X
Carol Bensimon
Sou o último ser humano que se imaginava com uma tatuagem – a tela em branco entre os amigos, a pessoa que não muda tanto assim, mas que tem medo do aspecto permanente da tinta. Um belo dia, no entanto, começo a pensar em carregar para sempre no braço um tipo específico de árvore, que simbolizaria uma experiência x, muito importante na minha vida, e blá blá blá. Instantes depois, estou falando sobre essa vontade no Facebook. Estou pedindo opiniões. Estou recebendo incontáveis incentivos. Um conhecido me passa o contato de uma tatuadora que está com a agenda cheia pelos próximos 10 meses. Por que agora todo o tipo de gente, de todas as idades, quer rosas, nomes de filho, frases em alemão ou robôs guerreiros na pele?
Começo a pensar sobre a popularização da tatuagem e deixo minha árvore meio de lado. Melhor ter certeza. Sinto que apenas isso – “um tempo para amadurecer a ideia” – já me coloca anos-luz distante do pessoal de vinte e poucos anos, que normalmente não frita a cabeça refletindo sobre o desenho perfeito, o mais significativo entre todas as opções cogitadas, ou se ele vai fazer sentido depois de uma década ou mais. Segundo uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2014, 36% dos jovens norte-americanos de 18 a 25 anos tinham ao menos uma tatuagem.
Quando falamos em tatuagem, não há dúvida de que estamos falando da construção e da exposição de uma identidade. Nessa segunda metade do século 21, além de querermos nos sentir muito especiais e únicos, parece que precisamos estampar o que somos em praça pública – ou na arena virtual – o mais rápido possível, já que quase ninguém tem tempo ou paciência para se conhecer de fato. Nesse sentido, etiquetas facilitam e likes são muito bem-vindos. Em texto para a revista The Atlantic sobre tatuagens, o escritor Chris Weller resume muito bem essa ideia: “A modernidade nos leva a declarar nossa identidade com convicção, quer já a tenhamos encontrado ou não.”
Weller acredita, além disso, que o ato de tatuar-se não se relaciona simplesmente com a busca por esse “eu”; a narrativa que vai se construindo na pele é a própria identidade. Ler esse acúmulo de desenhos e frases como uma narrativa da vida de alguém, aliás, pode explicar o fato de que a maioria dos tatuados consegue lidar com marcas do passado que talvez não façam tanto sentido hoje, algo semelhante a “essa cicatriz aqui foi de quando sofri um acidente de moto”. Uma parte de nossa história, em resumo, para o bem ou para o mal. Ainda assim, segundo uma pesquisa divulgada pelo The Guardian, 23% dos adultos britânicos se dizem arrependidos de ter feito uma tatuagem.
Um tempo atrás, eu achava que essa questão da permanência era de certa forma uma contradição, afinal havia nas tatuagens algo de tão instantâneo, tão transitório, tão dependente da estética de determinado período, que o fato de elas serem algo inapagável me parecia uma espécie de “apesar”. O mesmo para a dor do processo (em uma época em que tentamos a todo custo evitar dores, físicas ou psicológicas). De maneira que fiquei surpresa quando, no já citado texto, Weller oferece uma outra chave de interpretação: a nova geração não está fugindo de um senso de estabilidade e permanência, mas está buscando isso desesperadamente. Faz sentido. Ela está dizendo que não quer que o mundo gire tão rápido. Que precisa se definir, ser e ter alguma coisa, no meio desse turbilhão. Soma-se a isso o fato de que, diferente das anteriores, essa é uma geração que ainda não conquistou coisas concretas (e alguns deles simplesmente não estão interessados nisso). Se não há carros, casas, carreiras sólidas, relacionamentos de décadas, há então tatuagens. Algo que dure. Precisamos todos de algo que dure.
Uma estranha na cidade. [S. l.]: Dublinense, 2016.