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Quando chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras. Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas, penicos e o que mais houvesse para aparar a água que caía e para que os vazamentos não se transformassem numa inundação. Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes.
Fernando Sabino. O menino no espelho, Rio de Janeiro: Record, 1992.
Aracaju, a cidade onde nós morávamos no fim da década de 40, começo da de 50, era a orgulhosa capital de Sergipe, o menor estado brasileiro (mais ou menos do tamanho da Suíça). Essa distinção, contudo, não lhe tirava o caráter de cidade pequena, provinciana e calma, à boca de um rio e a pouca distância de praias muito bonitas.
João Ubaldo Ribeiro. “Memória de livros”, in: Um brasileiro em Berlim. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 105.
Fico pensando nisso e me pergunto: não estou imaginando coisas, tudo isso poderia ter realmente acontecido? Terei tido uma infância normal? Acho que sim, também joguei bola, tomei banho nu no rio, subi em árvores e acreditei em Papai Noel. Os livros eram uma brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de criança vendo tanto que entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.
João Ubaldo Ribeiro. “Memória de livros”, in: Um brasileiro em Berlim. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 112.
Depois me despeço e refaço todo o caminho de volta até meu quarto. Vou à janela, olho para fora. O que vejo agora é a paisagem de sempre, o fundo dos edifícios voltados para mim, iluminados pelas luzes do entardecer em Ipanema. Ouço o relógio soando a última pancada das cinco horas. Viro-me e me vejo de novo no meu apartamento.
Caminho até a mesa, debruço-me sobre a máquina que abandonei há instantes. Leio as últimas palavras escritas no papel:
… até desaparecer em direção ao infinito.
Sento-me e escrevo a única que falta: FIM.
Fernando Sabino. O menino no espelho, Rio de Janeiro: Record, 1992.
O trabalho com os livros de memórias literárias pode ser feito de diferentes maneiras, conforme a quantidade de livros de que você dispuser. Se houver apenas um título, leia a parte inicial ou o primeiro capítulo para os alunos e alunas e incentive-os(as) a ler o restante, organizando empréstimo na biblioteca em esquema de rodízio. Havendo mais obras, o trabalho pode ser feito em grupos, sempre tendo como foco principal observar como o autor ou a autora iniciou e concluiu a obra e os fatos narrados.
Professora, professor, no menu Coletânea deste Caderno você vai encontrar um trecho de Galinha ao molho pardo, do livro O menino no espelho; e uma compilação de Memória de livros, do livro Um brasileiro em Berlim.