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No epílogo de seu livro Cineastas e imagens do povo, Jean-Claude Bernardet assinala que, de tanto utilizada, a entrevista passou a ser uma espécie de “cacoete de linguagem” do documentário brasileiro.
Por sua vez, na obra Roteiro de documentário – da pré-produção à pós-produção, Sérgio Puccini sustenta que a entrevista está para o documentário assim como a encenação está para o filme de ficção, e faz uma série de afirmações e recomendações sobre o uso da entrevista no filme de não ficção, que retomamos aqui.
Segundo Puccini, a entrevista deve seguir um roteiro prévio, mas flexível, ou seja, é importante que o entrevistador não se apegue ao script, ele deve estar aberto a qualquer elemento que possa mudar a condução da entrevista e o direcionamento da conversa.
Dessa forma, Sérgio Puccini aconselha não enviar previamente as perguntas ao entrevistado; assim, evita-se que ele esteja preparado demais para a ocasião. Deve-se apenas informá-lo sobre o tema a ser abordado e deixar as perguntas para a hora da entrevista.
Puccini afirma que um bom entrevistador deve exercitar uma “escuta sensível”, prestando atenção não só ao que o entrevistado diz, mas também aos momentos de silêncio que permeiam o diálogo. Esses silêncios podem, em si mesmos, ser muito significativos.
Um aspecto importante para o qual Puccini chama a atenção é o direcionamento do olhar do entrevistado. Segundo ele, muitos realizadores ficam na dúvida se devem orientar o entrevistado a olhar diretamente para a câmera ou para quem conduz a entrevista.
O olhar para a câmera, além de passar a impressão de que se fala diretamente com o espectador, transmite uma sensação de autoridade. É o que ocorre com repórteres e apresentadores de TV.
Assista ao exemplo abaixo, que reproduz a escalada (manchetes de um telejornal) de uma edição de 2002 do Jornal Nacional.
Jornal Nacional. Ali Kamel, Fátima Baptista. Brasil, 2002, 1 min.
Os apresentadores estão sentados na bancada e se revezam no anúncio das notícias. Por vezes, as imagens deles dão lugar a fragmentos das reportagens que serão exibidas. Os apresentadores do jornal falam diretamente para a câmera em tom assertivo. O efeito de sentido é de seriedade.
Repórteres também costumam olhar para as câmeras, dando a impressão de que falam diretamente com o espectador. A diferença é que, em vez de se encontrarem no estúdio, estão na rua entrevistando pessoas. Os entrevistados, por sua vez, não costumam olhar diretamente para a câmera, mas para o repórter. Há exceções, no entanto. Quando o entrevistado olha diretamente para a câmera, ele passa a sensação de que compartilha com o repórter o comando da situação.
Assista à entrevista abaixo.
SBN Interativo. Bárbara Rocha. Brasil, 2017, 3 min e 43 seg.
O vídeo abre com o anúncio da matéria pelo apresentador, que olha diretamente para a câmera. Depois, passa para a repórter, que, de início, também olha para a câmera e em seguida vira-se para o entrevistado. Durante a entrevista, o entrevistado ora olha para a repórter, ora para a câmera. Ele sempre inicia e termina sua fala olhando para a repórter, mostrando que está interagindo com ela. Mas, durante todo o miolo de sua fala, ele olha para a câmera. Até mesmo, nesses momentos, a câmera fecha o zoom, enquadrando na tela apenas sua imagem. Isso ocorre, muito provavelmente, porque ele fornece informações sobre acidente de trabalho, um tema que interessa a todos os espectadores. Sua fala é uma espécie de prestação de serviço, de alerta, para o espectador. Portanto, é adequado que ele se dirija diretamente ao espectador.
No caso de entrevistas para documentário, o mais comum é o entrevistado olhar para o entrevistador, e não para a lente da câmera. Para passar a impressão de que o entrevistado interage com o entrevistador e também com o público, quem pergunta se posiciona atrás ou mais próximo da câmera, na mesma altura dela, para que o olhar do entrevistado possa se dirigir à câmera e ao entrevistador ao mesmo tempo. Essa estratégia tem um efeito maior de naturalidade quando comparado ao olhar diretamente para câmera.
Em vários momentos do documentário Jogo de cena (2007), de Eduardo Coutinho, veem-se as entrevistadas subindo uma escada e se sentando numa cadeira disposta à frente da do diretor, que, por sua vez, está sentado ao lado da câmera. Trata-se da configuração típica da entrevista para documentário, referida no parágrafo anterior.
Para ver a disposição entre entrevistadas, diretor e câmera, assista ao trailer do filme:
Jogo de cena. Eduardo Coutinho. Brasil, 2007, 105 min. Trailer.
O realizador tem três possibilidades de mostrar uma entrevista:
No documentário Jogo de cena podem-se ver todos esses tipos de presença da voz do entrevistador: ora vê-se e ouve-se Coutinho conversando com as entrevistadas, ora ouve-se apenas sua voz fazendo perguntas enquanto a câmera permanece focada na entrevistada, ora ouve-se apenas a resposta da entrevistada.
Enquadramentos mais comuns
Os tipos de enquadramento mais comuns em uma entrevista são: plano americano, plano médio, primeiro plano e plano detalhe. Selecionamos frames extraídos do documentário Jogo de cena para exemplificar esses enquadramentos.
Plano Americano – Mostra a personagem do joelho para cima.
Plano Médio – Mostra a personagem da cintura para cima.
Primeiro Plano – Mostra a personagem do tórax para cima, com ênfase na cabeça.
Plano Fechado ou big close – Mostra um detalhe ocupando todo o quadro – pode ser o rosto.
A variação de enquadramentos cria mais possibilidades visuais para o documentário e pode facilitar a edição, minimizando o chamado Jump-Cut, um efeito de “salto” na imagem, que ocorre quando se juntam dois planos de uma mesma pessoa feitos com o mesmo enquadramento em situações diferentes e com a câmera na mesma posição. Para evitar esse tipo de efeito, convém filmar o ambiente em que a entrevista foi gravada, alguns objetos ou detalhes da própria personagem, para se ter imagens de cobertura.
O ambiente de gravação de uma entrevista pode ser aberto (externo) e fechado (interno). Em geral, no ambiente externo há ocorrências de ruídos que podem interferir na captação do som (buzina de carro, latido de cachorro, ventos fortes, avião etc.). Mas mesmo em ambientes internos é preciso verificar se não há sons que prejudicam o registro sonoro (música, conversas em voz alta, ar condicionado etc.).
Um cuidado importante na hora da entrevista é minimizar os ruídos do ambiente. Por exemplo, numa gravação em escola, devem-se evitar os horários de recreio/intervalo, nos quais há gritos e conversas, bem como espaços cujas janelas se abrem para ruas de grande tráfego.
Lembre aos alunos que eles não devem se esquecer de pedir a todos aqueles que aparecerão no documentário uma autorização de uso de imagem. Isso é muito importante para evitar problemas judiciais no futuro.
Sugerimos um modelo de autorização disponível no menu Autorizações. Para baixar este modelo em seu computador, clique aqui.
Depois de concluída a filmagem, reúna a turma e exiba os resultados. A seguir, discuta com eles os seguintes pontos, avaliando prós e contras, acertos e dificuldades: