Bloco 1

Oficina 1

Etapa 1

Fronteiras entre documentário e jornalismo

A questão da verdade

O documentário está fortemente associado ao campo do jornalismo, isso porque ambos, jornalismo e documentarismo, são tomados como discursos que buscam oferecer acesso ao real, à verdade.

No entanto, tal objetivo é inalcançável, pois a representação do mundo é sempre determinada por um ponto de vista, nunca é a coisa em si mesma.

Se no início de sua história o documentário buscou representar a realidade de forma objetiva e imparcial, aos poucos ele foi se distanciando desse fim. Até mesmo, como se verá adiante, muitos são os documentários que questionam essa possibilidade.

O jornalismo, por sua vez, apesar de discutir a questão nas redações e faculdades, e muitas vezes em outros espaços públicos, ainda preza a imparcialidade e a objetividade. Assim, não é permitido ao repórter de um telejornal tomar posição perante um fato; se assim o fizer, será considerado parcial, tendencioso e acusado de manipular a notícia. A tomada de posição fica reservada a comentaristas e, por vezes, apresentadores.

Já o documentário é um gênero fortemente marcado pela subjetividade do(a) autor(a). Ele(a) pode opinar, tomar partido, expor-se, deixando claro para o espectador(a) qual o ponto de vista que defende sem precisar camuflar a sua própria opinião ao narrar um evento.

O fato de o documentário ser um gênero marcado pela subjetividade do(s)/ da(s) autor/autores(as) permite um trabalho bastante construtivo com a argumentação nas aulas de língua portuguesa, levando o aluno a perceber de que forma texto, imagem e montagem vão criando efeitos de sentido.

A questão da transformação social

Outro aspecto que aproxima jornalismo e documentarismo é o fato de ambos serem vistos como instrumentos de transformação social. Muitos prêmios são oferecidos a jornalistas e documentaristas que conseguem mobilizar a opinião pública, as instituições e as autoridades com suas reportagens de denúncia social.

Provavelmente, muitos dos documentários a serem realizados pelos alunos irão nessa direção. São comuns os filmes de estudantes que mostram as condições precárias de saneamento básico dos locais onde moram, os problemas com o recolhimento do lixo e com o meio ambiente, a falta de áreas de lazer etc.

Um alerta: documentários que seguem a linha da denúncia social devem buscar um trabalho criativo com as imagens e a trilha sonora, para que o filme não fique centrado exclusivamente no texto, seja ele referente à fala das pessoas entrevistadas, seja uma narração em voz over do repórter. Assim, evita-se que o documentário adquira um formato muito próximo do jornalismo.

Veja abaixo um bom exemplo de documentário de crítica social que explora os recursos de linguagem do audiovisual.

Dica: ao longo do filme você verá alguns comentários da equipe do Programa Escrevendo o Futuro. Se desejar assistir sem as observações, clique no ícone de comentários para desativá-los.

Pescaria de merda. Coletivo Santa Madeira. Brasil, 2009, 8 min.

Agora, leia a descrição e a análise desse documentário:

A questão do ator social/personagem

A maior parte dos espectadores tem nos programas jornalísticos de TV, como o telejornalismo, sua única referência de registro documental.

Um telejornal constitui-se de um mosaico de informações. Por causa disso, o tempo dedicado a cada assunto costuma ser breve. Essa escassez de tempo faz com que as informações não possam ser aprofundadas.

Nesse contexto, as entrevistas também costumam ser curtas. Muitas vezes, os entrevistados só aparecem nas matérias para ilustrar, confirmar, provar aquilo que está sendo dito. Por exemplo, nas entrevistas colhidas na rua (o chamado “povo fala” no jargão da TV), as pessoas não são mostradas como indivíduos nas suas particularidades, mas sim como categorias sociais: o desempregado, o endividado, o empresário de sucesso, o pai de família, o artista etc.

O próprio documentarismo brasileiro já se valeu (e por vezes ainda recorre a ele) dessa forma de entrevista. Em seu livro Cineastas e imagens do povo (1985), Jean-Claude Bernardet cunhou o termo “modelo sociológico” para se referir a tais documentários. Segundo esse cineasta e crítico cinematográfico, o modelo sociológico consiste, basicamente, na voz over de um locutor que narra – por cima das imagens – as ideias centrais do filme. Essas imagens são intercaladas por depoimentos de pessoas que dão crédito ao argumento sustentado pelo documentário. Enquanto os entrevistados representam a voz da experiência, a voz over nunca fala de si e possui um dono que não se identifica. A voz over, narrada em terceira pessoa, dissolve os entrevistados em estatísticas e ideias generalizantes. Dessa forma, os entrevistados funcionam como amostragem do discurso do narrador.

Na contemporaneidade, no entanto, o documentário tem tentado se afastar do modelo sociológico e investido em entrevistas que objetivam revelar as singularidades do homem comum. Para tanto, dedica tempo maior às personagens a fim de que elas possam se pôr em cena com toda a sua complexidade, gerando no espectador interesse por suas histórias de vida, por aquilo que dizem e fazem, e não apenas pelo que representam ou ilustram na escala social e no contexto da cultura.

 

Atividades

1. Comece perguntando aos alunos se eles costumam assistir ou já assistiram a um documentário. Anote os exemplos que surgirem para que você possa investigá-los em aulas subsequentes.

2. Procure saber quais foram as mídias através das quais eles assistiram aos documentários mencionados: televisão (em canais abertos ou por assinatura), cinema, internet (YouTube, Vimeo etc.), e se na percepção deles os documentários adquirem propriedades distintas de acordo com o veículo onde foram exibidos. Por exemplo, maior ou menor credibilidade, maior ou menor cuidado estético no tratamento das imagens, do som, da edição etc.

3. Exiba trechos de telejornal onde apareçam entrevistas no estilo “povo fala”, aquelas entrevistas de rua. Leve os alunos a perceberem como as pessoas entrevistadas geralmente são apresentadas, não como sujeito singular, mas como representantes de uma categoria social (o pobre, o trabalhador, o desabrigado etc.).

4. Exiba o curta-metragem de caráter documental, indicado abaixo, sobre o alfaiate Manoel Santos. O objetivo é mostrar aos alunos(as) o quanto difere das reportagens televisivas na forma de dar a conhecer a personagem. Se desejar, leia aqui um breve comentário que pode ajudá-lo(a) a refletir sobre como trabalhar esse filme com seus/suas alunos(as).

Dica: ao longo do filme você verá alguns comentários da equipe do Programa Escrevendo o Futuro. Se desejar assistir sem as observações, clique no ícone de comentários para desativá-los.

Santos – ofício alfaiate. Dannyel Leite. Brasil, 2014, 8 min e 36 seg.