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Surgiu então a Nhecolândia, cujas peripécias eu ouvia, fascinado, como criança, nos serões à luz do lampião, defendendo-me dos mosquitos, pólvoras e mutucas na Fazenda Alegria.
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Meu avô, Vicente Alexandre de Campos, ali se instalou para fundar uma fazenda – o retiro Paraíso. As terras baixas da Nhecolândia, nome dado em homenagem ao desbravador, abrangiam cerca de 23,5 mil quilômetros quadrados, mais de um sexto dos 140 mil quilômetros quadrados que constituem o Pantanal mato-grossense. Nheco comandou o que, por assim dizer, se poderia chamar uma grande operação comunitária, fazendo doações de terras aos que se animassem a participar da rude aventura.
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Na minha ótica de primeira infância, o Pantanal me parecia mais perigoso que belo. Tinha medo de cobras (a jararaca, a cascavel e a sucuri) e das onças (parda e pintada), então abundantes nas várzeas e capões. A suprema forma de coragem era a caçada de onça com zagaia. Também levara o susto da piranha, quando entrei desprevenido na baía adjacente à Fazenda Alegria. Quase perdi o dedão do pé direito. Era infernal o incômodo dos mosquitos, pólvoras e as mutucas. Nas longas viagens de carros de boi, comia-se carne-seca e farinha de mandioca, ou assava-se um pacu pescado no rio. Bebia-se de manhã o “tererê”, o guaraná ralado em língua de pirarucu. De vez em quando se matava um boi para o churrasco. O pacu era o peixe favorito e democrático, pois de fácil pesca.
– Pacuzão para os ricos, pacuzinho para os pobres, pacu pra nós todos, era o refrão dos vaqueiros.
As bebidas eram o guaraná ralado e o indefectível chimarrão.
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As belezas do Pantanal, com seus corixos, baías e várzeas, que no começo das chuvas pareciam jardins formais, com riqueza de flora e fauna, só entrariam na minha percepção trinta anos mais tarde, quando voltei, como superintendente do BNDE, ciceroneando uma turma de banqueiros do Eximbank, de Washington.
A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.