1999, 73 min. Trecho.
00:32:53 até 00:33:16
Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Marcelo Masagão. Brasil, 1999, 73 min. Trecho.
Conclui-se, portanto, que legendas, títulos e intertítulos são usados de forma muito rica em Nós que aqui estamos por vós esperamos. Para assistir ao filme na íntegra, clique aqui.
1. Antes de começar a editar o filme, peça aos alunos que assistam a tudo o que está gravado e armazenado nas pastas específicas do computador ou HD. Solicite-lhes que façam anotações sobre o conteúdo das sequências, o time code de cada uma delas e eventuais problemas técnicos.
2. Instrua-os a elaborar, com base nessas anotações, o roteiro técnico do documentário. Utilize o modelo apresentado anteriormente.
3. Avalie se a narrativa construída a partir do roteiro técnico está de acordo com o ponto de vista do projeto inicial do documentário.
4. Com o roteiro técnico em mãos, oriente os alunos para que iniciem a edição do documentário. Lembre-lhes as diferentes etapas que uma edição comporta:
5. Verifique se os itens que necessitam de autorização (materiais de arquivo visuais ou sonoros, músicas existentes) foram devidamente autorizados; caso contrário, providencie as autorizações e, se necessário excluir ou substituir algum item, revise a edição.
6. Finalize a edição e salve o documentário.