Oficina 4

Etapa 1

O valor do debate em situações de conflito

(90 minutos)

  • Um dos objetivos desta atividade é refletir sobre o papel que o bom uso da palavra, o debate e a argumentação podem desempenhar na resolução de conflitos e na tomada de decisões coletivas. Para isso, analise com a turma uma notícia sobre o movimento de derrubada de estátuas de figuras históricas controversas após a morte de George Floyd, homem negro assassinado por policiais norte-americanos em 25 de maio de 2020.
  • No começo da aula, apresente apenas as seguintes manchetes:

“Estátua de Borba Gato, símbolo da escravidão em São Paulo, é incendiada por ativistas”, do El País Brasil

“Estátua de ativista negra substitui a de traficante de escravos no Reino Unido”, da Folha de S. Paulo

  • Investigue o quanto elas e eles já sabem sobre o tema por meio de algumas perguntas e registre no quadro as hipóteses apresentadas.

– Por que a estátua de um traficante de escravos foi substituída pela de uma ativista? Que acontecimentos podem ter levado ao ato?

– Por que a estátua de Borba Gato, bandeirante que participou do processo de interiorização do Brasil, foi incendiada por ativistas? A manchete dá alguma pista? Quem são os ativistas ou quem representam?

– A quem a turma atribui a substituição da estátua no Reino Unido? Pela manchete, conseguimos saber se ela foi substituída a pedido do governo?

  • Só após a sondagem, leia em voz alta, com a colaboração de alunas e alunos, o texto completo de uma das notícias, que trata do evento no Reino Unido e está disponível no menu Coletânea.
  • Depois da leitura, organize a turma em grupos de até quatro participantes e peça que conversem sobre as seguintes questões:

Agora que vocês têm mais informação, conseguem responder o que motivou a troca das estátuas? Quais das hipóteses iniciais apresentadas pela classe estavam corretas?

Segundo as informações fornecidas pela notícia, parece haver pontos de vista divergentes a respeito da substituição da estátua?

Qual é a posição da turma sobre o tema? O que pensam da derrubada da estátua? A saída escolhida pelos manifestantes foi a mais acertada ou deveriam ter procurado a via legal para remover um símbolo que lhes ofendia? Em relação à substituição pela estátua de uma jovem negra, seria necessário que o artista consultasse a prefeitura, uma vez que se trata do espaço público?

Na localidade em que vocês vivem, há alguma estátua – ou mesmo nome de rua e escola – que incomode os moradores por prestar homenagens que hoje já não são adequadas?

  • Quando a discussão se encerrar nos grupos, retome as questões propostas e abra espaço para que as equipes se posicionem, fazendo intervenções quando necessário.

JANELA TEÓRICA

O que é argumentar?

Não se pode simplesmente impor valores. As leis não são neutras, os cidadãos têm o direito de questioná-las e de discuti-las. Mesmo a construção delas é resultado de um debate. Quando trabalhamos a argumentação com os alunos, estamos trabalhando algo fundamental na vida social, que é o diálogo com o pensamento do outro, ainda que o outro pense de maneira muito diferente da nossa. Esse diálogo com o pensamento do outro é a minha definição do que é argumentação.

Argumentar para dialogar

Qual é a finalidade da argumentação? Transformar o pensamento do outro. Para isso, é necessário levar em consideração esse pensamento para transformar, não para impor. É o diálogo que permite regular a vida coletiva em uma sociedade democrática. Assim, o aluno tem que desenvolver autonomia de opinião. A argumentação é onipresente na vida social.

Joaquim Dolz, professor da Universidade de Genebra, na Suíça, em artigo para o portal Escrevendo o Futuro.

Disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/revista-digital/artigo/66/pequenos-grandes-poderes Acesso em: 8/6/2023

  • Chame a atenção para que após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, em maio de 2020, eclodiram manifestações em todo o mundo contra a violência policial e o racismo. Foi durante tal onda de manifestações que a estátua de um traficante de escravos chamado Edward Colston foi derrubada por manifestantes em Bristol, cidade inglesa, e lançada no rio Avon, que passa pela localidade. Informe às(aos) estudantes que, antes da derrubada, já havia sido solicitado à prefeitura local que a imagem fosse trocada. Mais tarde, após o ato, um artista, sem autorização da prefeitura, colocou o monumento de bronze em homenagem à ativista negra no lugar em que estava Colston.
  • Mencione que a notícia informa que tanto a derrubada da estátua quanto a substituição por um monumento novo não foram autorizadas pelo poder público. Isso evidencia a diferença de posições em relação ao ato: a dos manifestantes, a do poder público e, em alguma medida, a dos canais de mídia que noticiaram o ato (basta pensar a que informação deram mais ênfase). Além disso, você pode acrescentar que a derrubada das estátuas durante as passeatas de 2020 foi tema de uma série de debates nos meios de comunicação, o que também mostra que não há consenso sobre a questão.
  • Ao ouvir o ponto de vista de cada grupo sobre o tema, peça que justifiquem o posicionamento adotado. Indique que há uma relação de hierarquia entre os envolvidos: a prefeitura, responsável pelo espaço público, detém também o comando das forças policiais que poderiam agir contra os manifestantes. Por outro lado, a atitude dos ativistas poderia ser entendida como depredação do patrimônio público? A violência dos policiais nos Estados Unidos e em outras partes do mundo contra os negros justifica as ações das pessoas que removeram a estátua de Edward Colston? Note que não se trata de simplificar a questão, mas de oferecer às alunas e alunos a possibilidade de pensar a partir de diferentes ângulos.
  • Durante a conversa, procure valorizar a importância do debate, do diálogo e da argumentação para chegar a soluções sem apelar para a violência. Embora os posicionamentos sejam divergentes, por meio da fala, é possível estabelecer consensos e medidas para sanar o problema.
  • Conte às(aos) alunas(os) que a estátua de Colston derrubada pelos manifestantes foi retirada do rio e levada para um dos museus da cidade de Bristol, onde, segundo as autoridades, contribuirá para problematizar o período escravocrata. Já a estátua da ativista foi retirada pela prefeitura menos de 24 horas após ter sido colocada no pedestal. À época, noticiou-se que seria leiloada e o dinheiro doado a organizações da luta antirracista. O que os grupos pensam da solução? O tema foi suficientemente debatido pela cidade? Chegou-se a uma saída razoável para todos os envolvidos?
  • Como foi possível observar por meio do texto e do fato que ele narra, o espaço das cidades é um espaço de disputas. As estátuas são escolhidas por uma determinada – e pequena parte da sociedade – que visa não apenas homenagear determinadas figuras, mas garantir que elas permaneçam visíveis para um grupo amplo de cidadãos que veem a estátua ao transitar pela cidade. Se essa escolha é feita por um grupo restrito, não é democrática e, possivelmente, não representa a todos. Por isso, estabelece uma situação de disputa e conflito.

SAIBA MAIS

Desconstruindo os bandeirantes

O Museu do Ipiranga, em São Paulo, foi restaurado e reaberto em 2022. Sua nova proposta museológica apresenta aos visitantes a exposição “Passados imaginados”, que discute de que maneira a história brasileira foi construída pela representação de pessoas e eventos em livros didáticos, obras de arte, maquetes e documentos. Isso inclui os bandeirantes, glorificados em pinturas e estátuas à moda de antigos reis. Parte da análise está detalhada em um material para professoras e professores, disponível para download no site da instituição. O material rende uma parceria com a equipe de História para adensar o conhecimento e a argumentação das(os) estudantes.

Acesse: https://museudoipiranga.org.br/wp-content/themes/museu-theme/assets/download/passados_imaginados.pdf

  • Discuta com as(os) alunas(os) como não se trata de estabelecer o lado certo e o lado errado da história. No campo da argumentação e do debate, nós vamos além da lógica de “mocinho” e “vilão”. Cabe, sim, perceber que existe um jogo de forças e vozes ou grupos mais reconhecidos do que outros na sociedade. Nesse sentido, a ação de derrubada das estátuas é a forma que os grupos excluídos ou pouco representados encontraram de se fazer ouvir.
  • Ainda assim, as tentativas de conquistar tal espaço de fala podem desencadear violência. O que é possível fazer para evitá-la? Converse sobre isso com a turma e reforce que uma forma eficaz de combater a violência e evitá-la é o debate aberto, constante e sistemático sobre as dificuldades a serem contornadas no convívio cotidiano, nos lugares onde vivemos.
  • Como forma de concluir a reflexão, discuta com a turma que valor o debate pode ter na condução da vida pública de uma comunidade, de uma cidade, de um Estado ou de um país, bem como no cotidiano das pessoas, especialmente em situações que parecem difíceis. Para tanto, leia e discuta com o seguinte texto:

Quem é você diante de uma situação difícil?

O que é uma “situação difícil?” Em geral, é uma situação que se caracteriza pela violência indesejada que carrega. Apesar de inúmeros progressos realizados com relação a essa questão, a violência continua enraizada no cerne de nossas vidas diárias. […]

Diante de uma situação difícil, de uma violência que atravessa nosso caminho, temos três opções à nossa disposição: recorrer à violência; fugir; tomar a palavra, tentar argumentar a fim de defender nossas posições e, ao mesmo tempo, pacificar a situação.

Philippe Breton. Argumentar em situações difíceis. Barueri: Manole, 2005.

  • Questione como a turma se define diante de situações difíceis: tentam tomar a palavra, argumentar e pacificar a situação? A depender das respostas, problematize que características contemporâneas fazem com que seja difícil a garantia do diálogo. Respostas como crescimento dos extremismos e da polarização política são alguns dos caminhos possíveis para a discussão.