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Antes da revolução tecnológica dos anos 1950-1960, as câmeras eram pesadas e não havia a possibilidade de captar diretamente o som. Restava aos documentaristas usar sonoplastia, dublar depoimentos ou usar voz over.
Quando as câmeras se tornaram mais leves e passaram a poder captar o som ambiente surgiram novas formas de representação do mundo. Uma delas foi o chamado “cinema direto”, nascido nos Estados Unidos.
É com o cinema direto americano que passa a existir o modo de representação do mundo do tipo observacional, que lança um olhar demorado para o seu objeto, procurando suas reações naturais.
O modo observacional renuncia a qualquer forma de controle sobre os eventos que registra – o filme seria, assim, o “espelho vivo” da realidade.
Tal cinema desenvolveu métodos próprios de filmagem e montagem: não intervenção do diretor na cena; equipe de filmagem reduzida; manter os equipamentos invisíveis; não haver preparação prévia para as gravações; não acrescentar nada à imagem e ao som originais captados na locação; dar destaque para o plano sequência e a montagem continuada para evitar ou tornar invisíveis os cortes, de modo que a ação passe naturalidade ao espectador. Todos esses recursos objetivam criar a impressão de que a realidade conta a si própria.
Os documentários observacionais buscam dar uma ideia de duração real dos acontecimentos, ao contrário do ritmo dramático dos filmes de ficção tradicionais e da montagem acelerada da televisão e dos videoclipes.
O modo observacional propõe uma série de considerações éticas sobre o ato de olhar/observar os outros. Até que ponto esse olhar pode ser invasivo? O olhar observacional é voyeurístico? Diante da presença de uma câmera, as pessoas filmadas conseguem agir naturalmente ou estão sempre simulando um comportamento ideal? Embora o cineasta deseje ser invisível e não participante, há ocasiões em que ele deve intervir? Por exemplo, para evitar uma morte?
Abaixo, disponibilizamos o trecho de abertura do documentário Justiça (2004), de Maria Augusta Ramos, em que ela mostra os bastidores de várias instâncias do sistema penal brasileiro, no Rio de Janeiro. Réus, juízes, defensores e desembargadores são as personagens. Assista a esse recorte do filme e leia a análise.
Justiça. Maria Augusta Ramos. Brasil, 2004, 100 min (filme completo).
Agora, leia uma breve descrição e análise.
Se desejar assistir ao filme completo, acesse aqui.
No trecho de abertura acima indicado vê-se, de início, a imagem de um rapaz sentado numa cadeira de rodas sendo empurrado por outro. Uma câmera fixa situada numa das extremidades do corredor vai registrando a aproximação da cadeira. Enquanto isso, ouvem-se os ruídos do ambiente. A iluminação é natural. No momento seguinte, a câmera enquadra, a certa distância, réu e juiz, um de frente para o outro (além do auxiliar do juiz). Eles travam um diálogo de mais de um minuto, que é mostrado sem interrupções. Depois, uma nova tomada focaliza o réu mais de perto. Na sequência, sucedem-se tomadas enquadrando individualmente cada uma das personagens: primeiro, o juiz e o auxiliar; depois, a defensora pública; o juiz mais uma vez; e, no final, o réu. Esse trecho inicial de Justiça deixa claras as escolhas estilísticas próprias do modo observacional.
Em seus filmes, Maria Augusta Ramos costuma não realizar entrevistas, não usa trilha sonora ou narração em voz over. As imagens que ela oferece ao olhar do espectador são apresentadas a partir de um ponto de vista fixo, que só muda quando troca o plano. As câmeras não se movimentam e aparentemente são ignoradas pelas personagens, já que elas nunca dirigem o olhar para a câmera. Os diálogos são reais, ou seja, não seguem nenhum roteiro. Essa forma de filmar causa no espectador a sensação de que ele está tendo acesso direto à situação tal qual ela ocorreu.
1. Discuta com os alunos se os preceitos do documentário observacional garantem acesso direto à realidade. Busque esclarecer que, mesmo não intervindo na cena de forma direta, qualquer registro do real nunca é “a coisa em si”, mas sua representação.
2. Peça a cada aluno que fotografe a sala onde está. Distribua algumas imagens feitas pelos alunos e mostre que, apesar de o ambiente e o tempo histórico do registro terem sido os mesmos, cada um deles criou uma representação fotográfica a partir de seu ponto de vista. Discuta o que está dentro de cada imagem e o que ficou de fora, procurando conhecer as razões da escolha do enquadramento. Leve os alunos a concluírem que em virtude do ponto de vista foram construídos vários olhares para a cena, o que pode resultar em diferentes verdades.
3. Proponha um exercício segundo o qual cada dupla de alunos fique de frente um para o outro, olhando-se nos olhos, sem conversar, durante três minutos. No final, peça-lhes que relatem a experiência. Observe se surgem depoimentos sobre se sentir invasivo e/ou invadido pelo olhar do outro durante o exercício. Discuta se houve dificuldade de parar e observar o outro. Converse sobre a questão da percepção do tempo, se foi curto ou longo, e sobre as dificuldades de permanecer olhando um para o outro e a eventual vontade de rir.