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— Vô, quem foi Getúlio Vargas?
— O que foi o Dia D?
— Conta aquela vez que você era pequeno e foram de fordinho para São Paulo, e aquela outra vez que pegou fogo na máquina de café.
E os olhos embaçados do avô se iluminam. Ele endireita as costas e como se inflasse o peito cheio de histórias prontas para ganhar vida conta para os mais novos suas lembranças de outros tempos. Seus conhecimentos não vão morrer com ele, há pessoas interessadas em suas vivências, em conhecer como foi sua vida.
— Vô, por que você não escreve essas histórias? Assim todo mundo pode saber o que aconteceu. Na escola li um livro em que a Ilka fez isso…
“A minha história começa muitos e muitos anos atrás.
Atrás de onde?, podem perguntar vocês. E eu responderei: atrás de hoje. Ontem. Antes de anteontem. Longe, na minha memória: lá é o tempo e o espaço da minha infância.
Eu vou morrer um dia, porque tudo o que nasce também morre: bicho, planta, mulher, homem. Mas as histórias podem durar depois de nós. Basta que sejam postas em folhas de papel e que suas letras mortas sejam ressuscitadas por olhos que saibam ler.”
Ilka Brunhilde Laurito. A menina que fez a América. São Paulo: FTD, 2002.
Há situações em que a memória se apresenta por meio de perguntas que fazemos ou que fazem para nós; em outras, a memória é despertada por uma imagem, um cheiro, um som.
De onde vem nossa necessidade de lembrar? Ou: por que a lembrança se impõe até mesmo quando não temos intenção de recordar? A aceitação dessa ideia nos leva a encarar a poética sugestão de Walter Benjamin (2004):
“A memória não é um instrumento para a exploração do passado; é, antes, o meio. É o meio onde se deu a vivência, assim como o solo é o meio sutil no qual as antigas cidades estão soterradas. Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como o homem que escava”.
Aproximar-se dos ausentes, compreender o que se passou, conhecer outros modos de viver, outros jeitos de falar, outras formas de se comportar representam possibilidades de entrelaçar novas vidas com as heranças deixadas pelas gerações anteriores.
As histórias passadas por meio de palavras, gestos, sentimentos, podem unir moradores de um mesmo lugar e fazer que cada um sinta-se parte de uma mesma comunidade. Isso porque a história de cada indivíduo traz em si a memória do grupo social ao qual pertence. Esse encontro, como afirma Ecléa Bosi (2005), é uma experiência humanizadora.
Os registros escritos são uma possibilidade de perpetuar nossas memórias. Em seu livro Memórias inventadas: a terceira infância, Manoel de Barros nos mostra como o processo de escavação proposto por Benjamin pode ser feito por meio da literatura:
Três personagens me ajudaram a compor estas memórias. Quero dar ciência delas. Uma, a criança; dois, os passarinhos; três, os andarilhos. A criança me deu a semente da palavra. Os passarinhos me deram desprendimento das coisas da terra. E os andarilhos, a pré-ciência da natureza de Deus. Quero falar primeiro dos andarilhos, do uso em primeiro lugar que eles faziam da ignorância. Sempre eles sabiam tudo sobre o nada. E ainda multiplicavam o nada por zero – o que lhes dava uma linguagem de chão. Para nunca saber onde chegavam. E para chegar sempre de surpresa. Eles não afundam estradas, mas inventavam caminhos. Essa a pré-ciência que sempre vi nos andarilhos. Eles me ensinaram a amar a natureza. Bem que eu pude prever que os que fogem da natureza um dia voltam para ela. Aprendi com os passarinhos a liberdade. Eles dominam o mais leve sem precisar ter motor nas costas. E são livres para pousar em qualquer tempo nos lírios ou nas pedras – sem se machucarem. E aprendi com eles ser disponível para sonhar. O outro parceiro de sempre foi a criança que me escreve. Os pássaros, os andarilhos e a criança em mim, são meus colaboradores destas memórias inventadas e doadores de suas fontes.
Manoel de Barros. Memórias inventadas: a terceira infância. São Paulo: Planeta do Brasil, 2008.
Memórias literárias geralmente são textos produzidos por escritores que, ao rememorar o passado, integram ao vivido o imaginado. Para tanto, recorrem a figuras de linguagem, escolhem cuidadosamente as palavras que vão utilizar, orientados por critérios estéticos que atribuem ao texto ritmo e conduzem o leitor por cenários e situações reais ou imaginárias.
As narrativas, que têm como ponto de partida experiências vividas pelo autor no passado, são contadas da forma como são lembradas no presente. Os alunos, por serem ainda muito jovens, irão recorrer, no desenvolvimento do tema, às memórias de pessoas mais velhas da comunidade. É importante, portanto, enfatizar, que eles não irão escrever suas próprias memórias, eles precisarão aprender a escrever como se fossem o próprio entrevistado.
Para saber mais sobre o gênero “memórias literárias”, assista ao vídeo em que a professora Beth Marcuschi, da Universidade Federal de Pernambuco, comenta algumas produções de alunos enviadas para a Olimpíada de Língua Portuguesa em 2010 e dá dicas de como aperfeiçoar um texto de memórias. Clique aqui para assistir ao vídeo.